Olá, amigos.
A exemplo de vários outros campeonatos na rica história de 72 anos da F1, a emocionante edição deste ano, com a luta ponto a ponto entre Max Verstappen, da Red Bull-Honda, e Lewis Hamilton, Mercedes, pode também ser decidida em função da eficiência, confiabilidade da unidade motriz. Bem, até 2013 ela se chamava ainda motor. A introdução da tecnologia híbrida, bem mais complexa, avançada, compatível com a realidade do planeta, o transformou em unidade motriz.
Esse é exatamente o tema de nossa conversa, hoje, qual a situação das unidades motrizes, a Honda instalada no modelo RB16B de Max, e Mercedes, no W12 de Hamilton, já que elas podem garantir o título a um ou outro desses geniais pilotos, representantes de gerações distintas da competição. Hamilton completará 37 anos dia 7 de janeiro e Max fez 24 dia 30 de setembro.
Têm importância determinante porque se a Red Bull precisar substituir a unidade motriz Honda de Max ou a Mercedes, a de Hamilton, os dois serão punidos com a perda de colocações no grid, elevando a dificuldade de vencer a disputa, dada a extrema competitividade de ambos e de seus times.
Neste fim de semana não haverá corrida de F1. A definição do mundial ficará para as duas etapas finais, dia 5 no ultraveloz Circuito de Jeddah, com 6.174 metros de extensão, 27 curvas, estreia da Arábia Saudita do calendário, e dia 12, no Circuito Yas Marina, em Abu Dhabi, de traçado reconstruído. Os 5.554 metros, 21 curvas, originais deram espaço a uma pista onde provavelmente as ultrapassagens serão menos difíceis, com 5.281 metros, 16 curvas.
Reagir rápido, o desafio
São os eventos que vão apontar o campeão do mundo de uma das temporadas mais disputadas e sensacionais da F1 e pilotos e equipes não têm maiores referências práticas de seus traçados, tipo de asfalto, zebras etc.
A capacidade de pilotos e engenheiros rapidamente adaptarem seus carros para as características das duas pistas, bem como melhor explorar os pneus Pirelli, tarefa nem sempre fácil, terá grande peso na performance geral do conjunto, principalmente nas corridas, de 50 voltas no caso de Jeddah e 58 no novo Yas Marina.
A Pirelli embarcou para a Arábia Saudita os pneus C2, C3 e C4, médios da gama, e para Abu Dhabi os C3, C4 e C5, os mais macios.
Você sabe, depois de 20 provas, Max lidera a classificação com 351,5 pontos diante de 343,5 de Hamilton, sendo que Max tem nove vitórias, diante de sete do adversário, primeiro critério de desempate caso conquistem o mesmo número de pontos. Em número de segundos lugares, critério seguinte para desempatar a disputa, os dois estão iguais, sete. Já em terceiros lugares, Hamilton tem um, na Bélgica, enquanto Max, nenhum.
Formadas por sete elementos
Preciso resgatar algo que já escrevi, decifrar o que seja uma unidade motriz na F1, essencial para compreender o estágio das unidades de Max e Hamilton.
A FIA a divide em sete elementos: o motor de combustão interna, convencional, de 1,6 litro, 6 cilindros em V, equipado com um conjunto turbo-compressor. Esse motor é chamado de ICE. E o conjunto turbina-compressor, de TC. Aí já temos dois elementos.
Integrado a esse motor temos dois sistemas de recuperação de energia, um cinético, o MGU-K, e um térmico, MGU-H. Os dois fornecem energia elétrica a um conjunto de baterias, denominado ES, controlados por uma central eletrônica de gerenciamento (CE). Este ano a FIA introduziu mais um controle nas unidades motrizes, o sétimo, relativo ao escapamento (EX).
O regulamento permite que cada piloto disponha para disputar o campeonato, da primeira à última etapa, no caso de um calendário com 22 corridas, de três ICE, TC, MGU-K, MGU-H, dois ES, CE, e oito EX.
Max está no quarto ICE, TC, MGU-K e MGU-H. No terceiro, ES e CE e no sétimo EX. Esse elemento além do estipulado pela regra, o quarto ICE, TC, MGU-K e MGU-H e o terceiro ES e CE foram instalados no seu carro no GP da Rússia. Foi punido e largou em último, para terminar em segundo.
Com eles Max participou do treino livre do sábado e disputou as sessões de classificação e as corridas dos GPs da Rússia, Turquia, dos Estados Unidos, do México, de São Paulo e do Catar.
