
Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Por Anna Silvia Rosal de Rosal, psicóloga com formação em psicanálise e doutorado pela PUC SP - @annasilviarosalrosal
Como não estarmos cansados em uma sociedade que nos cobra produzir sempre mais e melhor? De preferência, sem reclamar – e sorrindo! Por isso, somos vigiados diuturnamente. Assim, alimenta-se a ideia de que o pertencimento depende totalmente de nossa capacidade de entrega. Conte-me quantas vezes você se deparou com o seguinte aviso: Sorria! Você está sendo filmado. Não relaxe, mantenha o foco nas entregas. Essa ideia é tão fortemente propagada que, mesmo na ausência de placas/lembretes, essa cobrança se pronuncia. O homem contemporâneo assimilou a cultura do aumento contínuo de produtividade. O perigo reside em assimilá-la sem análise ou questionamentos, o que me remete ao investimento narcísico dos pais no filho recém-nascido, tal como descrito por Freud. A chegada de um filho reaviva o desejo dos pais, especialmente aqueles que foram frustrados. Assim, é depositada no frágil bebê a expectativa de restaurar as desilusões de seus pais e, consequentemente, de realizar o que estes não conseguiram. Introjetar esses aspectos sem que haja contestação pode levar à alienação de si mesmo, o que promove uma espécie de morte em vida. Morte do desejo genuíno, da possibilidade de construir uma singularidade vitalizada.
No ambiente corporativo, os indicadores de performance se encarregam de vigiar e de premiar ou punir, a depender do resultado obtido. De modo mais amplo, a sociedade propaga critérios de produtividade por meio das redes sociais, dentre outras ferramentas de comunicação. Lembro-me bem que, no início da pandemia, muitas pessoas mostravam as inúmeras atividades que abraçaram a fim de dar algum sentido à vida durante o isolamento social. Quanto maior o número de tarefas realizadas, mais likes eram recebidos. Essa relação fazer, publicar e ganhar likes parece conferir uma sensação de pertencimento. Mas pertencimento a que grupo? Àquele que, teoricamente, atravessava a pandemia sem angústia. Assim, surgiu uma enxurrada de padeiros artesanais, esportistas, jardineiros e afins. É possível que você, caro leitor, esteja se perguntando: mas o que tem de ruim em encontrar prazer nessas tarefas e amenizar os tempos sombrios? Mas, a questão não era necessariamente encontrar atividades prazerosas (no plural) em meio ao isolamento social. O ponto era que, para boa parte das pessoas, no centro desse comportamento estava a necessidade de mostrar o quanto se estava bem, apesar de estarmos vivenciando uma pandemia com potencial devastador. Parecer bem importava mais do que de fato estar bem. O cansaço produzido em decorrência da realização de inúmeras tarefas parecia atropelar a possibilidade de compreender a dimensão da pandemia e de suas implicações. Lembro-me de que em uma live com vários psicanalistas uma senhora perguntou se ela tinha que gostar de fazer ginástica e de cozinhar. Pois é, parecia o novo imperativo daquele momento.
A sociedade do desempenho, tal como nomeada por Byung-Chul Han (2017), padece da busca de positividade excessiva. Na verdade, essa meta leva o homem ao cansaço e ao esgotamento excessivo. Como afirma o autor, “esses estados psíquicos são característicos de um mundo que se tornou pobre em negatividade e que é dominado pelo excesso de positividade. [...]. O excesso de elevação do desempenho leva a um infarto da alma.”
Mas o que seria uma alma infartada ou colapsada? Trata-se do sujeito cansado, deprimido e esvaziado. Estando sem vitalidade, está às voltas com o dilema entre ter que fazer e não se sentir motivado para tanto, o que é bastante compreensível. Afinal, quando o homem se distancia de seu desejo para atender às expectativas do outro, falta-lhe o combustível que alimenta a vida: o desejo legítimo, genuíno, ou seja, a sua própria essência. Se carregar o piano não é fácil, carregá-lo para que o outro reconheça seu valor é bem mais penoso.
O adulto descrito nesse texto indica que recebeu com passividade a direção que a sociedade oferece. Diferentemente das figuras parentais, o que alimenta os mandos da cultura contemporânea é um sistema capitalista que dissemina a ideia do vale o quanto produz. A necessidade de pensar sobre isso é urgente. Produz para quem? A que custo? O preço a se pagar é o infarto da alma, isto é, a morte em vida.