Olá amigos.
Na minha visão, Christian Horner tocou no ponto-chave, neste domingo, depois da corrida em Istambul. O diretor da Red Bull-Honda afirmou ao analisar o desempenho de Valtteri Bottas, vencedor, e mesmo Lewis Hamilton, quinto depois de largar em 11º, ambos da Mercedes: “É surpreendente ver o avanço que eles (Mercedes) fizeram na sua unidade motriz”. Max Verstappen ficou em segundo e seu companheiro de Red Bull-Honda, Sérgio Perez, terceiro.
É isso. Até a volta das férias da F1, com o GP da Bélgica, dia 29 de agosto, 12º do ano, e o seguinte, na Holanda,5 de setembro, o modelo RB16B-Honda de Max e Perez parecia dispor, na média, de uma pequena vantagem técnica sobre o W12 de Hamilton e Bottas. Mas a partir do GP da Itália, no circuito mais veloz da F1, Monza, 14º do ano, dia 12 de setembro, estamos assistindo a uma inversão de valores. O time alemão se impôs mais na competição. Você verá os números.
A razão principal é, no meu entendimento e de alguns profissionais da F1 com quem me comunico, o descrito por Horner na Turquia: o impressionante aumento de potência da unidade motriz Mercedes. Não foram apenas Hamilton e Bottas que saíram ganhando com a disponibilidade de mais cavalos. McLaren e Williams também estão aproveitando desse avanço.
Eu nunca esqueci de uma conversa informal que tive com um dos medalhões de engenharia da F1, John Barnard, supercampeão com a McLaren, projetista inovador, pai de soluções e conceitos na década de 80 que ainda hoje são adotados. Estávamos no autódromo do Estoril, Portugal, durante um teste da Benetton. Barnard me disse:
“Não há contraindicação para a potência. Você obtém elevadas velocidades nas retas e, por poder usar alta carga aerodinâmica, contorna as curvas também mais rápido”. A Benetton, de Nelson Piquet, competia com motor Ford V-8 enquanto a McLaren-Honda, de Ayrton Senna, e a Ferrari, de Alain Prost, com V-12. A Williams-Renault, de Nigel Mansell, usava motor V-10.
O introdutor do monocoque em fibra de carbono, do câmbio acionado através de uma borboleta atrás do volante, da carenagem traseira estreita, chamada efeito coca-cola, dentre outras revoluções, tinha de se esmerar no desenho dos carros na Benetton para compensar a falta de potência do seu motor V-8 diante do V12 e V10 dos adversários.
Grande passo à frente
A versão da unidade motriz Mercedes introduzida este ano no GP da Bélgica, nos carros de seus pilotos e nos de Lando Norris e Daniel Ricciardo, da McLaren-Mercedes, representa uma divisão de performance para as duas equipes. Essa versão também passou a equipar as escuderias Williams, motivo maior de seu salto de desempenho, e da Aston Martin. Esta, no entanto, como usa o chassi-base da Mercedes de 2019, perdeu muita competitividade este ano.
Tudo verdade: o desempenho da Mercedes cresceu com o pacote aerodinâmico apresentado em Silverstone, dia 18 de julho, no décimo GP do ano, e os técnicos sob a liderança ainda de James Allison modificaram muito bem o W12 para melhor aceitar os novos pneus traseiros Pirelli, de paredes mais rígidas, distribuídos desde aquele GP.
Mas o fato de Hamilton e Bottas terem lutado pelas vitórias com carros mais rápidos que os de Max e Perez nas provas de Monza, Sochi e Istambul, as três últimas, tem mais a ver com a mencionada maior resposta de potência da versão da unidade motriz usada pela primeira vez no Circuito Spa-Francorchamps, na Bélgica. Conforme a súbita ascensão principalmente da McLaren-Mercedes ajuda a atestar.
Os cavalos a mais permitem elevar a carga aerodinâmica e, com isso, reduzir as reações indesejáveis do chassi do modelo W12, menos equilibrado que o espetacular carro de 2020, sem prejuízo de seus pilotos tornarem-se lentos no fim das retas. O mesmo vale para a McLaren.
Vimos Max dizer na sprint race de Monza, no sábado: “Valtteri está muito rápido, não há como acompanhá-lo”. O finlandês estabeleceu a pole position na sexta-feira com um tempo quase meio segundo (411 milésimos) melhor que o de Max, terceiro no grid, atrás de Hamilton, segundo.
