Notícias

Conheça, de verdade, o grande campeão Max Verstappen. Exemplo: “Odeio a escola”

Livio Oricchio

A festa de Verstappen com a bandeira da Holanda: Max é o primeiro campeão da F1 do país - Kamran Jebreili/Reuters

Olá, amigos.

Nós vamos conversar bastante, nos próximos dias, sobre os incríveis acontecimentos no Circuito Yas Marina, neste domingo, e que resultaram na conquista do merecido título de Max Verstappen, da Red Bull-Honda, quando parecia, a apenas cinco voltas da bandeirada do GP de Abu Dhabi, que Lewis Hamilton, da Mercedes, faria a festa pela oitava vez na F1.

Vou me limitar, hoje, a oferecer um panorama um tanto distinto sobre quem é o talentosíssimo, combativo e controverso personagem do dia, ou melhor, da temporada, o campeão mundial Max Emilian Verstappen, de 24 anos, completados dia 30 de setembro.

Tudo o que você irá ler, a seguir, escutei nas muitas entrevistas exclusivas que fiz com Max e os profissionais que trabalham para ele desenvolver seus imensos dotes de piloto e ser o que é, um fenômeno das pistas: o mais jovem a estrear na F1, com 17 anos e 166 dias; o mais jovem a marcar pontos, 17 anos e 180 dias; o mais jovem a chegar no pódio, 18 anos e 228 dias, e o mais jovem a vencer um GP, 18 anos e 228 dias.

Com 24 anos e 73 dias, Max não é o campeão mundial mais jovem da história, feito realizado por Sebastian Vettel, em 2010, de Red Bull-Renault, com 23 anos e 134 dias.

Vamos conhecer mais a fundo esse recordista de precocidades na F1, dentre outros tantos atributos?

Em 2014, Max pilotou pela primeira vez um carro de F1 em um fim de semana de GP. Foi em Suzuka, no Japão, com o modelo STR9 da Toro Rosso-Renault, no primeiro treino livre, na sexta-feira. Antes disso, havia completado algumas voltas com um modelo antigo da equipe italiana, em Misano, mas sob chuva.

Veja a ultrapassagem de Verstappen sobre Hamilton que valeu o título:

Três dias antes da experiência em Suzuka, comemorou 17 anos de idade. Ele disputava, ainda, o título do conceituado Campeonato Europeu de F3 com o francês Esteban Ocon, hoje no time da Alpine de F1. Faltavam duas etapas, seis corridas. Ocon ficaria com o título e Max, em terceiro.

Vai lá e trate de acelerar

Eu conversei com Max, depois da sua primeira experiência com um carro de F1. Veja o que me disse, é surpreendente:

“Eu e meu pai perguntamos ao Doctor Marko (Helmut Marko, ex-piloto de F1 e Endurance, consultor com poderes de diretor da Red Bull) e ao senhor Tost (Franz Tost, diretor geral da então Toro Rosso, hoje Alpha Tauri) se aquela pista representava mesmo o melhor lugar para eu conhecer o carro. É famosa por ser difícil, rápida e não ter áreas de escape. Nós ouvimos deles que se eu fosse bom deveria ir lá e corresponder”.

A resposta prosseguiu: “Quando já estávamos em Suzuka, antes de entrar na pista, sentado no cockpit, o senhor Tost se aproximou de mim, abri a viseira e ele me disse que até o fim daquela sessão de uma hora e meia eu deveria já estar fazendo a curva 130R de pé embaixo, sem aliviar. Ele ainda deu dois tapinhas no meu capacete, desejando-me boa sorte”.

A curva 130R é aquela à esquerda, no fim da longa reta que se estende depois da veloz Curva Spoon, contornada em oitava marcha, a cerca de 320 km/h.

Max me disse mais: “Imagine que eu nunca havia ultrapassado os 230 km/h, velocidade máxima do meu carro de F3. Quando dei algumas voltas com um carro antigo de F1, na Itália (Misano), chovia. O que primeiro precisei fazer foi me habituar com a velocidade dos carros de F1, completa novidade para mim. Lembro de na primeira volta acelerar na reta dos boxes, em descida, e no meio dela tirar o pé do acelerador, impressionado com a aceleração. Aos poucos fui me habituando, ganhando confiança. Não queria de forma alguma bater, por saber que em Suzuka você bate sempre forte”.

