Olá amigos.
Até esta quinta-feira, três equipes “lançaram seus modelos de 2022”: Haas, dia 4, Red Bull, ontem, quarta-feira, e Aston Martin, hoje. Pois a versão dos carros que vai começar o primeiro treino livre do GP de Barein, dia 18 de março, etapa de abertura do mundial, pouco ou nada tem a ver com o que vimos nesses “lançamentos”.
É possível ir até além: mesmo o carro que iniciará os primeiros treinos da pré-temporada, dia 23, no Circuito da Catalunha, em Barcelona, deverá já ser bem distinto daquele que os times “lançaram”.
Mais honesto teria sido informar que lançariam o layout da pintura dos modelos de 2022, com seus patrocinadores, usando como base o protótipo dos novos carros, apresentado no ano passado, em julho, em Silverstone, e concebido para dar uma ideia aos fãs de como poderiam ser os monopostos projetados para o revolucionário regulamento de 2022.
Mas aí eu te pergunto? Você acha que os times teriam as mesmas centenas de milhões de fãs acompanhando a transmissão do evento? Você acredita que a mídia daria o mesmo generosíssimo espaço para expor somente o layout e não o suposto modelo de 2022?
Com absoluta certeza, não!
Não dar referência alguma
Quem definiu o que poderia ser apresentado foi, essencialmente, o pessoal da área técnica. O marketing pouco interveio. Simone Resta, na Haas, Adrian Newey, Red Bull, e Andrew Green, Aston Martin, com seus engenheiros, procuraram, com o “modelo lançado”, não oferecer sequer indicações do que os seus verdadeiros carros de 2022 têm, que soluções para os imensos desafios de engenharia seus grupos desenvolveram.
Assim que os modelos VF-22-Ferrari da Haas, AMR22-Mercedes da Aston Martin e mais ainda o RB18 da Red Bull surgiram na tela, os fãs da F1 logo entenderam que aqueles não eram os super aguardados carros de 2022, dotados de elevado efeito-solo, estudados para tornar as corridas mais emocionantes.
O objetivo é evitar que a concorrência veja as soluções criadas e, eventualmente, já possa copiá-las antes ainda de o campeonato começar. Lembro que tudo na F1, hoje, é muito diferente do que era até o ano passado.
É bem verdade que em Barcelona e depois na segunda e última série de treinos, no Circuito de Sakhir, no Barein, de 10 a 12 de março, as escuderias precisam ter nos seus carros boa parte do pacote aerodinâmico pesquisado, a fim de entender se funciona ou não.
O desenvolvimento do carro será orientado pelas informações obtidas já nos testes de 23 a 25 deste mês na Espanha. E lá não haverá como esconder boa parte do que cada equipe fez. Estas têm fotógrafos contratados especificamente para registrar imagens dos monopostos dos adversários, nos mais distintos ângulos.
Como tudo é ainda muito experiemental, dada a novidade das regras, no início a evolução dos carros será exponencial.
Os fins justificam os meios
Guenther Steiner, na Haas, Christian Horner, Red Bull, e Lawrence Stroll, Aston Martin, deliberadamente classificaram a apresentação do layout de seus carros como “lançamento do modelo de 2022”, mentiram sem a menor desfaçatez.
Como hoje é dia de perguntas, faço outra: será que eles não se importam, não lhes cria nenhum constrangimento frustrar os fãs, ansiosos por descobrir a cara dos novos monopostos, como cada projetista reagiu ao novo e complexo exame técnico? Não lhes vêm à mente o desgaste que causa não corresponder à toda expectativa existente?
Obviamente eles têm consciência de tudo isso, mas diante do que capitalizam com tantos holofotes sobre seu “lançamento de carro” e consequente exposição dos patrocinadores, a relação custo/benefício é amplamente favorável.
Perdem de um lado, claro, gera até certa indignação, mas do outro deixa os que pagam as contas, os investidores, imensamente felizes. Quem tem maior peso?
Exposição impensável
Se somarem os minutos de TV em que suas marcas vão estar expostas, nos cinco continentes, quem sabe seis, com a Antártida, os bilhões de acessos na internet, os centímetros por coluna, com fotos, na imprensa escrita, ainda existente, fica logo evidente que o retorno é algo sem precedentes.
No caso dos que tradicionalmente não protagonizam a competição, não há outra ocasião para seus patrocinadores, suas formas e cores ficarem tão em evidência. No mundo.
