Olá, amigos.
As pessoas com quem converso e sabem da minha relação profissional com o universo da F1 regularmente me perguntam o que penso que irá acontecer até o fim do campeonato, quem será o campeão do mundo, Lewis Hamilton, da Mercedes, atual líder da competição, depois de 15 etapas, ou Max Verstappen, da Red Bull-Honda, dois pontos, somente, atrás.
Eu sempre respondo que, felizmente, não tenho bola de cristal. O que nos é permitido fazer para supor, e apenas supor, o que faz mais sentido esperar da sequência da temporada é analisarmos o que tanto Hamilton quanto Max, bem como suas equipes, fizeram até agora desta edição espetacular do mundial, a 72ª de sua história, com todos os ingredientes de um ano épico.
Mais: estudarmos a natureza dos sete traçados que restam do calendário, confirmado com 22 provas, e da mesma forma recorrer ao retrospecto histórico dos pilotos e de seus times nessas pistas. Vocês vão ver que neste aspecto em particular de nossa conversa a constatação é surpreendente!
No fim de semana, agora, a F1 se apresenta no autódromo Istambul Park, na Turquia, 16ª prova do calendário, naquele que talvez seja, junto de Austin, nos Estados Unidos, o circuito mais bem projetado pelo grupo do arquiteto alemão Herman Tilke. Seletivo, desafiador, com curvas de toda natureza, em aclive e declive. Esse, no entanto, não é o objeto de análise.
Red Bull-Honda, na média, mais veloz
Se focalizarmos nos números recolhidos da disputa ponto a ponto entre Hamilton e Max, Mercedes e Red Bull-Honda, da corrida do Barein, primeira do ano, à de Sochi, 15ª do campeonato, há pouco mais de uma semana, na Rússia, chegamos à conclusão de que a atual classificação do mundial não reflete ao que mais assistimos nas pistas este ano.
E nos começa a dar uma pequena luz do que a lógica nos propõe para a sequência da disputa. Aqui, uma ressalva, por favor: lembre-se, em muitas ocasiões, a lógica da F1 é exatamente a falta de lógica. Isso em razão do impressionante número de variáveis decisivas que interferem na definição de suas disputas.
Atente: do momento que Michael Masi autorizou a largada no Circuito de Sakhir, dia 28 de março, à bandeirada na etapa de Sochi, 26 de setembro, tivemos um total de 876 voltas. Hamilton, como mencionado, hoje líder com 246,5 pontos, completou 133 delas em primeiro lugar, correspondente a 15,18% do total.
Já Max, 469 voltas, ou 53,53% do total de 876. É uma diferença importante, 336 voltas, ou 38,35%, a favor do piloto holandês, apenas vice-líder da classificação, com 244,5 pontos.
Mais dados desse estudo: A Mercedes, primeira colocada entre os construtores, com 397,5 pontos, liderou 160 voltas das 876, ou 18,26%. Já a Red Bull-Honda cruzou em primeiro a linha de chegada 503 vezes, ou 57,42%, e tem 33 pontos a menos da concorrente, 364,5.
Ou seja, a vantagem da Red Bull-Honda nesse parâmetro de performance é de 343 voltas, ou 39,15%. De novo é algo que nos chama a atenção.
Hamilton tem como companheiro de equipe o finlandês Valtteri Bottas, 32 anos, com 172 GPs no currículo e 9 vitórias. Max, o mexicano Sérgio Perez, 31 anos, com 210 GPs e 2 vitórias.
Obtive os dados estatísticos de voltas na liderança na pesquisa realizada por meu amigo Roberto Chinchero, conceituado jornalista italiano do site it.motorsport.com.
Max, melhor retrospecto
Podemos ir além nesse confronto dos números. Enquanto Hamilton obteve 5 vitórias este ano, Max venceu 7 GPs. Em poles, a vantagem de Max em relação a Hamilton é maior: 8 a 3.
Você concorda comigo que essas estatísticas indicam que Max, com seu modelo RB16B, equipado com a unidade motriz Honda RA621H, tem maior potencial para terminar o campeonato na frente de Hamilton com seu W12, da unidade motriz Mercedes AMG F1M12, apesar de hoje estar atrás na classificação?
Já sei o que alguns leitores vão comentar: lá vem esse cara afirmando que Max já é o campeão do mundo! Pensou errado, amigo.
A exemplo de Hamilton e a Mercedes liderarem as duas competições, de pilotos e construtores, mesmo dispondo de números inferiores aos de Max e da Red Bull-Honda na temporada, é perfeitamente possível que Hamilton, já sete vezes campeão do mundo, e a Mercedes, vencedora direto desde 2014, conquistem novos títulos.
Apenas números
As estatísticas não passam de referências para o que, como escrevi, mais faz sentido projetarmos para a sequência do mundial. Estando conscientes de que o cenário poderá seguir favorável para Hamilton e a Mercedes.
Primeiro Hamilton é um piloto que já está dentre os maiores de todos os tempos, ao lado de ícones da F1, como Ayrton Senna, Michael Schumacher, dentre outros. Depois, a capacidade de reação da organização liderada pelo brilhante Toto Wolff, falo da Mercedes, é algo que até assusta seus adversários.
Dou números ao que desejo dizer. Após o GP da Áustria, nono do calendário, dia 4 de julho, Max era o primeiro na classificação, com 182 pontos, ao passo que Hamilton tinha 32 a menos, 150. A Red Bull-Honda também liderava, com 286 pontos, 44 a mais da Mercedes, 242.
A inversão de posições tanto de Hamilton quanto de seu time não são obra do acaso. Ok, verdade, os incidentes de Silverstone e Hungaroring ajudaram os dois, mas não justificam tudo. Você se lembra: no GP da Grã-Bretanha, décimo, dia 18 de julho, Hamilton e Max se tocaram na Curva Copse, na primeira volta, e o holandês parou na proteção de pneus. Hamilton venceu.
