Nova diretoria da OAB-SP é empossada com primeira mulher na presidência

Cerimônia foi realizada no Theatro Municipal e foi um marco para a Ordem, que tem a criminalista Patrícia Vanzolini como 1ª eleita

Norah Lapertosa, do Metro Jornal

Prefeito Ricardo Nunes e o governador Rodrigo Garcia estiveram na cerimônia
Divulgação/OAB-SP

Foi empossada na noite da última segunda-feira (11), a nova diretoria, os conselheiros da seccional da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo) e os gestores da CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo) para o triênio que começa em 2022 e termina em 2025. A cerimônia foi realizada no Theatro Municipal da capital paulista e foi um marco para a Ordem, que tem a advogada criminalista e professora Patrícia Vanzolini como a primeira mulher eleita para comandar a maior Seccional da OAB (com mais de 342 mil advogados inscritos). Ela tomou posse em janeiro deste ano. O evento contou com a presença do presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, do prefeito da cidade, Ricardo Nunes (MDB), e do governador, Rodrigo Garcia (PSDB).

Em seu discurso, Patricia clamou pelo diálogo entre os advogados. “A ausência de um espaço de mediação e diálogo afasta a nossa sociedade do mínimo consenso civilizatório, ameaça a nossa boa convivência e confronta a democracia. É justamente esse um dos papéis fundamentais da OAB, reconstruir a arena pública e promover o confronto democrático e livre das ideias. Essa é a nossa disposição: fomentar o livre trânsito de ideias, propostas e projetos para o futuro da advocacia, da administração da justiça e do nosso país”, disse. 

Ela afirmou que "a eleição da primeira mulher na OAB-SP tem dois significados: inclusão e mudança." Segundo Patricia, não se trata de uma gestão das mulheres, pois a derrubada dos muros do patriarcado deve permitir que passem todos aqueles historicamente excluídos dos círculos do poder: mulheres, negros, pessoas LGBTQIA+, portadores de deficiência. "Inclusão seletiva não é inclusão, é só perpetuação da exclusão com novos atores”, disse. Ela também destacou a atuação do Conselho Federal da OAB, que aprovou a regra da paridade de gênero e das cotas raciais para as chapas. 

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, reforçou a importância da entidade e da advocacia em prol da sociedade. “Quero parabenizar esses 90 anos que a OAB faz em defesa da atuação dos advogados, que constituem seus ofícios na garantia de direitos e, portanto, no poder de fortalecer a nossa democracia”. O governador Rodrigo Garcia, destacou a relevância da posse da primeira mulher eleita presidente da OAB-SP. "A honra que tenho é, realmente, muito grande. Em um momento que o Brasil vive de tantos extremos, de tanto desrespeito à sociedade, a eleição da Patrícia tem esse significado importante para todos nós. Não só do empoderamento da mulher, mas do respeito e da igualdade de oportunidades", completou.

Além de Patrícia Vanzolini, compõem a nova diretoria da seccional paulista o vice-presidente Leonardo Sica, a secretária-geral Daniela Marchi Magalhães, a secretária-geral adjunta Dione Almeida Santos e o diretor-tesoureiro Alexandre de Sá Domingues. Na CAASP, foi empossada a presidente Adriana Galvão e os novos dirigentes do órgão assistencial da advocacia paulista. 

Em entrevista exclusiva para o Metro Jornal, Patrícia destacou a importância de ser a primeira mulher a presidir a maior seccional do país, os desafios da sua gestão e a vontade de tornar a instituição mais acolhedora para a classe de advogados.

A senhora foi a primeira mulher a presidir a maior seccional da OAB do país, o que isso representa?

Representa uma rachadura no teto de vidro que nos impede de chegar em cargos de liderança. Eu acho que cada mulher que consegue chegar a estes cargos faz uma rachadura também. Essa conquista precisa ser comemorada e valorizada, porque quando uma mulher chega a um cargo de liderança, seja ela quem for, certamente superou mais obstáculos e enfrentou mais desafios do que um homem para chegar ao mesmo lugar. A minha eleição desmentiu todas essas crenças e tabus e acho que o meu exemplo incentiva outras mulheres a lutarem por seus objetivos profissionais.

Quais foram as maiores barreiras que enfrentou nas eleições?

Eu ouvi logo que a eleição era muito dura, que eu não aguentaria e que era um jogo pesado para uma mulher entrar. Senti que havia uma descrença de que eu poderia aguentar o tranco e ganhar por ser mulher. Havia também uma certa crítica velada. Um exemplo disso é eu ter sido questionada por diversas vezes sobre o paradeiro das minhas duas filhas quando viajava pelo estado de São Paulo para os compromissos da campanha. Não acho que a pergunta era feita de má fé, mas o curioso é que o meu vice, Leonardo Sica, também tem duas filhas e nunca perguntaram onde elas estavam. Eu tive que lidar com essa visão machista da sociedade e com a minha própria culpa interna. Em determinados momentos, eu pensava “que mãe sou eu?” e depois lembrava que eu era uma boa mãe me dedicando por um período a uma atividade profissional intensa, na qual eu acredito, tal como os homens fazem o tempo todo sem grandes problemas morais.

Sua aparência também foi julgada?