Obviamente eu lhe perguntei se havia conseguido percorrer a Curva 130R flat out, em aceleração máxima. “Sim, mais cedo do que pensava. Você vai descobrindo a enorme aderência gerada pela aerodinâmica e pelos pneus, passa a conhecer os limites do carro. Foi uma descoberta para mim.”

No fim do treino, Max completou 22 voltas na seletiva pista japonesa de 5.807 metros e registrou um tempo 443 milésimos pior que o outro piloto da Toro Rosso-Renault, o russo Daniil Kvyat.

Detalhes de sua contratação

O treino foi programado por Doctor Marko e Tost porque Max já havia assinado para disputar o campeonato de 2015 pela equipe italiana, apesar de, como escrevi, ter acabado de celebrar seu 17º aniversário.

Max me contou como foi sua contratação pelo Doctor Marko: “Eu venci as três corridas de F3 da etapa de Spa (Bélgica) e as três da etapa seguinte, em Norisring (Nuremberg, Alemanha). Nós voltamos para casa (Bree, na Bélgica), de carro, umas 5, 6 horas, e fomos dormir. Estava exausto.”

Mais dessa história. “No dia seguinte, 30 de junho (2014), meu pai me acordou cedo. Não entendi, no primeiro momento, a razão. Ele me disse que Doctor Marko tinha acabado de ligar a fim de me oferecer uma vaga de piloto titular na Toro Rosso no ano seguinte. Como havia dormido pouco, fiquei com a sensação de que aquilo não era real, mas um sonho. Até que de fato me dei conta de que havia surgido uma chance de pilotar na F1. Claro, eu e meu pai nos emocionamos. Não esperava que fosse acontecer já no meu segundo ano como piloto. No ano anterior (2013), eu era ainda piloto de kart.”

O pequeno Max - Reprodução/Instagram Max Verstappen

Essa inexperiência toda gerou resistência na F1 para aceitá-lo como piloto. Afinal Max não podia dirigir automóveis na rua, por ter 17 anos recém-completados, mas estava autorizado pela FIA a pilotar os ultravelozes monopostos de F1.

Isso obrigou a FIA a estabelecer, um tempo depois, a idade mínima de 18 anos para estrear na F1, bem como criou um sistema de pontuação na carteira para o piloto obter a superlicença, documento necessário para pilotar na F1. Só pilotos que fazem sucesso nas fórmulas 4, 3 e 2, principalmente, podem somar os pontos necessários para acessar a F1. Em resumo, sejam experientes e capazes.

Os primeiros GPs comprovaram que Max era mesmo alguém muito especial, mas assumia riscos elevados, naturais para um adolescente.

Visto no meio como arrogante

Veja só o que me disse quando lhe perguntei o maior ensinamento do grave acidente sofrido no GP de Mônaco, de 2015, na sua sexta corrida de F1. Errou a freada no fim da reta dos boxes, acertou o francês Romain Grosjean, da Lotus, e colidiu frontalmente na barreira de proteção da Curva Saint Devote. Precisou da ajuda dos comissários para deixar o cockpit:

“A maior lição foi descobrir que o carro de F1 é mais resistente do que eu pensava. Isso quer dizer que posso, agora, correr mais riscos do que vinha fazendo.”

Sua declaração ganhou a mídia internacional, elevando a impressão de arrogância do jovem piloto holandês. Já Bernie Ecclestone, ainda na liderança da F1, em 2015, amou aquilo tudo: “Max é a melhor coisa que aconteceu na F1 nos últimos anos”.

A pergunta se tornou inevitável: com um ano, somente, de automobilismo, na F3, você acredita que chegou preparado para os muitos e complexos desafios da F1?

“Depende muito de como você é preparado nas suas primeiras fases de formação, desde o kart. Eu tinha o meu pai me ajudando o tempo todo. Ele sabia o que eu tinha de fazer para me tornar um piloto de F1. Essa é a razão de, para a minha idade, estar em um nível de preparo avançado. Não são todos os pilotos que podem ser treinados dessa forma. Depende muito das pessoas que você tem ao seu redor. (Jos, pai de Max, disputou 107 GPs de 1994 a 2003 e pilotou para Benetton, Simtek, Arrows, Tyrrell, Stewart e Minardi. Os seus melhores resultados foram dois pódios, terceiro na Hungria e Bélgica, em 1994, como companheiro de Michael Schumacher na Benetton.)

