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Pneus, freios, suspensões, combustível, além da aerodinâmica, claro. Siga entendendo as mudanças

Livio Oricchio

Fórmula 1 2022 (F1)

Olá amigos.

Retomo o tema da reportagem de ontem, a apresentação e análise de cada mudança no regulamento da F1, não apenas técnico, em vigor a partir desta temporada. Só lembrando, a pré-temporada terá seis dias de testes. A primeira série vai ser em Barcelona, de 23 a 25, e a segunda no Bahrein, de 10 a 12 de março, onde lá mesmo, dia 20, começa o campeonato.

Pneus

É outra das grandes revisões das regras. O aro das rodas mudou de 13 para 18 polegadas. O diâmetro dos quatro pneus passa de 660 mm para 720 mm. Muito importante: a parede dos pneus, que até 2021 era de 16,5 cm, a partir deste ano é de 11,6 cm, a F1 ganhou pneus de perfil baixo. Você viu que trabalhei com três unidades métricas, polegada, milímetro e centímetro?

Pneus Pirelli passam de 13 para 18 polegadas na temporada 2022 da F1 (Pirelli)

A primeira consequência de a F1 utilizar esses pneus é a necessidade de os projetistas reverem por completo o que faziam até a última temporada em termos de suspensão e aerodinâmica. Eles têm um belo desafio. Se amolecerem as suspensões, para elas realizarem o trabalho de absorção das irregularidades do asfalto, antes feito em parte pelas laterais dos pneus, o carro perderá eficiência aerodinâmica.

Sim, um carro com suspensões menos rígidas apresenta importante variação de altura do assoalho, variando a densidade do ar que o percorre por baixo. E com o uso das laterais com perfil de asa invertido, como este ano, esse inconveniente afeta ainda mais a performance.

Os técnicos terão de encontrar uma solução de compromisso entre rigidez das suspensões e resposta aerodinâmica ainda mais desafiadora que antes.

A Pirelli diz ter produzido um pneu que atenda à requisição dos pilotos e das equipes, ou seja, tenha uma faixa maior de temperatura em que responde com o máximo de aderência. Nos últimos anos, não era fácil fazer os pneus trabalharem na estreita faixa de temperatura em que disponibilizam o máximo de desempenho.

Diferença entre os pneus de 13 e de 18 polegadas da F1 (Pirelli)

Os novos pneus também vão permitir, segundo a Pirelli, que o piloto acelere tudo o tempo todo, sem se preocupar com o desgaste excessivo. Bem, isso implica usar compostos de borracha mais duros, o que associado à maior rigidez das paredes de perfil baixo poderá significar pneus bastante duros. Não descarto a possibilidade de os pilotos reclamarem disso. 

Esse cenário projeta corridas com um pit stop, apenas, ao menos a maioria, e possivelmente mais lentos, no início, por causa de as rodas terem de ser carenadas, a fim de os fluxos de ar que saem delas prejudicarem menos a geração de pressão aerodinâmica de quem está atrás.

A pressão dos pneus, por outro lado, também motivo de críticas, por as mínimas serem relativamente elevadas, poderão ser menores este ano. Isso porque a parede dos pneus não dobrará tanto como os usados em 2021.

Mas as novas regras impõem que o cobertor elétrico os aqueçam a temperaturas menores das usadas na temporada passada, que eram de 100 graus Celsius para os dianteiros e 80, traseiros. Agora os quatro só podem ser aquecidos até 70 graus Celsius. Os pilotos e seus engenheiros terão de descobrir a maneira mais eficiente de elevar essa temperatura depois de deixar os boxes.

Será interessante acompanhar desde o primeiro dia de testes como os pilotos vão explorar esses pneus de características tão distintas de tudo o que fizerem até hoje na sua carreira de F1.

Eles já os aceleraram, mas nos carros de 2021 adaptados para acomodá-los para os testes. É bem diferente de estarem nos modelos de 2022, concebidos para gerar muito mais pressão aerodinâmica que os monopostos de 2021.

Engenheiros das equipes terão desafio para trabalhar com novos pneus de 18 polegadas (F1)

Felizmente os pilotos poderão a partir deste ano escolher o tipo de pneu dentre os três que a Pirelli levará para cada circuito para iniciar a corrida. Não há mais a obrigatoriedade de os dez primeiros no grid largarem com o mesmo jogo com que estabeleceram sua melhor volta no Q2, sábado. Vocês viram quanta coisa há por ser descoberta, este ano, só com relação aos pneus?

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Freios

Com rodas e pneus maiores, testes de resistência mais rigorosos, exigindo mais material nos monocoques, assoalho com perfil de asa invertido, difusor maior, dentre outros elementos mais pesados, o peso mínimo dos carros passou de 752 para 795 quilos, diferença brutal para 2021, nada menos de 43 quilos, com enorme reflexo na performance.

Freios da F1 serão mais exigidos, já que peso do carro de 2022 será maior que do antecessor (Brembo)

 

A última mudança foi dia 22 de dezembro, quando a FIA acatou o pedido das equipes e elevou de 790 para 795 quilos, sem combustível, para reduzir os custos de produção, como um todo, segundo alegaram.

Obviamente um carro tão mais pesado exigiu que os freios fossem redimensionados. O diâmetro dos discos dianteiros cresceu de 278 para 328 mm e os traseiros, de 266 para 280 mm. Claro que pastilhas, pinças e pistões acompanham essa evolução.

Os pilotos vão precisar começar a frear um pouco antes do que faziam até o ano passado.

