O lançamento de uma série documental sobre a vida de Bernie Ecclestone tem dado o que falar – especialmente na Argentina.
Lucky! (ou “Sortudo!” em tradução literal) retrata a trajetória de Ecclestone ao longo de décadas na Fórmula 1 – da breve participação como piloto em 1958, passando pelo posto de proprietários de Brabham entre 1972 e 1987, chegando à posição de diretor-executivo das entidades que controlaram a F1 (como FOCA e FOM) entre 1978 e 2017. A série é dirigida por Manish Pandey, roteirista do documentário Senna (2010).
Uma das passagens mais polêmicas da obra diz respeito à decisão do título da temporada 1981. Na ocasião, Nelson Piquet (Brabham) levou a melhor sobre Carlos Reutemann (Williams) e foi campeão por apenas um ponto de diferença (50 a 49).
Reutemann chegou à última etapa da temporada, o GP de Caesars Palace, com vantagem de um ponto (49 a 48) sobre Piquet. A decisão daquele ano ocorreria no traçado montado no estacionamento o hotel Caesars Palace, correndo em sentido horário. Além do desenho tortuoso da pista, os pilotos tinham outro obstáculo: as condições climáticas desérticas de Las Vegas.
“Depois do primeiro dia de treinos, era óbvio que os pilotos teriam problemas com as dores no pescoço”, afirmou Ecclestone na série.
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Foi então que uma personagem fundamental apareceu: a massagista que atendia Reutemann. Nas entrevistas, Ecclestone deixa claro que a profissional foi subornada para que o argentino não estivesse em plenas condições para a corrida.
“Carlos estava falando com a massagista nos boxes. Fui me encontrar com essa pessoa e, depois de uma discussão financeira, decidiram favorecer Nelson”, conta o dirigente.
Carlos Reutemann largou na pole position, com Nelson Piquet em quarto. O argentino, no entanto, perdeu posições e completou a primeira volta em quinto, ainda à frente do brasileiro, que era nono. Aos poucos, os dois foram se aproximando.
Na sétima volta, Piquet finalmente encostou em Reutemann. O brasileiro pressionou, mas só conseguiu ultrapassar o rival na volta 17. O piloto da Brabham chegou a brigar pelo pódio, mas poupou rendimento no fim e terminou em quinto. O rival, em apresentação discreta, foi superado por John Watson (McLaren) e Jacques Laffite (Ligier), terminando em oitavo. Alan Jones (Williams) venceu a prova e foi o terceiro colocado do Mundial, à frente de Laffite, que corria por fora na briga para ser campeão.
Reutemann se aposentaria da F1 em 1982, após as duas primeiras corridas do ano pela Williams. Posteriormente, ingressou na política e chegou a ser governador da província argentina de Santa Fé em dois mandatos (1991 a 1995 e 1999 a 2003). Morreu em 2021, aos 79 anos.
“Vencemos o campeonato e aquele foi o fim para Carlos, que parou de correr pouco depois. Não sei se alguma vez contei isso para ele”, completou Ecclestone.
À rádio Cadena 3 de Santa Fé, Cora Reutemann, filha de Carlos Reutemann, disse que a família já sabia dos bastidores daquela corrida. E fez ainda que várias acusações contra Ecclestone e a Brabham.
“Eu já sabia disso. Não só isto que confessou da massagista, mas algo muito mais grave: que a Brabham não estava apta para correr, pelo efeito-solo, que estava proibido. Depois, também houve o assunto dos pneus, que trocaram, e que o pessoal do automobilismo sabe. A Williams estava bem de Michelin, mudou para Goodyer por ordem de Bernie, que supostamente andariam bem. A Williams nunca havia testado com a Goodyear. Assim, pode ver que, no campeonato, o desempenho cai”, listou Cora.
“Somaram-se um montão de coisas. Evidentemente, papai é o campeão de 1981.”
Para a filha de Carlos Reutemann, a missão é conseguir com que Bernie Ecclestone reconheça o título que o pai não viu em vida. O dirigente tem 92 anos.
“É preciso lutar por isso, porque é uma luta pela verdade. O tempo passa, e imagino que Bernie não queira partir com este peso. Um dos meus objetivos é que deem a ele (Reutemann) este título”, afirmou a filha.
A série
Lançada no Reino Unido em 27 de dezembro, Lucky! reúne entrevistas feitas com Bernie Ecclestone entre setembro de 2020 e julho de 2021, combinadas com um rico acervo de imagens.
O nome da série foi inspirado em uma declaração do próprio Ecclestone. “Eu nunca planejei nada na Fórmula1. Se eu via uma oportunidade, eu a aproveitava, e tive sucesso porque... Tive sorte”, afirma.
Lançada no Reino Unido pela plataforma Discovery+, a série está no catálogo dos serviços ESPN/Star na América Latina – no Brasil, o Star+ disponibiliza os oito episódios desde 1º de janeiro.
Emanuel Colombari
Emanuel Colombari é jornalista com experiência em redações desde 2006, com passagens por Gazeta Esportiva, Agora São Paulo, Terra e UOL. Já cobriu kart, Fórmula 3, GT3, Dakar, Sertões, Indy, Stock Car e Fórmula 1. Aqui, compartilha um olhar diferente sobre o que rola na F-1.