O ano de 2023 no automobilismo termina com a triste notícia da morte de Gil de Ferran, nesta sexta-feira (29). Aos 56 anos, ele sofreu uma parada cardíaca quando pilotava um carro em The Concours Club, circuito em Opa-Locka, cidade no estado norte-americano da Flórida.
Ao longo da vitoriosa trajetória nas pistas, Gil conquistou duas vezes o título da ChampCar pela Penske, em 2000 e 2001. Também pelo time de Roger Penske, venceu as 500 Milhas de Indianápolis em 2003. Foi vice-campeão da IRL naquele ano, aposentando-se da categoria com uma vitória no Texas.
Fora das pistas, Gil de Ferran se tornou um requisitado dirigente. Em 2005, assumiu o posto de diretor esportivo da BAR na Fórmula 1, mas foi embora em 2007 alegando desconforto com a equipe. Entre 2008 e 2009, voltou a pilotar para a disputar a ALMS (American Le Mans Series) com uma equipe própria, a De Ferran Motorsports. Em 2009, a parceria do brasileiro com o francês Simon Pagenaud terminou com o vice-campeonato na classe LMP1.
Em 2010, o brasileiro levou a equipe para a Indy, onde se fundiu com a Luczo Dragon para a criação da De Ferran Dragon. A aventura, porém, durou apenas uma temporada: por problemas orçamentários, a joint-venture se encerrou, e a Dragon competiu de forma independente a partir de 2011.
Nos anos seguintes, Gil se reaproximou dos bastidores da Fórmula 1. Em julho de 2018, foi anunciado pela McLaren como diretor esportivo do time, sucedendo Eric Boullier. Deixou a função em 2021, mas voltou em maio de 2023 como consultor, participando da restruturação liderada por Zak Brown.
Na Williams, testando com Alain Prost
Em julho de 2013, a revista inglesa Autosport publicou uma lista com os 50 maiores pilotos que nunca correram na Fórmula 1. Gil de Ferran ficou na 11ª colocação, à frente de nomes consagrados e/ou com grandes potenciais: Dan Wheldon (12º), Al Unser Jr. (16º), Scott Dixon (19º), Will Power (21º), Tony Stewart (25º), Satoshi Motoyama (27º), Gonzalo Rodríguez (29º), Bird Clemente (49º) e Valentino Rossi (50º).
Gil não chegou a disputar corridas na Fórmula 1. Mas chegou a testar pela categoria na primeira metade da década de 1990, e era nome bastante cotado para o grid na época.
Em 1992, o brasileiro dominou a temporada da Fórmula 3 britânica, sendo campeão pela tradicional Paul Stewart Racing com 102 pontos – o belga Philippe Adams foi vice com 56. No ano anterior, foi o terceiro colocado da categoria com 54 pontos, atrás de Rubens Barrichello (74) e David Coulthard (66).
Os desempenhos atraíram a atenção da Fórmula 1. Em novembro de 1992, já após o título da F3, Gil participou de um teste em Silverstone com a Williams.
O nível do compromisso foi elevado. Primeiro, porque o carro utilizado pelo teste foi a histórica Williams FW14B, que venceu nove corridas naquele ano e deu o título de 1992 a Nigel Mansell. Segundo, porque dividiu a programação com o francês Alain Prost, que estava sem vaga no grid naquele ano e que voltaria à F1 como titular do time britânico.
Difícil apontar o quão decisivo foi aquele teste. Prost foi primeiro para a pista, pela manhã, e marcou 1:45.0 com a pista molhada. Gil veio depois, à tarde, e andou em torno de 1:45.5 nas melhores tentativas. Enquanto o francês foi escolhido para substituir Nigel Mansell em 1993, o brasileiro foi para a Fórmula 3000 para ser titular novamente da Paul Stewart Racing.
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Logo de cara, o brasileiro mostrou bons resultados. Abandonou a rodada de abertura em Donington Park, mas deixou a prova com a volta mais rápida. Na segunda etapa, em Silverstone, largou da pole e venceu.
Abandonos nas corridas seguintes, em Pau (França) e Enna-Pergusa (Itália), custaram caro às pretensões de Gil, que terminou a temporada de 1993 da F-3000 em quinto lugar com 21 pontos. O título ficou com o francês Olivier Panis, que venceu por um ponto (32 a 31) o português Pedro Lamy.
Gil de Ferran x Jos Verstappen
Naquele ano de 1993, veio mais uma chance de testar um Fórmula 1. Desta vez, pela equipe Footwork.
No fim de setembro, o brasileiro compareceu ao Autódromo do Estoril, em Portugal, para avaliar o carro. Com ele, estava também um holandês de 21 anos, Jos Verstappen, que terminou o ano com o título da Fórmula 3 alemã.
Desta vez, Gil de Ferran ficou para trás. Verstappen se mostrou à vontade, deu 65 voltas e marcou 1:45.5 na melhor delas. O brasileiro deu 30 voltas, registrando 1:16.0 na mais rápida. Para efeito de comparação, o melhor tempo da Footwoork do grid do GP de Portugal daquele ano veio com Derek Warwick, que registrou 1:14.388 e largou em nono.
Soube-me depois, porém, que Verstappen teve a chance de pilotar um F1 da March antes do teste no Estoril para se adaptar. Contra o brasileiro, pesou ainda um incidente inesperado: bateu forte a cabeça no motorhome do time antes de ir para a pista.
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Independente disso, Jos Verstappen garantiu vaga na Fórmula 1 em 1994 pela Benetton, enquanto Gil seguiu na F-3000. Desta vez, foi o terceiro colocado, vencido pelo francês Jean-Christophe Boullion.
As oportunidades na F1 não vieram mais. Então, Gil decidiu buscar a sorte nos Estados Unidos. Em 1995, estreou no grid da Indy pela Hall Racing, equipe de Jim Hall. Os resultados demoraram um pouco, mas vieram: nas duas últimas corridas do ano, foi segundo em Vancouver e venceu em Laguna Seca. Faturou o prêmio de novato do ano.
Daí em diante, foi vice-campeão em 1997 pela Walker, antes de faturar os dois títulos com a Penske. E o talento do brasileiro, que não teve vaga na Fórmula 1, pôde ser visto e apreciado de perto pelo público norte-americano.
Emanuel Colombari é jornalista com experiência em redações desde 2006, com passagens por Gazeta Esportiva, Agora São Paulo, Terra e UOL. Já cobriu kart, Fórmula 3, GT3, Dakar, Sertões, Indy, Stock Car e Fórmula 1. Aqui, compartilha um olhar diferente sobre o que rola na F-1.