Síndrome do fim do ano

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Síndrome do fim do ano
Síndrome do fim do ano
Divulgação

Por Simone Puglielli Lotito, Psicanalista Especialista em Saúde Mental

   

Você já ouviu falar da Dezembrite ? 

Vai me perguntar se é um neologismo ? 

Outros vão achar que é euforia de Réveillon…

Síndrome do fim do ano é uma crise que surge, normalmente, após o Natal, muito conhecida no universo de saúde mental. 

Você imagina que, em meio a arranha céus piscantes, iluminados, cercados de pessoas felizes, com todo comércio decorado e confraternizações regadas a sorrisos e selfs, tem um grande percentual de pessoas que vivem a ‘Síndrome do Fim do Ano’?  São pessoas com resíduos e mais resíduos de afligimento, afoito, ânsia e a conhecida na psicanálise: angústia realística, e a neurótica que pode ir até a angústia somática, bem elaborada por Freud. Na psicofisiologia, a angústia somada com a ansiedade gera o pensamento antecipatório a autopreservação, um reflexo de fuga a um perigo externo no caso o encerramento do ciclo do ano que acabou. Após o Natal, iniciamos uma autoavaliação, aquela viagem para dentro de nós tão necessária para nossa evolução e maturidade, e descobrimos que passou o ano e acumulamos pensamentos, expectativas, sentimentos autodestrutivos, relações tóxicas às vezes consigo mesmo, descobrimos que nos autossabotamos e faltamos na análise. A Síndrome do fim do ano vem elevando muito o número de novos casos devido às redes sociais e a cobrança que a sociedade nos faz e permitimos fazer das comparações. A depressão comparativa das postagens e do mundo mentiroso que ficam nos murais das redes sociais. 

Jacques Lacan me corrigiria dizendo que o próprio sujeito assume uma imagem e produz uma transformação, mas Lacan não teve Instagram (risos).

As pessoas passam a fazer a retrospectiva do seu ano e alguns descobrem que perderam dinheiro num investimento inadequado, outros descobrem que não usaram a academia que foi paga, ou não perdoou algum familiar que errou. Por falar em familiar, as confraternizações e reuniões familiares são um dos elementos que também deprimem quem entrou na Síndrome do fim do ano. Sentar à mesa, ceiar e abraçar para desejar Feliz Natal àquele membro da família que já te magoou, ou que você machucou, afloram sentimentos negativos com incomodidade, aborrecimento e dissabor. Abre o lugar do sintoma no sofrimento psíquico: o que esconde e o que revela sentimentos que não foram bem trabalhados e ainda machucam. 

Aquela angústia que demanda uma análise num belo divã vem como um vulcão. 

A pessoa com a Síndrome do fim do ano passa a ter que controlar sentimentos naturais e demonstrar felicidade em família. Surge a irritabilidade, a raiva, a crise de ansiedade, às vezes insônia, instabilidade de humor, depressão, a depressão do famoso ‘Dezembrite’. A perda das vontades e um turbilhão de sentimentos disfarçados dos preparativos das festas e da viagem de férias.

Dezembro é o mês da retrospectiva do Spotfy, de lembrar as músicas que nós mais ouvimos, mas também da retrospectiva emocional, da retrospectiva das metas traçadas e não alcançadas, da retrospectiva do quanto nos dedicamos ao autocuidado, da retrospectiva de luto não elaborado. É um mês muito importante para você se colocar a ajudar um amigo, um colega de trabalho e se cuidar, o número de pessoas que se envergonham de descrever que estão deprimidos numa época cheia de sorrisos é maior do que podemos imaginar. 