Max e Jos Verstappen - Reprodução/Instagram Jos Verstappen

Não está nem aí para as mídias sociais

Outras perguntas que fiz a Max, agora em 2016, quando já havia passado da Toro Rosso para a Red Bull-Renault e ter vencido brilhantemente na estreia, o GP da Espanha.

Rapazes da sua idade gostam de mídias sociais, reunirem-se, promover festas, ir a shows musicais. Sua profissão, piloto de F1, não permite ter essa vida. Como você administra a questão?

“Para mim, desde muito pequeno, meu sonho sempre foi me tornar piloto de F1. Claro, você sente, em alguns momentos, desejo de estar com os amigos, mas para mim não há nada que eu mais goste do que viver nesse nosso mundo das corridas. Isso tudo que você falou nunca foi algo que eu gostasse tanto, mesmo quando era ainda mais jovem. Para mim o prazer maior é trabalhar para ser um piloto cada vez melhor. Minha vida foi voltada para isso, meus fãs, meus amigos estão nesse universo das corridas e não são tão ligados em mídias sociais e festas, portanto para mim é fácil ignorar certas coisas que os outros da minha idade fazem.

Aqui no paddock é comum as pessoas destacarem a sua maturidade, com 17 anos você já corria em alto nível na F1 e com 18 ganhou seu primeiro GP, com um carro que nunca havia ainda pilotado, o da Red Bull.

“Eu estou quase o tempo todo, e não é de hoje, no meio praticamente só de adultos, você acaba absorvendo sua maneira de pensar, agir. Além disso, a F1 faz você amadurecer muito rápido, e você tem de amadurecer caso contrário não se estabelece aqui. Ninguém passa a mão na sua cabeça para perguntar o que você tem, meu filho? Desde o kart já vivia num mundo profissional, cresci nesses valores. Viajamos toda hora, às vezes para longe, o que também ajuda a apressar seu entendimento da vida, você fica muito tempo sozinho, reflete.

Velocidade no DNA

Você viveu no começo da carreira, no kart, com seu pai e está sempre também com sua mãe, Sophie, belga, vencedora no kart. Ela venceu pilotos como Jenson Button, Giancarlo Fisichella e Jarno Trulli. Qual a influência deles na sua vida, com esse histórico de velocidade?

Veja também:

“Meus pais (separados) residem na Bélgica e eu moro sozinho em Mônaco. Eu sempre fui uma pessoa que se virou muito bem sozinha, gosto disso, tomar minhas decisões, posso sempre encontrar as soluções para meus desafios. Isso é muito importante. A maioria prefere ter alguém perto, o que não ajuda muito nesse processo de maturidade. Quanto a herdar a velocidade deles, não sei te dizer. Acredito que podem me ter influenciado quanto a me interessar pelo automobilismo, mas provavelmente só isso.”

Max vive desde janeiro com Kelly Piquet, filha de Nelson Piquet, em Mônaco. Ela foi casada com o piloto russo Daniil Kvyat, hoje piloto reserva da Alpine. Teve uma filha, Penelope, hoje com dois anos.

Max a respeito de se deslocar no Principado de Mônaco, com seus dois quilômetros quadrados de área. “Eu não dirijo em Mônaco, tenho carro, mas prefiro uma scooter, com o capacete passo mais discreto entre a população. Não gosto de passar de carro e as pessoas ficarem te olhando, gosto mais de andar de scooter.”

De fato, morei em Nice por 12 anos, do lado de Mônaco, até a temporada passada, e nunca identifiquei Max por lá, ao contrário de Lewis Hamilton, Nico Rosberg, Felipe Massa, dentre outros.

Nunca quis saber de estudar

Essa faceta de Max irá te surpreender. Eu fiz uma longa entrevista com ele no México, em 2017. Era uma conversa do tipo one to one por ano e questões postas depois de coletivas, por exemplo, temas às vezes delicados. Sempre foi muito atencioso comigo. Veja só: Max, até que idade você se manteve na escola?

“Na escola normal eu estudei até os 15 anos. Tinha enorme dificuldade de conciliar os estudos com a minha atividade no kart, tentei seguir estudando numa escola privada, fazendo provas via computador, mas não havia como, competir de kart exige muito. Você começa a trabalhar às 7h30 da manhã, o primeiro treino inicia às 8h20, há várias sessões até 17h30. Depois você tem de limpar o motor e eu sempre ajudava meu mecânico, cuidava dos pneus, do combustível... terminava sempre bem tarde, 23 horas. Estava exausto, precisava descansar, não sobrava tempo para estudar. Eu chamei meu pai e disse que precisávamos tomar uma decisão.