E ao longo das 18 voltas da sprint race utilizou-se de todos os seus imensos recursos de piloto para cruzar a linha de chegada 2s325 atrás de Bottas, vencedor.
Vantagem era de Max e Perez
Você talvez se lembre: nas duas corridas disputadas no circuito Red Bull Ring, o GP da Estíria, dia 27 de junho, oitavo, e da Áustria, 4 de julho, nono, Hamilton afirmou depois de ver Max celebrar a vitória em ambos e ele receber a bandeirada em segundo no primeiro e quarto no segundo: “Eles têm uma velocidade nas retas que nós não temos”.
A essa altura, o sócio e diretor da equipe Mercedes, Toto Wolff, lançou balões de ensaio questionando a legalidade da unidade motriz Honda da Red Bull e da Alpha Tauri. Para o dirigente austríaco, os japoneses intervieram também na performance de sua unidade motriz e não somente na melhora de sua confiabilidade, como manda o regulamento deste ano.
Veja como as coisas são engraçadas na F1. Agora é a vez de Horner colocar em dúvida se a Mercedes também observou as regras quando apresentou sua última versão de unidade motriz, na Bélgica. Aquele evento foi mascarado pela chuva, no sábado, com Max obtendo a pole position e o talentoso George Russell, Williams-Mercedes, o segundo tempo. No domingo, sequer houve corrida.
Sem a menor desfaçatez, o diretor de prova, Michael Masi, autorizou a largada atrás do safety car e depois de apenas três voltas declarou a corrida encerrada, com a vitória de Max, o segundo lugar de Russell e a terceira colocação de Hamilton, conforme a definição do grid.
Velocidade na reta de Spa impressionou
Há um dado que me chamou a atenção. Sabemos que a velocidade final de um carro de F1 nas retas depende de uma série de fatores. Por exemplo: o quanto de carga aerodinâmica carrega, sua capacidade de tracionar, a relação de marchas, a massa de combustível no tanque, o estado dos pneus e a velocidade na curva que antecede a reta, dentre outros, como se contou com a ajuda do vácuo do companheiro de equipe ou de outro piloto.
Mas quando constatamos que seis dos sete mais rápidos no fim da reta Kemmel, em Spa, durante a sessão que definiu o grid, eram pilotos que aceleravam carros equipados com a unidade motriz Mercedes, o resultado começa a nos dizer algo. Apenas Pierre Gasly, com Alpha Tauri-Honda, quinto nessa disputa, destoava. Ricciardo, com 308,9 km/h, foi o mais rápido, seguido por Russell, Hamilton, Norris, Gasly, Latife e Vettel. Max registrou a 12ª velocidade, 301,1 km/h, ou 7,8 km/h mais lento que Ricciardo.
O primeiro confronto efetivo de Mercedes e McLaren-Mercedes, com sua nova unidade motriz, contra a Red Bull-Honda foi em Monza, em seguida a Spa. Em outros tempos, na primeira metade do ano, as longas retas favoreciam a maior velocidade final do carro de Max e Perez. Mas a realidade, agora, já começava a se mostrar outra.
Em um traçado de potência, essencialmente, além de Bottas fazer a pole e vencer a sprint race, Ricciardo obteve brilhante vitória no GP da Itália seguido por seu companheiro de McLaren-Mercedes, Norris, e Bottas, terceiro. Este largou em 19º por ter de substituir a unidade motriz. E chegou no pódio, para se ter ideia do ritmo forte imposto ao longo das 53 voltas da corrida. Em Monza, Max e Hamilton se envolveram naquele acidente bizarro e perigoso na primeira chicane, na 26ª volta.
Tornou a McLaren supervencedora novamente
Com seu modelo MCL35M equipado com a versão da unidade motriz Mercedes, a McLaren somou 44 pontos dos 49 possíveis. Explico: 5 pontos se um dos seus pilotos vencer a sprint race e ou outro for segundo (3+2), 25 da vitória no domingo e 18 pelo segundo lugar, mais um ponto da melhor volta. Total: 49 (5+43+1).
A etapa seguinte foi em Sochi, na Rússia, 15ª, dia 26 de setembro. De novo a chuva interveio na competição, mas Norris, com McLaren-Mercedes revigorada, conquistou a pole position e liderou até a duas voltas do fim, quando errou na estratégia dos pneus para aquela condição de pista. Terminou em sétimo.
