Olá amigos.
Antes de mais nada, ainda há tempo para desejar a todos um ano novo com muita saúde, nosso bem maior, e realizações de toda natureza. Torçamos também, claro, por uma temporada de F1 tão emocionante quanto a de 2021.
O ritmo dos trabalhos nas equipes de F1 é frenético. Tenha a certeza de que a maioria de seus profissionais permanece muito mais horas das habituais nas fábricas em razão da necessidade de seguir pesquisando o projeto deste ano, bastante distinto do dos últimos campeonatos, bem como construí-lo.
Você bem sabe, o regulamento técnico passou por uma extensa revisão conceitual, visando reduzir as dificuldades de ultrapassagem nas corridas, tornando-as, se der certo, mais disputadas, abertas ao sucesso para mais times. Vamos discutir o tema em detalhes nos próximos dias.
Estamos a pouco mais de um mês, apenas, da apresentação dos revolucionários modelos de 2022. É grande a expectativa com relação à resposta dos grupos dos dez diretores técnicos da F1 aos desafios de engenharia das novas e complexas regras. Veremos soluções bem originais.
A primeira série de testes será de 23 a 25 de fevereiro, no Circuito da Catalunha, em Barcelona, e a segunda, de 11 a 13 de março no Circuito de Sakhir, no Bahrein, onde lá mesmo, dia 20, teremos a largada do tão aguardado mundial.
Penso ser oportuno discorrermos sobre os profissionais envolvidos no projeto dos novos modelos da F1, time por time. Quem contratou quem, o que os seus históricos sugerem que possam fazer.
O quadro de pilotos é bem conhecido, mas o de técnicos, não. E são eles, em essência, os responsáveis por disponibilizar conjuntos chassi-unidade motriz capazes de permitir aos pilotos lutar pelos melhores resultados.
Neste post abordamos a preparação de Mercedes, Ferrari, Alpine, Aston Martin-Mercedes e Alfa Romeo-Ferrari. As cinco equipes restantes, Red Bull-Honda, McLaren-Mercedes, Alpha Tauri-Honda, Williams-Mercedes e Haas-Ferrari, estão aqui.
Mercedes
Vem de conquistar o oitavo título de construtores seguido, recorde em 72 anos de F1. Em 2021 somou 613,5 pontos, com nove vitórias em 22 etapas. Em 2017, a F1 também mudou seus carros e pneus, mais largos, a Mercedes reestruturou sua área técnica e a série notável de títulos não foi afetada.
A alteração do regulamento, agora, é bem severa, semelhante à ocorrida de 1982 para 1983, com o fim do conceito que este ano está de volta à F1, o carro-asa. Mas poucos acreditam que a organização impecável gerenciada pelo competente Toto Wolff deixará de ser protagonista na competição, por um erro no projeto, por exemplo. Pouco provável, mas sempre possível.
Por causa da pandemia de covid, os times só puderam estudar, para valer, os projetos de 2022 a partir de 1º de janeiro de 2021.
O grande engenheiro inglês, James Allison, 53 anos, reduziu sua atividade no grupo técnico da Mercedes a partir de 9 de abril, a fim de se dedicar também a outros projetos, como o da America’s Cup, competição náutica. Ele já foi campeão com a Benetton, Ferrari, Renault e Mercedes.
Parte de suas importantes funções na F1 foi assumida pelo experiente Mike Elliot, novo diretor técnico, integrante do grupo desde 2012, no segmento de aerodinâmica e diretor de tecnologia.
O restante do grupo envolvido no projeto do W13, carro deste ano, é o mesmo. Na realidade, o segundo na hierarquia da aerodinâmica, Eric Blandin, foi contratado pela Aston Martin, time irmão da Mercedes. A montadora alemã é sócia da britânica. Explico melhor quando abordar a Aston Martin.
Assim, o carro de Lewis Hamilton e do igualmente talentoso George Russell, este ano, tem as diretrizes de Allison, em conjunto com o número 1 em aerodinâmica, Jarrod Murphy, e de Elliot, dentre outros grandes profissionais.
Na seção de unidade motriz, ainda mais importante nessa era de tecnologia híbrida, Hywel Thomas vem substituindo o respeitado Andy Cowell, desde outubro de 2020, com elogios de todos.