Ainda mais importante: estamos falando de mídia espontânea, ou seja, não foi gasto um centavo para estar em todos esses meios de comunicação! Isso atinge o receptor-consumidor de forma distinta, menos coercitiva, compulsória, gera maior potencial de retorno à marca.
Ao realizar a conta do quanto custaria entrar em todas essas vitrines, sem garantia alguma de que a marca fosse acessada por tanta gente – não seria -, os homens da área comercial dos dois lados, dos investidores e das equipes, abrem um sorriso de orelha a orelha.
Está entendendo melhor o quão pequeno é para esses profissionais a questão da decepção dos fãs? E eles têm outro argumento sólido para reduzir o impacto dessa mentira: muito provavelmente todas as equipes vão adotar o mesmo procedimento.
Ok, a Alfa Romeo oficialmente lançará seu modelo de 2022 no dia 27, dois dias depois da primeira série de testes em Barcelona. Portanto, quando o carro deixar os boxes do Circuito da Catalunha, dia 23, conheceremos o verdadeiro modelo C42-Ferrari, de Valtteri Bottas e do estreante chinês Guanyu Zhou.
Manter vantagem inicial
Resta, Newey e Green, bem como os demais profissionais das escuderias, sabem que quanto mais tarde os concorrentes enxergarem soluções que podem ser úteis a eles também mais tarde serão incorporadas aos seus carros. Se elas, de fato, representarem uma vantagem, que demorem para ser adotadas.
É por isso que algumas dessas soluções mais refinadas, fruto de sacadas muito inteligentes, só deverão aparecer nos carros no primeiro treino livre do GP de Barein. No máximo na segunda série de testes, uma semana antes da largada do campeonato.
Volta ao passado
Algo interessante: durante muito tempo, para um projetista copiar algo novo e eficiente de outro time, bastava observar com olhos treinados e bastante atenção. Depois, com a eletrônica gerenciando quase tudo na F1, a partir dos anos 90, principalmente, mesmo tendo contato com soluções eficazes, copiá-las tornou-se muito difícil, em razão da sua interatividade com o restante do projeto. Tudo tornou-se muito específico. O que bem funciona para um, para outro pode não gerar o mesmo rendimento.
Este ano, curiosamente, as soluções mágicas sugerem ser, como no passado, mais visíveis e possíveis de serem copiadas pelos adversários. A principal mudança do regulamento é na aerodinâmica, na macroaerodinâmica.
Se um engenheiro tiver de rever seu carro, para acomodar algo que todos viram auxilia a performance, é menos complexo do que eram as soluções dos regulamentos estáveis, presentes na F1 há anos e, como mencionado, integradas com outras áreas do monoposto e gerenciadas ou monitoradas eletronicamente.
Nesse sentido, ao menos no começo da temporada, o desafio de engenharia, de macroengenharia, resgatará seu passado. Vamos ver técnicos se abaixando, no grid em especial, para ver o que o outro fez. E, se for o caso, estudar como aplicar aquele conceito no seu próprio carro. Poderá ser exequível.
Com a evolução dessas soluções, a maior interatividade com outras seções do monoposto, ficará cada vez mais complexo. Será menos difícil um projetista adotar soluções de um adversário este ano do que em 2023.
A mesma receita
Nesta sexta-feira a vez é de a McLaren “lançar seu modelo de 2022”. Repare que já me antecipei, colocando o termo nas aspas. Será surpreendente se o diretor técnico, James Key, não seguir o padrão de seus colegas.
O mesmo faz sentido esperarmos do “lançamento dos modelos de 2022” da Alpha Tauri, segunda-feira, dia 14, da Williams, terça-feira, Ferrari, quinta-feira, e Mercedes, sexta-feira.
Ainda que o modelo AMR22-Mercedes apresentado nesta quinta-feira dê pistas de algumas de suas soluções para o novo regulamento, o carro ainda é muito semelhante ao protótipo criado para mostrar como poderiam ser os novos monopostos, com os túneis de Venturi nas laterais e rodas com aro 18 em vez de 13, como até o ano passado.
Até agora, tudo o que podemos dizer da F1, em 2022, é: “Puxa, gostei dessa ou daquela pintura”. E não: “Esse ou aquele modelo de 2022 me chamou mais a atenção”, apesar de três deles já terem sido “lançados”.
Abraços, amigos.
Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.