Dezembro é um mês de festas e também de muitas recaídas de depressão, é um mês difícil para quem passou o ano todo lutando para não dar um gole na bebida alcoólica, um mês delicado para quem passou o ano fugindo das drogas, dezembro é um mês que a vovó tem saudade do vovô que se foi. A maioria dos pacientes sentem dificuldade de descrever os sentimentos em meio a anestesia das comemorações. É momento de renascer e renascem sentimentos…

As pessoas ao nosso redor estão sorrindo, ganhando presentes, viajando, amando. Freud já dizia que o inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes e elas pulsam mais nessa época do ano, vários psicanalistas, no decorrer de seus estudos, descreviam como arquétipos ou imagens primordiais que cada pessoa herda de forma inconsciente de reagir ao mundo da forma que seus ancestrais faziam, conscientemente, existe uma autocobrança de estar feliz e celebrar como um efeito manada, se todos estão felizes, tenho que estar feliz. E a realidade não é bem assim. 

Traçar o intangível infactível e se cobrar no fim do ano gera ansiedade, irritabilidade, deprime. 

Refazer a listinha com dieta, exercício físico, cursos de reciclagem, alfinetar o mapa na parede com 8 países para conhecer no ano, mudar de emprego, fazer análise duas vezes na semana, parar de fumar, poupar. As pesquisas trazem que perder peso, aprender algo novo e ganhar mais dinheiro estão no topo da lista da maioria das pessoas e, nem 3% realiza sua listinha de metas de ano novo. Mas, cada indivíduo reage de uma forma às expectativas. Cada um está mais fragilizado ou fortalecido emocionalmente e a Síndrome do fim do ano vem crescendo em um percentual estatístico significante. O bom é que a síndrome, normalmente, encerra em meados de janeiro talvez, por isso, o apelido Dezembrite. Não confunda com frescurite. Fique atento aos sinais. Se em meados de janeiro a tristeza persistir, procure um médico psiquiatra e peça ajuda a um amigo. Não se envergonhe, muito mais gente passa pela Síndrome do ano novo. 

Vale lembrar que a tristeza nos ajuda a mergulhar num labirinto e descobrir profundas reflexões. Analisar esse aflorar dos sentimentos é uma oportunidade incrível que te leva a maturidade e responsabilidade afetiva. 

Dezembro é um mês de exaustão emocional, um mês bipolar que vai da nostalgia à euforia. Mês de mergulhar dentro dos próprios sentimentos e, para muita gente, isso gera melancolia, saudade e alguns tem dificuldade de encerrar esses ciclos ou virar a página para viver um novo capítulo da sua própria história. A síndrome do ano novo é conhecida como Dezembrite. 

O paradoxo da "dezembrite" na psicanálise é a existência simultânea de sentimentos a ambivalência. A morte do ano que vai e o renascer do novo ano que vem. - Simone Lotito 

Existem estratégias para ajudar a evitar a Síndrome do Fim de ano:

  • Traçar metas dentro da sua realidade.
  • Não gerar excesso de expectativa.
  • Aceitar as memórias e reencontros.
  • Fazer o balanço sem excesso de auto cobrança.
  • Comemorar as pequenas conquistas.
  • Perdoar quem te feriu e te pediu perdão.
  • Auto perdoar pelos seus erros, afinal aprendemos com eles. 
  • Valorizar cada etapa sua de evolução. 
  • Agarrar a oportunidade que aparecer no novo ano. 
  • Trabalhar seus verdadeiros sentimentos. 

Mário Quintana escrevia que o ano novo tinha nome e chamava ES-PE-RAN-ÇA…

Carlos Drummond de Andrade nos presenteou com uma receita de ano novo que diz que é dentro de nós que cochila e nos espera o novo ano. 

Nós não conseguimos mudar o ano de 2023, mas podemos fazer diferente em 2024.

Como bem colocou meu cunhado no Natal: “ passado é história, o futuro é mistério, e hoje é uma dádiva. Por isso é chamado de presente! “  

Na Bíblia, a dádiva é um presente, uma oferta que é dada livremente, sem esperar nada em troca. Pense nisso. Viva a dádiva do presente do hoje. Desejo um hoje feliz para você!