Mais novas ficam para o sábado e domingo
Nos dois treinos livres das sextas-feiras, de uma hora cada, onde o piloto percorre, em média, 140 quilômetros em cada um, as equipes utilizam na maioria dos casos uma unidade motriz já próxima do fim da vida útil, a fim de preservar as de menor quilometragem para a sessão que define o grid e a corrida.
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As instaladas no sábado, portanto, completam cerca de 140 quilômetros no terceiro treino livre, pela manhã, algo como 100 quilômetros no total das três partes da classificação, Q1, Q2 e Q3, e no domingo os 310 quilômetros, em média, da corrida. Entre sábado e domingo as unidades motrizes mais recentes percorrem, portanto, aproximadamente 550 quilômetros (140+100+310). São com esses valores que as equipes trabalham.
Vantagens e desvantagens de um e outro piloto
É possível nos aproximarmos da quilometragem da unidade motriz de Max, hoje. Se multiplicarmos 550 pelos seis GPs em que está no seu RB16B-Honda, chegamos a 3.300 quilômetros. Refiro-me aos sete elementos, pois todos foram substituídos em Sochi, 15º do ano, dia 26 de setembro.
Cada um deles, acima do permitido, cobra cinco posições no grid. Mas se chegar a 15, pela troca de três elementos, por exemplo, o piloto já deve largar na última fila.
Informação pertinente: como são três unidades motrizes para as 22 etapas do campeonato, cada uma deve suportar, em média, 7 GPs. Como no total, entre treinos livres, classificação e corrida são algo como 800 quilômetros por fim de semana de competição, cada uma foi projetada para completar 5.600 quilômetros (800 x 7), na realidade até um pouco mais.
E Hamilton, a quantas anda sua unidade motriz? Ele tem no seu W12 o quinto ICE, terceiro TC, MGU-H e MGU-K. Segundo ES e CE e quarto EX. No GP da Holanda, 13º, dia 5 de setembro, a unidade motriz que estava no seu carro quebrou com apenas 5 minutos de treino na sessão livre de sexta-feira à tarde. Os sete elementos foram trocados. Colocou a terceira unidade motriz, assim não houve punição.
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Na sequência, Hamilton teve outra substituição do motor de combustão interna (ICE), desta vez no Circuito Istambul Park, na Turquia, 16º, dia 10 de outubro. Mas a Mercedes se limitou a trocar apenas esse dos sete elementos. Perdeu cinco posições no grid. Na corrida de São Paulo, a equipe adotou o mesmo procedimento, novo ICE, e teve cinco posições adicionadas à posição de chegada na sprint race, no sábado. Recebeu a bandeirada em quinto e largou no dia seguinte em décimo.
No evento seguinte, em Losail, domingo, no Catar, Hamilton voltou a usar o motor de combustão interna (ICE) posto no seu carro na Turquia. Toto Wolff, sócio e diretor do time da Mercedes, disse que o ICE utilizado em Interlagos, e que literalmente assustou Max e os profissionais da Red Bull, por sua resposta de potência, voltará para o carro de Hamilton no próximo GP, na Arábia Saudita, onde o traçado sugere que a unidade motriz seja o componente mais importante no desempenho geral do carro.
Elementos com maior quilometragem
Importante: vocês viram, pelo descrito, que com exceção do ICE, Hamilton tem no seu W12 todos os demais elementos instalados ainda no GP da Holanda? O piloto inglês, vencedor das duas últimas etapas, em São Paulo e no Catar, tem seis elementos com nada menos de oito GPs? Sempre lembrando que eles se limitam aos cerca de 550 quilômetros dos treinos do sábado e domingo.
Podemos nos aproximar da quilometragem desses elementos do carro de Hamilton. Como são oito GPs, então 4.400 quilômetros (550 x 8). Lembra a quilometragem dos elementos de Max, inclusive o ICE? Menos, 3.300 quilômetros.
Ponto a favor do piloto inglês
Mas enquanto o seu ICE remonta ao GP da Rússia e já tem esses 3.300 quilômetros, o de Hamilton foi utilizado apenas no sábado e domingo do GP de São Paulo, portanto com somente 550 quilômetros. É uma diferença considerável. Vantagem no ICE para Hamilton e nos demais seis elementos da unidade motriz para Max.
