O 13 de maio de 2022 marca um aniversário pouco festivo na Fórmula 1: exatos 10 anos atrás, a Williams vencia uma corrida pela última vez.
Embora o venezuelano Pastor Maldonado tenha dominado aquele Grande Prêmio da Espanha, largando da pole position (após uma punição à McLaren de Lewis Hamilton) e cruzando a linha de chegada à frente de Fernando Alonso (Ferrari) e Kimi Raikkonen (Lotus), aquela vitória na Catalunha já foi uma exceção em uma época de vacas magras da equipe fundada por Frank Williams.
Antes da única vitória de Maldonado na F1, a Williams não vencia uma corrida desde 2004, quando Juan Pablo Montoya foi o primeiro colocado no Grande Prêmio do Brasil. Foi a única prova vencida naquela temporada pelo time, que havia somado quatro vitórias em 2001, uma em 2002 e quatro em 2003 – anos dominados pela Ferrari, nos quais a esquadra com sede em Grove já não era protagonista.
É duro - mas não exagero - dizer que a Williams passou mais da metade de sua história na Fórmula 1 sofrendo como coadjuvante. Depois de duas décadas de sucesso (1977 a 1997), o time se acostumou a buscar voltar a brilhar. Chegou a ensaiar retomadas no século XXI, mas nunca mais conquistou um título.
Dá para entender a espiral de decadência da Williams na Fórmula 1? Dá para tentar.
Sem Renault e sem Adrian Newey, o início da queda
Quando Frank Williams e Patrick Head iniciaram a equipe que levava o sobrenome do primeiro na Fórmula 1, o talento do segundo como engenheiro automotivo logo mostrou resultados.
A chegada de Alan Jones em 1978 ajudou o time a dar passos importantes, e as primeiras vitórias não demoraram. Em 1980, em sua quarta temporada na F1, a Williams foi campeã de pilotos e de construtores. Em 1981, levou de novo o de construtores. Em 1982, o de pilotos.
Em 1983, a Williams sofreu com a concorrência de equipes como Ferrari, Renault e Brabham. Foi quando percebeu que precisava utilizar uma alternativa que já vinha fazendo sucesso entre as equipes de ponta: os motores turbo. Assim, os Ford V8 que empurravam os carros da escuderia deram lugar aos Honda V6 Turbo.
A “era turbo” só terminou no fim de 1988, mas a Williams encontrou um caminho nas parcerias de sucesso com fabricantes de motores. Com o apoio de grandes fornecedoras (Honda, de 1984 a 1987, e Renault, de 1989 a 1997), Frank Williams e Patrick Head empilharam títulos. Foram cinco títulos de pilotos e sete de construtores.
Mas a sequência de títulos acabou em 1997. A partir de 1998, a equipe passou a sofrer com dois grandes reveses: a saída do projetista Adrian Newey para a McLaren e da Renault como fornecedora de motores. Newey deixou a Williams no fim de 1996, mas o carro de 1997 ainda contou com os traços do projetista. Já os motores usados pelo time em 1998 ainda eram os Renault, mas basicamente os mesmos V10 usados em 1997, rebatizados com a marca Mecachrome (uma empresa de engenharia que projetava os motores Renault da F1).
“Em 1997, a Williams ganhou com motores Renault, assim como tinha ganho nos anos anteriores. No final de 1997, quando a Renault deixou a Fórmula 1 de maneira oficial e a Williams continuou utilizando o motor Renault, mas não com o apoio da fábrica, ali a Williams começou a enfrentar uma grande dificuldade, principalmente nesse departamento de motores. Na Fórmula 1 e no automobilismo como um todo, se você não tem a evolução, você acaba ficando para trás. A Renault não estando oficialmente na Fórmula 1, a Williams acabou sofrendo muito com a questão de motores”, analisou Max Willson, piloto de testes da Williams em 1998 e 1999, atualmente comentarista do Grupo Bandeirantes de Comunicação.