A FIA vai homologar as versões de unidades motrizes que serão apresentadas pelas quatro construtoras na F1, Mercedes, Honda, Ferrari e Renault, em março, e seu desenvolvimento será literalmente congelado até o fim de 2025.
A Honda anunciou que se retiraria da F1 no fim de 2021, mas sua relação com a Red Bull e a Alpha Tauri segue exatamente a mesma. “A única diferença é que agora nós lhes pagamos”, disse Helmut Marko, o homem forte da Red Bull, em entrevista ao blog.
Há uma dúvida, sim, com relação ao que a Mercedes pode fazer este ano na F1: qual será o impacto de a equipe se manter tão ativa na luta pelo título de 2021. Dinheiro e horas do túnel de vento do projeto de 2022 foram gastos na melhora do modelo do ano passado. O mesmo vale para a Red Bull-Honda.
Ferrari
Os tifosi e mesmo os promotores da F1 esperam um salto de performance da Scuderia di Maranello, terceira em 2021, com 323,5 pontos, cerca de metade da Mercedes, e somente cinco pódios, sem vitórias.
A estreia do novo regulamento é a oportunidade que os liderados por Mattia Binotto esperavam para voltar a lutar pelo título. O corpo técnico responsável pelo projeto de 2022 é o mesmo formado desde a dispensa de James Allison, em julho de 2016. Não há nenhum medalhão entre os engenheiros, homem de currículo de conquistas.
Os dois principais responsáveis pelo novo modelo são o especialista em aerodinâmica, o francês David Sanches, 44 anos, profissional criativo, com experiência na McLaren e Renault, e o quase desconhecido Enrico Cardile, 46 anos, na F1 desde somente julho de 2016.
O então presidente da Fiat e da Ferrari, o falecido Sérgio Marchionne, deu ao então chefe do programa aerodinâmico do modelo GT 458 Itália, Cardile, a direção do departamento de aerodinâmica da F1, algo desconhecido por esse engenheiro aeronáutico formado em Pisa. E desde 1º de janeiro deste ano Cardile é o chefe do segmento de chassi da Ferrari.
Outro líder no projeto é o alemão Wolf Zimmermann, especialista em motores. Ele trabalhou com os italianos no desenvolvimento de suas unidades motrizes quando era engenheiro da conceituada empresa austríaca AVL, procurada por muitos no automobilismo.
A versão da unidade motriz da Ferrari que será homologada em março tem a missão de reduzir os cerca de 30 cavalos a menos existente entre a usada no fim de 2021 por Carlos Sainz Junior e Charles Leclerc e a dos pilotos da Mercedes e Red Bull-Honda.
Mais um profissional envolvido no projeto do carro de 2022 da Ferrari, o francês Laurent Mekies, 44 anos, assina pela área de concepção veicular. Ele é o pai do halo, dispositivo que elevou bastante a segurança dos pilotos, quando trabalhava para a FIA.
Os quatro, Sanches, Cardile, Zimmermann e Mekies, têm seus grupos de trabalho, eles os lideram. A maioria jovem e de formação dentro da própria Ferrari, filosofia implantada por Marchionne e seguida por seu discípulo, Mattia Binotto, integrante da escuderia, do departamento de motores, desde 1995, e levado à condição de diretor geral em janeiro de 2019.
Não há profissional na F1 com quem já conversei, no fim de 2021 e nos últimos dois dias, que possa sequer imaginar o resultado do trabalho do heterogêneo grupo de engenheiros da Ferrari.
Foi por esse motivo que redigi um texto, no fim de 2021, afirmando que o desafio da Ferrari é maior que o de, por exemplo, Mercedes e Red Bull-Honda, com seu staff técnico de retrospecto vitorioso e trabalhando junto há bons anos.
Para os interesses da F1 seria muito bom se Sanchez, Cardile, Zimmermann e Mekies acertassem em cheio. A Ferrari forte fortalece a própria F1, daí o desejo de Stefano Domenicali, líder da Formula One Management (FOM), ex-diretor geral da Ferrari de 2008 a 2014, de ver seu ex-time lutando pelas vitórias.
Alpine
A escuderia da montadora Renault se reestruturou nos últimos dois anos. O novo comandante geral deverá ser anunciado este mês. Possivelmente será o experiente romeno/americano Otmar Szafnauer, 57 anos, ex-Aston Martin.