Hamilton venceu com Ricciardo em quarto. Max largou em último e nas etapas finais foi um dos primeiros a colocar pneus intermediários, ajudando-o a classificar-se em brilhante segundo lugar.
O mais importante foi que a Mercedes confirmou os dotes de velocidade de seu carro proporcionados, em especial, pela maior potência da última versão da unidade motriz, concebida para combater a unidade Honda da Red Bull.
Em Istambul, outro passeio
O GP da Turquia apenas ratificou o que já se esperava em seguida aos eventos de Spa, Monza e Sochi. No sábado Hamilton, autor do melhor tempo, foi 328 milésimos mais rápido que Max, terceiro. Bottas, segundo, largou na pole position porque a Mercedes trocou a unidade motriz de Hamilton, então 11º no grid.
Ouvimos Max afirmar que, a exemplo de Monza, não tinha como acompanhar de perto a performance de Bottas, primeiro desde a largada. O holandês cruzou a linha de chegada 14s584 depois do finlandês. Hamilton largou em 11º e não contou com a melhor estratégia. Assim, foi quinto, reclamando com seu engenheiro, Peter Bonnington.
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Conversei por telefone com um amigo de décadas na F1, engenheiro de um dos times, com um passado de conquistas no evento. Ele me disse: “O que estamos vendo é não apenas a maior velocidade de Hamilton e Bottas, mas a constância de seu carro. Neste momento a vantagem está claramente com eles”.
É difícil verificar se há algo ilegal
À pergunta do porquê, esta foi a resposta: “Assim como a Honda tinha uma unidade motriz que nos fez refletir sobre sua legalidade, se de fato não trabalharam na performance, a Mercedes nos suscita, agora, a mesma dúvida. Na minha opinião, as duas visaram ganhar mais potência, contra o que diz o regulamento, em que os cavalos a mais podem vir somente através da tentativa de tornar a unidade motriz mais confiável. Essa fronteira é um tanto subjetiva”.
Falou mais: “A Ferrari permaneceu mais de uma temporada com a unidade motriz fora da regra (2018 e 2019), é oficial. O problema é a FIA dispor de estrutura para verificar, checar tudo, por conta da complexidade das unidades motrizes. Só contratando uma empresa especializada e bem poucas podem realizar esse trabalho, além de exigir elevado investimento”.
Para o meu experiente amigo, Honda e Mercedes contam com essa dualidade na interpretação do regulamento e a dificuldade de inspecionar quem está somente tornando a unidade motriz mais resistente para obter mais potência. "Quantos cavalos a mais tem a Mercedes, hoje? Estimo cerca de 20, 22, é uma importante diferença quando Mercedes e Red Bull lutam por milésimos de segundo."
Horner de volta com a palavra
Resgato um pouco mais do que Horner falou em Istambul, neste domingo, e que me levou a lembrar do que Barnard me disse há 30 anos: “A velocidade deles nas retas cresceu bastante recentemente. Usando aerofólios menores, nós podíamos batê-los, mas agora não conseguimos mais chegar nem perto.”
Mais de Horner: “Vimos bem isso nessa pista (Istambul Park), em que Lewis (Hamilton) tinha uma expressiva maior velocidade nas retas mesmo tendo no carro um grande aerofólio traseiro. É surpreendente o pulo que deram com sua unidade motriz”.
Depois do GP da Áustria, como citei o nono, Max liderava com 32 pontos de vantagem para Hamilton, 182 a 150, e a Red Bull-Honda, primeira colocada, somava 286 pontos enquanto a Mercedes, 44 a menos, 242. Hoje, depois do GP da Turquia, 16º de um total de 22, Max é o líder entre os pilotos, com 6 pontos a mais que Hamilton, somente, 262,5 e 256,5, vantagem reassumida domingo em Istambul.
E a Mercedes deixou a Red Bull-Honda para trás há algum tempo, GP da Hungria, 11º, dia 1º de agosto. Hoje soma 36 pontos a mais da concorrente austríaca, 433,5 a 397,5.
A próxima etapa do campeonato, 17ª do calendário, será no Circuito das Américas, em Austin, no Texas, considerado igualmente muito seletivo, adorado pelos pilotos, como a pista turca. Max e Horner sabem que se o histórico valer algo para projetar o GP dos EUA, dia 24, Hamilton já se apresenta em vantagem. O piloto inglês venceu cinco das oito edições da prova disputadas no Circuito das Américas.
Abraços, amigos.
Livio Oricchio
Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.