O meu cabelo grisalho virou um fato político, embora não seja. Ele já estava bem grisalho e, na pandemia, assim como muitas mulheres, comecei a experimentar ficar sem tinta e achei que era uma libertação. Muitas pessoas acham que isso foi um manifesto, mas era apenas um cabelo. Eu recebi algumas críticas dizendo que eu tinha ido longe demais. Mais uma vez houve a diferença de tratamento entre homens e mulheres. O fato de deixar o cabelo grisalho não deveria ter sido sequer questionado.

A OAB segue elegendo, em nível estadual, representantes homens brancos aos cargos mais altos da instituição. O que pode ser feito para maior diversidade racial e de gênero?

As posturas antimachista e antirracista são indissociáveis. Um dos caminhos para solucionar essas desigualdades são ações afirmativas que compreendam que existe uma situação de desigualdade e que ela não será resolvida organicamente em um tempo razoável. Precisamos acelerar essa equalização promovendo ações de inclusão. A OAB de São Paulo promove igualdade racial e de gênero de forma horizontal. As comissões temáticas, os nossos tribunais de ética, a nossa escola superior da advocacia e a nossa lista sêxtupla para o quinto constitucional, que passou a incluir obrigatoriamente mulheres e negros, são exemplos disso.

Seus pais foram exilados no Chile na época da ditadura por lutarem pela democracia. Como a experiência deles pesa na sua?

A história da minha família me marcou muito em dois aspectos. O primeiro está relacionado aos valores. Eles me ensinaram que existem valores sociais mais relevantes do que os individuais. Os meus pais eram dois estudantes de classe média e viviam de forma confortável. Se tivessem ficado quietos, não teriam corrido risco. Eu aprendi com eles que, se for preciso sair da zona de conforto para promover melhorias à sociedade, deve-se fazê-lo. O outro aspecto é a coragem, porque muitas vezes sair dessa zona de conforto implica riscos, no caso deles, riscos de vida.

Qual enxerga ser o maior desafio dessa gestão?

Eu acho que é uma mudança da cultura interna da nossa instituição. Que a gente consiga promover governança, transparência, bom uso do dinheiro da advocacia e uma perspectiva de apoio aos advogados. A Ordem teve momentos muito importantes na sociedade brasileira, mas não acompanhou sua evolução nem a do mercado. Então, os processos internos são completamente desconectados dos parâmetros de governança. Ou seja, a boa gestão, com austeridade, economia, transparência, informatização, rapidez e eficiência. A Ordem está muito longe desse ideal e por isso não consegue cumprir uma missão assistencialista. Quando começou, acho que a missão dela era de proteção à advocacia como instituição, ou seja, a valorização do advogado, a defesa das prerrogativas do advogado. Hoje, perante uma classe de advogados empobrecida e carente de qualificação profissional, a Ordem precisa ter uma missão de assistência, de proporcionar condições de trabalho. Isso é uma mudança de paradigma. Muitos advogados recebem dois salários mínimos, residem em comunidades. É preciso uma mudança de cultura para que nós entendamos a gestão interna da Ordem, que precisa ter governança e transparência, e a função da Ordem que hoje não se limita à defesa dos direitos dos advogados, mas invade a assistência ao advogado para que ele possa trabalhar.

Como a OAB pode atuar para favorecer a entrada de jovens advogados no mercado de trabalho?

A função da OAB é selecionar e qualificar advogados, e acho que ela está deixando muito a desejar no quesito qualificar. O mercado não vai conseguir absorver os quase um milhão e meio de advogados que temos no Brasil se eles não estiverem altamente qualificados. Um dos programas mais centrais da nossa gestão é ajudar os advogados a se qualificarem e a se inserirem em novos mercados. Um exemplo é que, com o surgimento da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), surgiram cerca de 50 mil postos neste setor. São os chamados DPOs (Data Protection Officers). Eles estão sendo ocupados por trabalhadores de tecnologia, mas que não têm conhecimento de legislação. Precisamos capacitar a advocacia para ocupar estes cargos.

Como a OAB vê as ameaças ao processo democrático nas eleições de 2022?

A OAB precisa zelar pelo processo democrático e um ponto fundamental é o processo eleitoral. Nós, já alinhados com outras seccionais, estamos concebendo como a OAB vai se posicionar preventivamente para convidar os candidatos ao próximo pleito à Presidência a se comprometerem com o regime democrático eleitoral. Isso significa não atacar as eleições de forma irresponsável, não espalhar fake news sobre o processo eleitoral. Se as urnas eletrônicas foram validadas, elas precisam ser vistas como confiáveis. Caso contrário, criamos uma instabilidade democrática. O resultado tem que ser respeitado, o processo eleitoral tem que transcorrer de forma tranquila.

Como avalia legalmente o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff?

Ele respeitou o processo previsto na lei e portanto me oponho a dizer que foi golpe. Mas tenho uma crítica à lei do impeachment. Ela é muito vaga e aberta. É uma lei da era Vargas, criada em uma tentativa de se instituir no Brasil um semiparlamentarismo, ou seja, diminuir um pouco o poder do Getúlio Vargas, permitindo que o Congresso tirasse o governante se quisesse. No presidencialismo, quando se cria essa possibilidade, surge também instabilidade democrática muito ruim. O Brasil, uma democracia jovem, já teve dois presidentes objeto de impeachment e tantos outros em que o processo foi pedido. Eu acho isso ruim. Acho que, no sistema presidencialista, a menos que existam coisas que coloquem em risco a segurança nacional, não deve ser usada a ferramenta do impeachment. Acho isso para a Dilma ou para o Jair Bolsonaro.

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