Abaixo dele há dois homens capazes, responsáveis também pelo avanço da Alpine em 2021, a ponto de Esteban Ocon aproveitar, com brilhantismo, a chance de vencer o GP da Hungria e Fernando Alonso chegar ao pódio no GP do Catar. São eles Laurent Rossi, diretor geral, e David Brivio, diretor de corrida.
A área técnica é dirigida por dois técnicos que nos últimos anos não realizaram grandes trabalhos, apenas no passado: Pat Fry, inglês, foi dispensado de Ferrari e McLaren. E Dirk de Beer, da Ferrari e Williams. Mas são experientes e mostraram, em 2021, poderem ser bem úteis a Alpine.
Ocon afirmou, em Budapeste, que a versão do modelo A521-Renault era bem mais competitiva que a do começo da temporada. Foi quinta entre os construtores, com 155 pontos.
Fry e Beer lideram com o inglês Benjamin Norton, ex-desenhista-chefe da Mercedes, o projeto de 2022. O diretor executivo é também um profissional que obteve sucesso em outras escuderias, como a Ferrari, o polonês Marcin Budkowski.
Além da dispensa, em janeiro de 2021, do polêmico diretor geral, Cyril Abiteboul, e do chefe de aerodinâmica, Pete Machin, o diretor geral, Rossi, da mesma forma rescindiu, em agosto, o contrato do diretor da seção de unidades motrizes, Remi Taffin.
A unidade motriz Renault é a que responde com menos cavalos dentre as quatro existentes na F1. É a área que os franceses mais precisam evoluir para disponibilizar a Alonso e Ocon um conjunto competitivo este ano.
O setor está sendo gerenciado por um grupo de técnicos, na sede de Very-Chatillon, no sul de Paris. Os chassis são projetados, construídos e desenvolvidos na fábrica da Alpine na F1 em Enstone, Inglaterra.
Aston Martin
Os resultados da reestruturação da equipe serão melhor percebidos a partir de 2023, quando o novo diretor técnico, o capaz Dan Fallows, assumir. Ele foi anunciado no dia 25 de junho de 2021, mas seu contrato com a Red Bull-Honda se estende até 2023. Há conversas em curso para ser liberado daqui a um ano.
É o mesmo caso do novo especialista em aerodinâmica, Eric Blandin, egresso da Mercedes. Terá de esperar até o fim do ano para começar a trabalhar. Já o novo diretor de engenharia, Luca Furbatto, 49, ex-McLaren, Toro Rosso, Alfa Romeo, cumpriu no ano passado o chamado gardening leave, período sem atividade para outro time, e trabalha ao lado do talentoso diretor técnico, na prática, Andrew Green, na escuderia desde quando se chamava Jordan, nos anos 90.
Os técnicos liderados por Green são conhecidos por tirar performance do carro mesmo sem recursos financeiros, bem evidente nos tempos em que a Aston Martin era ainda a Force India. São eles, por exemplo, Simon Phillips e Guru Johl, ambos da aerodinâmica, Ian Hall, desenhista-chefe.
É esse grupo que trabalha no modelo de 2022. A partir de janeiro de 2023, provavelmente, eles irão também para a nova sede da Aston Martin, na área da fábrica atual, ao lado do autódromo de Silverstone, e poderão utilizar, ainda, o novo túnel de vento e simulador, bem mais avançados que os atuais.
O sócio da montadora britânica Aston Martin, o canadense Lawrence Stroll, pai do piloto, Lance, contratou o inglês Martin Whitmarsh, ex-McLaren, para ser o seu braço executivo na organização. Ele já trabalha. O outro piloto, você sabe, é Sebastian Vettel, quatro vezes campeão do mundo.
Stroll ampliou o acordo tecnológico e comercial com a Mercedes. A montadora alemã terá até 2025 cerca de 20% de participação na sociedade, em troca do fornecimento de motores convencionais, híbridos e elétricos para os carros de série da empresa inglesa.
Esse acordo obviamente se estende para a F1. A Aston Martin usa todos os componentes possíveis dos carros de Hamilton e agora Russell, como unidade motriz, transmissão, suspensão traseira, sistema hidráulico, dentre outros.