No GP da Hungria, 11º, dia 1º de agosto, Bottas errou na primeira freada ocasionando um acidente que comprometeu o carro de Max, não o permitindo ir além do nono lugar. Hamilton ficou em terceiro.
Chassi e unidade motriz evoluíram muito
O mais importante nessa retomada da competitividade do modelo W12 de Hamilton foi o pacote de mudanças introduzido em Silverstone. E ao contrário do que disse Wolff, a sua unidade motriz ganhou também importante up grade nas etapas seguintes.
Há outro fator que ajudou a Mercedes ser concorrente mais difícil de ser batida pela Red Bull-Honda: os novos pneus traseiros introduzidos pela Pirelli a partir da corrida de Silverstone.
Como na prova de Baku, no Azerbaijão, sexta do ano, dia 6 de junho, o pneu traseiro esquerdo de Max e do canadense Lance Stroll, da Aston Martin-Mercedes, perdeu pressão de repente, em plena reta, a cerca de 300 km/h, a empresa italiana foi obrigada a desenvolver rapidamente pneus traseiros de estrutura mais rígida.
A base dos pneus deste ano é a mesma dos de 2019, por opção das equipes! Em 2020, porque os pneus projetados para o ano passado não agradaram os pilotos nos testes realizados. Em 2021, também por decisão dos times, por os carros deste ano serem, em essência, os mesmos de 2020.
Novos pneus, melhor para a Mercedes
Ao que parece, os engenheiros da Mercedes, até então ainda sob a liderança de James Allison, adaptaram o modelo W12 para sentir menos os indesejados efeitos aerodinâmicos gerados por esses pneus de paredes que dobram um pouco menos, porém mais seguros.
Já o desafio dos técnicos sob o comando de Adrian Newey, na Red Bull-Honda, foi e está sendo maior nesse sentido, por conta das características do projeto do modelo RB16B de Max. Em resumo: temos elementos para entender que a escuderia austríaca sentiu mais os efeitos dos novos pneus traseiros.
Em Monza, dia 12, e Sochi, vimos Hamilton e Bottas disporem de um carro tão ou mais veloz que o de Max e Perez. Quem pode garantir que não será assim até a última etapa?
Hamilton terá ainda de trocar sua unidade motriz
Considero bem importante mencionar nessa nossa análise que além dos números prévios, favoráveis a Max e a Red Bull-Honda, você viu que em Sochi o holandês foi punido duplamente: três posições no grid por ter sido culpado no acidente com Hamilton, na Itália, e por Christian Horner, diretor da Red Bull, e Toyoharo Tanabe, Honda, decidirem trocar a unidade motriz do carro de Max por completo.
Especificando: o motor de combustão interna (ICE), os dois sistemas de recuperação energia, cinética e térmica (MGU-K e MGU-H), o conjunto turbina-compressor (TC), conjunto de baterias (ES) e a central eletrônica de controle (CE). Foi por essa razão que Max largou em 20º e último.
Por que menciono o fato? Porque Max está, agora, com a quarta unidade motriz completa e restam, com o GP da Turquia, domingo, sete etapas para o encerramento do campeonato. Em condições normais, é possível que não mais tenha de recorrer a nova unidade motriz e, com isso, ser punido no grid.
Já Hamilton está na terceira e última unidade motriz. O limite é três por piloto para as 22 provas do ano. É bem pouco provável que Hamilton não tenha de, a exemplo de Max, equipar seu carro com uma nova unidade motriz completa e, dessa forma, também ter de largar lá trás no grid.
Max já passou por isso e deu-se muito bem. Na Rússia, contra as tendências, as condições ajudaram e recebeu a bandeirada em segundo, reduzindo significativamente o prejuízo de largar em último.
Será que Hamilton será tão favorecido pelas circunstâncias com foi Max? Em termos de talento para avançar na classificação da corrida os dois se equivalem, segundo consenso geral na F1. E meu também.
F1 não esteve em nenhuma das últimas seis pistas
Deixei para o fim a análise etapa a etapa das que vêm aí, fora o GP da Turquia. São elas: Estados Unidos, dia 24; México, 7 de novembro; São Paulo, 14; Qatar, 21; Arábia Saudita, 5 de dezembro; e Abu Dhabi, 12.
Sabe em quantos desses circuitos a F1 esteve em 2020? Apenas o Yas Marina, em Abu Dhabi. E com uma diferença substancial em relação à edição deste ano: o traçado foi modificado, em três seções, redimensionando-o para tornar as ultrapassagens menos difíceis. As referências serão outras.
As provas de Austin, Cidade do México e São Paulo foram, em 2020, canceladas por causa da pandemia do coronavírus. E as de Qatar e Arábia Saudita vão estrear este ano no calendário.
Em resumo, amigo, fora o evento de Istambul, no fim de semana, nos seis seguintes os dados para começar bem a disputa quase não existem, tornando a luta entre Hamilton e Max ainda mais aberta. O peso do desafio de encontrar rapidamente o melhor acerto do carro já cresceu nos GPs ausentes em 2020 ou agora estreantes.
Antes dessas desejáveis indefinições projetadas para a sequência do campeonato, sempre prontas para embaralhar as cartas, temos pela frente os prováveis prazeres da etapa do fim de semana, no Circuito Istambul Park, com seus elogiados 5.338 metros, 14 curvas.
Pelas razões expostas até agora, o melhor retrospecto de Max e do RB16B-Honda na temporada não quer dizer muita coisa. Não há favoritos e, estamos vendo, há espaço para agradáveis surpresas. Ótimo para a F1 e para nós, fãs do espetáculo.
Abraços.
Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.