Pergunto: Qual foi? “(Risos) Eu falei a meu pai ou eu paro tudo e vou para a escola ou eu passo a me concentrar totalmente no kart, no meu objetivo de chegar na F1 e deixo a escola. Nos decidimos pela segunda opção. Felizmente deu certo. Mas foi uma decisão de alto risco. Se não tivesse obtido sucesso, eu teria perdido tempo e não teria diploma, não teria nada, minha vida seria mais difícil. Mas sempre tive comigo que se não desse certo de chegar na F1 eu faria qualquer outra coisa ligada ao automobilismo”.

Veja a volta que valeu a pole para Verstappen em Abu Dhabi:

Você não cogitava, sequer, regressar à escola, completar o ensino fundamental?

“Não, eu odeio a escola. Procuraria fazer algo relacionado às corridas.”

Não há nenhuma área do seu interesse que justificaria você cursar a universidade?

“Não, de forma alguma. Eu não gosto. Quando estava na escola eu queria estar fora, em contato com o mundo. Eu optei por não seguir estudando e continuar viajando pelo mundo, agora mais, e isso tem me dado grande experiência, mais do que se tivesse escolhido ficar na escola. É verdade que eu não sei escrever a melhor carta do mundo, mas aprendi muita coisa viajando.”

Exemplo para os jovens

Max, você vai lá e luta, não desiste, busca a vitória a qualquer preço. A torcida jovem, em especial, se identifica com você, há uma grande responsabilidade nisso. Reage bem ao fato de ser o modelo de uma geração de fãs?

“Não havia pensado nisso, talvez eu tenha de caminhar mais dentre eles para conhecê-los melhor. No kart e na F3 eu sempre era o mais jovem a competir, procurava me impor porque no começo eles não te respeitavam muito, o que esse menino está querendo aqui?, pensavam. Essa minha agressividade vem também de eu ter de deixar a minha marca, você não está lá para apenas aprender, mas para vencê-los e foi o que sempre fiz, no kart, na F3 e faço agora na F1. Às vezes há quem não goste e procura te atingir, mas eu sou um lutador e procuro sempre me superar.

Nesses anos de relação profissional com Max, eu lhe perguntei quando já tinha algumas vitórias na F1, em 2018:

Que tipo de pessoa você é?

“Muito calmo. Fora dos autódromos eu não mostro muito minhas emoções, estou sempre na minha, gosto de aproveitar a vida a minha maneira. Nos circuitos, eu sou um lutador, dou tudo para conseguir o melhor resultado possível. Eu mudo a chave, do modo calmo para o agressivo.”

Já é muito, muito rico

Você é bem jovem e já ganha muito dinheiro. Quem administra, seu pai te ajuda?

“Meu pai me ajuda. O meu empresário também (Raymond Vermeulen). Ele é, na realidade, um amigo da família, temos ótima relação, cuida dos contratos. E é muito dinheiro. Um jovem pode se desequilibrar, esse dinheiro é capaz de te tirar do caminho. Meu pai e meu empresário me orientam na gestão do que ganho.”

No paddock a informação, provavelmente procedente, é de a extensão do contrato de Max com a Red Bull-Honda, assinada em janeiro de 2020, até o fim de 2023, lhe garantir 28 milhões de euros, ou R$ 170 milhões, por temporada, mais prêmios por conquistas.

Você é um gastão ou pensa duas vezes antes de comprar algo ou fazer um investimento?

“Eu não gasto dinheiro desnecessariamente, compro apenas o que preciso. E não é só para mim. O gostoso de ganhar esse dinheiro é poder dividir com a família, dar a todos uma boa qualidade de vida, eles se sacrificaram muito por minha causa quando eu comecei a competir e agora merecem desfrutar do sucesso que estou fazendo na F1.”

Ao longo da semana teremos muito o que falar sobre o GP de Abu Dhabi, concorda? Só adianto que no meu entendimento, apesar da chiadeira do pessoal da Mercedes, não vi nada de irregular nas decisões do diretor de prova, Michael Masi, em especial na autorização para os cinco pilotos retardatários que estavam entre Hamilton e Max, atrás do safety car, ultrapassarem o líder, o piloto inglês, a fim de entrar na mesma volta. Vimos isso acontecer em várias outras ocasiões. O título é, para mim, legítimo. Parabéns, Max!

Livio Oricchio

Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.