Preparo físico

A maior velocidade nas curvas de alta, proporcionada pelo aumento exponencial na geração de pressão aerodinâmica, a necessidade de manter um carro bem mais pesado sob controle, a provável maior competitividade entre os pilotos, podendo seguir o adversário mais de perto... enfim tudo isso se traduz no seguinte: a nova F1 vai exigir mais fisicamente dos pilotos.

Pilotos terão de estar ainda mais preparados para enfrentar os desafios impostos pelos novos carros (Instagram Lewis Hamilton)

Eles terão, ainda, de administrar o uso do DRS? Sim, o flap móvel segue na F1 este ano. Espera-se que sua importância diminua, diante de tanta alteração no conjunto aerodinâmico, em especial na redução da importância dos aerofólios, dianteiro e traseiro, na geração de pressão aerodinâmica. Se o DRS se mostrar menos decisivo, agora, em 2023 será proibido, já anunciou a FIA.

Suspensões

O sistema de barras de torção, em substituição ao de molas, existe há três décadas na F1, por permitir maior espectro de carga, dentre outros benefícios. Pois a partir de agora o controle mecânico das suspensões terá de ser através da tradicional associação mola e amortecedor. Os legisladores não querem mais as suspensões de controle hidráulico, sofisticadas, caras e acessíveis apenas a alguns times.

Isso tem implicações importantes no desempenho geral do carro, a começar pela necessidade de mais espaço no monocoque, criação de um nicho maior, para acomodar o conjunto mola-amortecedor. Lembrando que com os pneus de perfil baixo, agora, ou seja, paredes reduzidas, o papel das suspensões na performance cresceu bastante.

Unidade motriz

Apesar de homologadas, no ano passado, há margem ainda de desenvolvimento para algumas de suas áreas. E as quatro construtoras estão investindo sem restrições para desenvolver as suas unidades para agora em março, antes de o campeonato começar, homologá-las novamente para nada menos de quatro anos, até o fim de 2025.

Nesse espaço haverá pouca margem para Mercedes, Honda, Ferrari e Renault trabalharem as suas unidades motrizes. Importante: a Honda oficialmente deixou a F1 no fim de 2021, mas seguirá produzindo a unidade motriz para a Red Bull até o fim de 2025. A única diferença é que a equipe irá pagar pelo trabalho.

Segue valendo o limite de três unidades motrizes por piloto para as 23 etapas do calendário.

Amigos, esse é um tema bastante complexo. O fato de as unidades motrizes quase não serem alteradas pode ter consequências danosas para a competição.

Motor híbrido da F1 atual (Mercedes)

Para rever o que existe, as construtoras deverão alegar a necessidade de tornar a unidade motriz mais resistente, reduzir seu custo ou ser mais ecológica. Há subjetividade nisso, tanto no pedido quanto na análise dos comissários para autorizar a mudança ou não.

Em 2014, a Ferrari começou a temporada com uma unidade motriz deficitária. Por limitação do desenvolvimento semelhante a de agora não pôde melhorar a sua, comprometendo a temporada. E aquela era a primeira da tecnologia híbrida, o que do ponto de vista esportivo não faz sentido.

Em resumo, a versão de unidade motriz que cada uma das quatro irá apresentar e homologar, agora em março, influenciará diretamente a F1 nos quatro anos seguintes.

Câmbio

Em vez de as equipes terem de manter nos seus carros o mesmo câmbio por seis GPs seguidos, como em 2021, a partir de agora elas têm quatro caixas de marcha para administrar como bem entenderem por todo o campeonato. Quem recorrer a uma quinta perde cinco posições no grid.

O câmbio será, como a unidade motriz, homologado em março e deverá ser o mesmo até o fim de 2025. Será autorizada uma única versão nova nesses quatro anos.

Combustível

Parece ser um simples detalhe, mas em conversa com um amigo, diretor de engenharia de uma das equipes, o aumento da porcentagem de etanol na gasolina, este ano, de 5,75% para 10%, está dando dor de cabeça para os técnicos da Mercedes, Honda, Ferrari e Renault.

O E10 Fuel da F1 este ano reduziu a resposta de potência em relação à obtida no fim do ano passado. Combustível um pouco mais ecológico, sim, por 10% vir de fonte renovável, mas até agora provocando uma queda de potência nas unidades motrizes estimada em 18 cavalos, grande para os padrões da F1.

Segurança

Escrevi, ontem, que vejo com alguma preocupação o grande aumento da velocidade de contorno das curvas de alta, por causa da maior geração de pressão aerodinâmica provocada pelo novo regulamento.

Uma forma de reduzir a velocidade de impacto dos carros que deixam o asfalto nessas condições é dispor de ampla área de escape e que seja asfaltada. Elas auxiliam bastante a diminuir a velocidade com o piloto pisando forte no pedal do freio.

Além disso, nesses locais a FIA deve exigir a instalação do softwall, para absorver boa parte da energia do choque.

Softwall serve para absorver e dissipar a energia dos impactos dos carros com a barreira de proteção na F1 (Autódromo de Interlagos)

Lembro que tanto o bico quanto as laterais do carro foram reforçados este ano. Os testes de resistência, crash tests, exigem que suportem pressões maiores antes de cederem. E essas forças são, em geral, até mais elevadas do que os carros as que podem sofrer nos impactos.

Mesmo assim, será preciso atenção especial nos segmentos curvos percorridos em velocidades bastante elevadas.

É isso, amigos. Abraços.

Livio Oricchio

Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.

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