Em resumo, amigos, a temporada de 2022 será de transição para a Aston Martin, mas dada a gana e capacidade de seus reais “racers”, como dizem os ingleses, técnicos abnegados, é possível que já este ano vejamos algo bem melhor que em 2021, quando por conta de competir com o chassi de 2019 da Mercedes ficou muito para trás, sétima entre os construtores, com 77 pontos.
A FIA foi obrigada a redigir melhor a regra a fim de impedir de uma escuderia utilizar o carro quase inteiro de outra.
Alfa Romeo
As informações sobre essa escuderia com sede em Hinwil, próxima a Zurique, na Suíça, são sempre cercadas de algum mistério. Por exemplo: quem sabe que o verdadeiro proprietário é o sueco Finn Rausing, dono também da milionária empresa sueca de embalagens Tetrapak?
Até julho do ano passado, quem aparecia como o controlador da Alfa Romeo F1 era o titular da financeira Longbow, o suíço-italiano Pascal Picci. Mas ele deixou o time. E Rausing é o mais low profile possível, vai por vezes às corridas com extrema discrição.
A F1 é o seu hobby, pois quando pode permanece na sede de Hinwil, adora conversar longamente com os técnicos. Tenho muitos amigos no grupo. Viajamos juntos para as corridas com a Swiss por anos.
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Pois bem, o diretor geral da equipe é o francês Frederic Vasseur, não uma unanimidade no grupo. Em julho de 2019, Vasseur reorganizou a Alfa Romeo. O então diretor técnico, também longe de ser o engenheiro dos sonhos dos colegas, o italiano Simone Resta, voltou para a Ferrari, de onde saiu, em 2016, por discordar de Marchionne.
Mas Resta ficou pouco tempo lá. O mandaram para a Haas-Ferrari, programada para abordarmos na quinta-feira. A saída de Resta deu a chance a Vasseur de colocar como número 1 na área técnica um velho conhecido, o também francês Jan Monchaux, ex-Toyota e Ferrari. Já era o diretor de aerodinâmica da equipe.
E Monchaux tirou da Ferrari um técnico com quem trabalhara, Alessandro Cinelli, mas não do primeiro escalão, para chefiar a aerodinâmica. Os dois são os principais responsáveis pelo modelo de 2022 da Alfa Romeo. Como a Ferrari, o desafio de seu time satélite sugere ser maior que o dos concorrentes, pela formação de seus líderes técnicos.
Ok, nada impede os engenheiros que coordenam o projeto de produzir algo bem eficiente, fruto de belas sacadas, principalmente porque as dez equipes tinham, em 2021, um limite orçamentário de no máximo US$ 145 milhões (R$ 800 milhões). Como fez a modesta Brawn GP, em 2009, na mudança radical do regulamento, e conquistou o título. Como seria saudável para a F1. Em 2021, ficou em nono e penúltimo lugar, com 13 pontos.
Por que Alfa Romeo? Não há nenhuma ligação entre a organização do sueco Rausing, com sede na Suíça, e a célebre montadora italiana, dominadora da F1 na sua infância, início dos anos 50.
Quando era presidente da Fiat e da Ferrari, Marchionne ficou impressionado com a aceitação do nome Alfa Romeo no mundo da velocidade. E a montadora faz parte do grupo Fiat Chrysler, como a Ferrari.
Assim, Marchionne e o então líder da Sauber, nome anterior ao da Alfa Romeo, Picci, fizeram um acordo. A Ferrari passaria a fornecer unidade motriz e todo o conjunto traseiro do carro. A Sauber mudaria, com o tempo, para Alfa Romeo e um de seus pilotos, até o ano passado, poderia ser indicado pelos italianos.
Obviamente a conta era bem mais alta para Picci. O valor a ser pago para a Ferrari pelo fornecimento da unidade motriz, transmissão etc é bem maior do que a Alfa Romeo cobraria para expor o nome no carro e no time, além da reserva na vaga de piloto.
A Alfa Romeo tem para este ano uma boa combinação de pilotos, o experiente Valtteri Bottas, antigo conhecido de Vasseur, por terem sido campeões na GP3, em 2011, pela Art Grand Prix, dirigida pelo francês, e o veloz chinês Guanyu Zhou, terceiro na F2, em 2021, com quatro vitórias.
Viram quantas incertezas existem hoje nesta que será a 73ª temporada da história da F1?
Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.