A Williams fechou a década de 1990 como coadjuvante. Em 1998, com os motores Mecachrome, foi terceira no Mundial de construtores e fechou o ano sem vitórias – o que não acontecia desde 1988. Em 1999, com os motores Supertec (empresa administrada por Flavio Briatore que reformulava os motores Renault construídos pela Mecachrome em 1998), o time caiu para a quinta posição entre as equipes.
Dos pódios para o meio do pelotão
A chegada da BMW em 2000 deu novo fôlego à Williams. Naquele ano, ainda sem vencer, o time foi terceiro no Mundial de construtores. Em 2001, com Juan Pablo Montoya (substituindo Jenson Button) e Ralf Schumacher na equipe, manteve a posição conquistando quatro vitórias.
Em uma era amplamente dominada pela Ferrari, a equipe conseguia ser a mais competitiva do restante do grid, sendo vice-campeã em 2002 e 2003. No entanto, os projetos de Patrick Head não conseguiam recolocar a escuderia no topo, o que começou a incomodar a BMW. O quarto lugar em 2004 e o quinto lugar em 2005 azedaram a relação, e a fabricante alemã decidiu ir embora. A partir de 2006, assumiu a operação da Sauber com o nome de BMW-Sauber.
“Com a entrada da BMW, depois de um ou dois anos de maturação, a Williams voltou a disputar corridas e vencer corridas, a disputar campeonatos – assim como o Montoya disputou com o próprio Schumacher no início dos anos 2000. Ela teve uma ascensão, passou por uma série de dificuldades logo após essa parceria com a BMW”, analisou Max Wilson.
Terminada a era das grandes parcerias, a Williams entrou em um cenário mais próximo do que seria vivido até hoje. Sem os projetos de Adrian Newey ou mesmo de Patrick Head (que deixou a função no fim de 2004, retornando como consultor em 2019), sem o apoio de motores como Honda, Renault ou BMW, o time da família Williams foi ficando para trás. Primeiro, no meio do pelotão. Depois, no fim da fila.
Nomes como Sam Michael, Loic Bigois, Ed Wood, Jon Tomlinson e Mike Coughlan assumiram a função de desenhar os novos carros. Os projetos pouco competitivos ganharam motores que não compensavam os problemas, como Cosworth (2006 e 2010 a 2011), Toyota (2007 a 2009) e Renault (2012 a 2013). Mesmo com a vitória na Espanha, por exemplo, a Williams fechou a temporada 2012 na oitava posição entre as equipes.
Um suspiro antes do fim da fila
A reviravolta veio em 2014, no início da era híbrida da Fórmula 1, recebendo motores turbo V6 de 1,6 L. A Williams acertou em cheio ao assinar com a Mercedes, responsável com folga pelos melhores motores da época. O time perdeu Pastor Maldonado para a Lotus, mas recebeu Felipe Massa em uma negociação bastante vantajosa para os envolvidos – exceto Maldonado.
Embora não tenha vencido corridas, a Williams voltou a conquistar pódios com regularidade. Em 2014 e 2015, a parceria Felipe Massa e Valtteri Bottas colocou o time no terceiro lugar do Mundial de construtores.
“Foi um momento muito bacana para mim. Eu saí da Ferrari e, além de ser uma equipe muito famosa, a Williams era uma equipe que tinha chegado no campeonato anterior em antepenúltimo. Eu acertei com eles em meio a uma mudança de regulamento, acreditando que seria uma situação diferente, um trabalho para fazer a equipe voltar a ser uma equipe competitiva, e realmente aconteceu. A gente conseguiu, nos dois primeiros campeonatos, o terceiro no campeonato de construtores”, comemorou Felipe Massa.
