A vitória de Emerson Fittipaldi no Grande Prêmio da Itália de 1972 foi um sopro nas capas dos jornais de 11 de setembro daquele ano, que vinham registrando o ataque a tiros acontecido dias antes contra a delegação de Israel durante os Jogos Olímpicos na cidade de Munique. Não havia festa na Alemanha Ocidental, mas o Brasil podia se permitir celebrar – afinal, tinha pela primeira vez um título mundial na Fórmula 1.
Na véspera, a bordo de uma Lotus 72D, Emerson foi o mais rápido das 55 voltas em Monza, depois de largar da sexta posição. Terceiro lugar na prova, o neozelandês Denny Hulme assumiu a vice-liderança do Mundial, mas com uma diferença de 30 pontos: 61 a 31. Em uma época em que a vitória dava nove pontos, seria impossível para a concorrência tirar a diferença nas duas corridas seguintes, no Canadá e nos EUA.
(A saber: Emerson nem pontuaria nas provas finais. Jackie Stewart, da Tyrrell, venceria ambas e seria vice-campeão, com 45 pontos. Denny Hulme, com 39, seria o terceiro.)
Foi a quinta vitória de Emerson Fittipaldi e da Lotus em 1972 com o 72D. O modelo era a quarta versão da Lotus 72, lançada em 1970 e responsável naquele ano tanto pelo título póstumo de Jochen Rindt quanto pela primeira vitória do próprio Emerson (GP dos EUA). Um carro tão célebre que acabou virando música.
Uma música que nasceu meses depois do título, em 11 de fevereiro de 1973. O Autódromo de Interlagos recebia o GP do Brasil, segunda etapa da temporada. A Lotus ocupava as duas primeiras posições do grid, com Ronnie Peterson em primeiro e Emerson Fittipaldi em segundo. No entanto, logo na largada, o brasileiro pulou para a liderança, com a Surtees de José Carlos Pace em segundo ao fim da primeira volta.
Moco perderia posições para a concorrência e abandonaria na nona volta, com problemas de suspensão. Mas Emerson dominaria em Interlagos, venceria com sobras e faria a festa diante do público. Repetindo a classificação do Mundial de 1972, Jackie Stewart (Tyrrell) foi segundo, com Denny Hulme (McLaren) em terceiro.
Longe do autódromo naquele ensolarado domingo, o carioca Joaquim Roberto Braga acompanhava a corrida com alguns amigos diante de uma TV em São Paulo. Aproveitou a euforia e compôs Lotus 72D, um samba-rock inspirado na máquina pilotada por Emerson Fittipaldi.
“Estava um calor fora do normal em São Paulo. Eu estava na sala com um pessoal, tinha acabado de almoçar e estava todo mundo na expectativa de assistir à corrida”, contou o artista em entrevista por telefone.
“Começou a corrida e, do nada, me deu a ideia. Peguei um papel e - como nunca tinha ido até o autódromo, não sabia o percurso - comecei a anotar: Curva do Laranja, Curva do Cotovelo, Curva do Sargento. Quando peguei todos os detalhes da largada até a chegada, peguei toda a trajetória, saí da sala e a corrida já estava desenrolando.”
Ao longo das quase duas horas da corrida (para ser exato, a prova durou 1:43:55.600), Joaquim aproveitou as referências do traçado de Interlagos na época para brincar. Nos versos da canção, Emerson “parou para tomar uma vitamina” na Curva do Laranja, e “comandava os competidores como general” na Curva do Sargento.
“Não tem a Curva do Laranja? Eu peguei os nomes da trajetória da pista, fui para o quarto e me tranquei lá. Peguei o violão, afinei... Conclusão: comecei a fazer a música”, contou Joaquim, que se apresentava inicialmente como Paulo Braga e adotava na época o nome artístico de Zé Roberto.
“Toda música tem que contar, tem que ter aquela narrativa, aquela história, o enredo. Aí eu fui desmembrando em cima das curvas e criando versos. Aquela inspiração que é natural. Para mim, que sou compositor e vivo disso, nada é fácil, mas você tem que criar. E foi assim: na Curva do Laranja, parou para tomar uma vitamina.”
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Antes da bandeirada, acompanhado do violão, Joaquim já apresentava a música para os amigos. “Essa foi vapt-vupt, relâmpago”, conta. “Os caras ficaram impressionados.”
Pouco tempo depois, assinou contrato com a gravadora RCA Victor a convite de Osmar Zan, diretor da gravadora (e filho do acordeonista e compositor Mario Zan). Naquele ano de 1973, lançou o compacto Lotus 72D/Você tão no alto e eu tão pouco, com uma faixa de cada lado – a segunda, uma composição a quatro mãos com Jorge Olímpio.
Apesar da euforia, Joaquim não sabe se Emerson Fittipaldi conhece a música. “Nunca encontrei com ele pessoalmente, a não ser visualmente em TV e fotografia”, diz o cantor. “Não sei de nada. Não tenho nenhum registro a esse respeito. Se esse encontro tivesse havido... Acredito que ele nem conheça, mas seria bom. Acho que ele ia ficar muito contente”, acrescentou.
Nos anos seguintes, Zé Roberto se fixou no Japão, onde estabeleceu carreira entre 1990 e 2014. No entanto, as coisas começaram a ficar ruins para ele no país a partir de 2011, após o terremoto na região de Tohoku, que foi seguido um tsunâmi e desastre nuclear na usina de Fukushima.
“Lá na frente, me aparece o tsunâmi. Nossa, rapaz, fez um estrago. A vida noturna já estava decadente. Eu tinha uma graninha, pensei: ‘Se eu continuar aqui, vou ficar homeless (desabrigado). Se é para ficar homeless, vou para o meu país’”, descreveu o compositor, responsável por canções gravadas por nomes como Os Originais do Samba (Tchuna Macurucaiaô) e Só Pra Contrariar (Baby, Baby).
De volta a São Paulo, Joaquim Roberto Braga tem se dedicado nos últimos anos a shows em endereços conhecidos da cidade, como o Varanda Copan e o Bar Brahma. E admite que, provavelmente, não deverá fazer tão cedo outra música sobre a Fórmula 1.
“Para te falar a verdade, não entendo nada (de F1)”, conta.
A Lotus usou o modelo 72 e suas versões posteriores (72B, 72C, 72D, 72E e 72F) em seis temporadas, entre 1970 e 1975. Foram 75 corridas, com 20 vitórias - nove de Emerson, sete de Ronnie Peterson e quatro de Jochen Rindt.
Com ele, o time conquistou dois títulos mundiais de pilotos (Rindt em 1970 e Emerson em 1972), além de três edições do Mundial de construtores (1970, 1972 e 1973). Aposentado no GP dos EUA de 1975, deu lugar ao Lotus 76 (que foi utilizado sem sucesso em parte da temporada de 1974) e pelo Lotus 77 (a partir de 1976).
Emanuel Colombari é jornalista com experiência em redações desde 2006, com passagens por Gazeta Esportiva, Agora São Paulo, Terra e UOL. Já cobriu kart, Fórmula 3, GT3, Dakar, Sertões, Indy, Stock Car e Fórmula 1. Aqui, compartilha um olhar diferente sobre o que rola na F-1.