Traficante do Rio proíbe procissões e impõe terror a quem não segue sua religião

Peixão transformou a região que reúne cinco comunidades em 'Complexo de Israel', proibiu procissões e impôs o terror

Por Vinícius Dônola

No Rio de Janeiro, um traficante dominou cinco diferentes favelas e batizou a região como "Complexo de Israel". Bandidos da facção que domina o território dizem fazer parte do "Exército do Deus Vivo.” 

Ouvintes da Rádio BandNews FM enviaram denúncias de que, em algumas paróquias do Rio e da Baixada Fluminense, as procissões do Domingo de Ramos foram proibidas, não aconteceram por causa de uma determinação imposta por traficantes.

Uma mensagem de texto dizia: "O traficante Peixão, chefe do tráfico no cinturão Parada de Lucas, Vigário Geral e Cidade Alta - o famoso Complexo de Israel, tem as mesmas práticas do ex-traficante Fernandinho Guarabu".

Outro ouvinte enviou um áudio: "Isso aí que vocês estão falando é pura verdade. O bandido Peixão proibiu qualquer eventualidade desse tipo aqui na Cdade Alta."

O ouvinte confirmava: uma procissão já foi interrompida por bandidos. "Os caras de fuzil foram lá e falaram com o padre que estava passando lá, e aí ele proibiu. O Peixão proibiu." 

O pastor evangélico Vladimir Oliveira comenta: “Jesus de maneira nenhuma iria estabelecer discurso de ódio. Você não consegue colocar Jesus dentro dessa conta tendo em vista a forma como Jesus lidou com os excluídos do seu tempo. Quando os evangélicos também chegaram aqui eles também sofreram esses preconceitos”.

Rio-2016

Em 2016, o mundo assistia aos Jogos Olímpicos, no Rio. Enquanto isso, a facção que dissemina o ódio religioso ampliava o seu território. Naquele ano, a atenção de todos - especialmente, dos veículos de comunicação - estava voltada para as Olimpíadas. 

Foi assim que Álvaro Malaquias Santa Rosa - o traficante conhecido como "Peixão" - comandou a invasão de um território estratégico: a Cidade Alta. É uma comunidade que nasceu perto de uma das vias mais movimentadas do país: a Avenida Brasil. Neste trecho, no acesso à Cidade Alta, existe um trevo bem importante, que liga a Avenida Brasil à BR-040, a Rio-Brasília.

Certa vez, eu fui fazer uma palestra na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre esse assunto”, diz Márcio de Jagun, coordenador de diversidade religiosa do Rio de Janeiro. “E uma pessoa que estava na assistência se posicionou dizendo que morava na Cidade Alta, e que era comum onde ela residia, que as pessoas fossem interpeladas na rua pelo poder paralelo, vez por outra eram escolhidas: ‘Você! Recite um versículo bíblico! Sob ameaça. Armados. Por que que você usa esses cordões? Tire agora!’ Eu nunca tinha ouvido falar de algo parecido. Nada tão inquisitório em tempos modernos, ou ditos modernos.”

Ivanir dos Santos ressalta: “Houve caso específico de quebra de imagem, de dar tiro em imagem. Você tem imagem de São Sebastião, você tem a imagem do Ogum, que é a mais popular, que é do São Jorge, e de São Cosme Damião, que é muito comum você encontrar capelinha em comunidade, né?”

No alto de uma caixa d'água, o traficante que domina a comunidade mandou fincar um símbolo do judaísmo: a Estrela de Davi.

“Só que se você observar que esses grupos intolerantes hoje utilizam justamente o antigo testamento como base para construir a sua narrativa de demonização, de violência e de guerra”, afirma Ivanir. “É uma leitura muito errada, muito tosca. Só serve para propagar o racismo, a intolerância, a misoginia, a homofobia. São esses grupos que são atacados.”

Crime e fé

O grande território controlado hoje Peixão, é conhecido como "o Complexo de Israel. E a mensagem que mistura fé e crime, também é espalhada pelas redes sociais. 

“Eles não arriscam a vida pelo que ganham. Eles arriscam a vida pelo que acreditam”, diz Ubiratan Ângelo, ex-comandante da PM do Rio. “Vejam que perigo é isso!”

Christina Vital, Pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) afirma: “Peixão mobiliza esse símbolo religioso, esse como outros símbolos religiosos judaicos, para falar da dominação territorial, de uma dominação religiosa e de uma dominação moral, e para a expressar a força que ele tem naquele território.

A pastora e cientista da religião Viviane Costa diz: “A Igreja Evangélica Brasileira não reconhece os traficantes como evangélicos porque, baseado no texto bíblico e na manifestação do reino de Deus e na mensagem de Jesus expressa nos evangelhos, seria impossível ser traficante e comercializar entorpecentes, e fazer parte do mundo do crime sendo alguém que representa Jesus, a imagem de Jesus, o corpo de Jesus, e a manifestação desse reino de Deus que Jesus veio para estabelecer.”

  • Reportagem: Vinicius Dônola
  • Produção: Carlos Brigs e Pedro Cardoso
  • Edição: Adriana Alves e Eduardo Sorrentino
  • Coordenação: Sérgio Gabriel
  • Direção: Fernando Mattar

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