No entanto, essa euforia durou pouco. A partir de 2016, os motores Ferrari e Renault (utilizados pela Red Bull sob a marca TAG Heuer) começaram a diminuir a diferença. Logo, os carros da Williams projetados por nomes como Pat Symonds e Paddy Lowe mostraram que não eram tão fortes assim em um campo de batalha mais equilibrado. A concorrência logo chegou, empurrando a Williams de novo para trás: o time foi quinto em 2016 e 2017, e décimo em 2018 e 2019.
Em 2020, pela primeira vez desde 1977, fechou o ano sem pontuar. E para piorar o que já não era bom, sem resultados, a situação financeira começou a se agravar ao longo dos anos.
“(A Williams) ameaçou uma reviravolta, um crescimento de novo na era híbrida a partir de 2014, principalmente pelo fato de os motores Mercedes terem uma supremacia muito grande em relação a qualquer outra montadora. Por utilizar o motor Mercedes desde o início dessa era híbrida, principalmente nos primeiros anos, a Williams demonstrou potencial para ser a segunda, terceira força. Obviamente, aquilo teve um tempo limitado”, disse Max Wilson.
“A partir do momento que as outras montadoras começaram a chegar próximo do motor Mercedes, a Williams voltou a enfrentar um problema que é uma combinação de problemas financeiros, que ocasiona problemas técnicos também. Daí para frente, teve uma decadência muito grande, muito triste, principalmente em se tratando de uma das equipes mais tradicionais da Fórmula 1”, completou.
Para Massa, que deixou a Fórmula 1 e a Williams no fim de 2017, o cenário ainda se agravou em 2018. A partir daquela temporada, os times encararam novas mudanças aerodinâmicas e poderiam usar apenas três motores por piloto no ano - contra quatro de 2017.
“Eu consegui ter, nesses últimos quatro anos da minha carreira, com emoção, ser competitivo, ser importante para a equipe, fazer a Williams voltar a ser uma equipe competitiva. Aí, de repente, quando eu anunciei a aposentadoria, em uma mudança de regulamento também, a equipe acabou tendo uma situação muito difícil”, lembrou Massa.
E agora?
Em 2020, a família Williams vendeu a equipe para a Dorilton Capital, que colocou Jost Capito como diretor-executivo e chefe de equipe. Em 2021, depois de 37 corridas consecutivas sem pontuar, o time esboçou uma reação inesperada: terminou quatro corridas (Hungria, Bélgica, Itália e Rússia) na zona de pontuação, com direito a um pódio incomum de George Russell, segundo em Spa-Francorchamps.
Passado o décimo lugar do britânico em Sochi, a equipe voltou ao “normal”. A melhor posição foi o 12º lugar do Nicholas Lattifi na Arábia Saudita. Mesmo assim, serviu para animar quem tem carinho pelo time.
“(A Williams) está começando a voltar - teve uma mudança, um grupo novo comprou a equipe, e neste ano (de 2021) estão começando a voltar a melhorar, a evoluir. Eu espero essa evolução para a equipe”, afirmou Felipe Massa.
“Eu torço muito para que a Williams volte a crescer, assim como a McLaren vem crescendo, também passou um período muito difícil nos últimos anos e vem se recuperando”, concordou Max Wilson. “Espero que aconteça também com a Williams, e eu torço para que isso aconteça. É uma das equipes mais tradicionais da Fórmula 1, seria muito bom ver a Williams disputando as primeiras colocações de novo.”
Ao longo de décadas, a Williams encontrou uma receita em sua era de ouro, e não conseguiu mais sair disso. O caminho para voltar a vencer parece ser de novo ser o “plano A” de uma fornecedora de motores. Pode não dar certo (como não chegou a dar na era BMW), mas ser o “plano B” de uma montadora não vai recolocar o time no topo.
Emanuel Colombari
Emanuel Colombari é jornalista com experiência em redações desde 2006, com passagens por Gazeta Esportiva, Agora São Paulo, Terra e UOL. Já cobriu kart, Fórmula 3, GT3, Dakar, Sertões, Indy, Stock Car e Fórmula 1. Aqui, compartilha um olhar diferente sobre o que rola na F-1.