A pouca quilometragem do ICE de Hamilton em Interlagos ajuda a explicar a grande distinção de performance entre a sua unidade motriz e a de Max. Não foi só o acerto aerodinâmico menos carregado definido por Hamilton e seu engenheiro, Peter Bonnington, que lhe permitiu chegar na freada do S do Senna e no fim da Reta Oposta com maior velocidade dos adversários. Sua nova unidade motriz desenvolvia, sim, mais cavalos que a anterior.
No caso da Mercedes, a cada GP a unidade motriz vai perdendo capacidade de desenvolver potência, mais do que a Honda na Red Bull. Palavras de Wolff, pela Mercedes, e Helmut Marko, o homem forte da Red Bull, para mim, no GP de São Paulo.
Congelamento relativo
Espera aí, você pode estar pensando, e com razão: o desenvolvimento das unidades motrizes não está congelado na F1? Como pode a Mercedes disponibilizar uma unidade motriz tão mais eficiente que a anterior? Como pôde a Honda, também, levar para o GP da França, sétimo do ano, dia 20 de junho, uma versão que garantiu a Max mais potência?
Esse congelamento não é absoluto. As fabricantes de unidades motrizes na F1, Mercedes, Honda, Renault e Ferrari, homologaram, em março, uma versão de unidade motriz, os sete elementos que a compõem. O regulamento autoriza uma nova versão ao longo do ano, cuja introdução fica a critério de cada equipe.
Mais: não exige que a mudança seja tudo de uma vez. Você pode lançar uma nova versão do ICE em um GP, do MGU-K em outro, do MGU-H em um terceiro, fica a seu critério. A Ferrari, por exemplo, levou para Istambul um novo sistema de recuperação de energia, com diferentes MGU-K e MGU-H, apenas. Os dois juntos formam o ERS. E a unidade motriz deu um salto de performance.
Além de autorizar novos componentes, a regra permite aos fabricantes rever seus projetos. Toda mudança planejada deve previamente ser encaminhada a FIA. Os comissários a analisam e respondem se está autorizada ou não.
Essas revisões devem se limitar a garantir maior resistência, confiabilidade ou reduzir os custos de produção da unidade motriz. Se os comissários entenderem que as alterações podem implicar melhora de desempenho não a autorizam. É aí que mora o problema.
A questão é um tanto subjetiva. Você se lembra de Wolff reclamar da Honda, em seguida ao evento em Paul Ricard, na França, vencido por Max, ao ultrapassar Hamilton na penúltima volta, após estratégia mais arriscada, parar duas vezes? O avanço da Honda pôde ser observado, ainda, no terceiro lugar do mexicano Sérgio Perez, companheiro de Max. Hamilton foi segundo.
Opinião
Em conversa com Doctor Marko, em Interlagos, fiquei com a impressão de que a equipe irá substituir o ICE de Max no Circuito de Jeddah. Vão procurar entender a diferença que Hamilton irá lhes impor na sexta-feira, mesmo com a unidade motriz ainda antiga, para então decidir.
Mas já ficou claro que se Max for com o que tem e Hamilton com o ICE de Interlagos, nas verdadeiramente longas retas do Circuito de Jeddah não haverá como competir com a Mercedes. Um novo ICE fará Max perder cinco posições no grid, mas diante da provável facilidade de ultrapassagem da pista árabe não será tão difícil para Max encostar nos líderes. As coisas fluindo como manda a teoria, Hamilton em primeiro e seu parceiro, Valtteri Bottas, em segundo.
Isso tudo no mundo de Walt Disney, bem entendido, hein? Quero dizer sem inconvenientes de nenhuma natureza para a Mercedes e Red Bull-Honda. E vimos pelas características do Circuito de Jeddah que podemos esperar um fim de semana tumultuado, mais um motivo para o grupo técnico que trabalha com Max, liderado pelo italiano Gianpiero Lambiase, ordenar a instalação de novo ICE no seu carro.
Na última prova, no Circuito de Losail, Max largou em sétimo e na quinta volta já estava em segundo, colocação que terminou, com Hamilton na frente.
Acredito termos, agora, uma visão geral dessa batalha entre as unidades motrizes de Max e Hamilton para os dois eventos de encerramento da temporada. Vamos ver como as duplas Max-Lambiase e Hamilton Bonnington irão reagir quanto à capital estratégia das unidades motrizes.
Dois mundiais decididos pelos propulsores
Ah, conto duas experiências vividas de perto na F1. Em uma delas o motor praticamente definiu o título e na outra, a unidade motriz. Estávamos em Suzuka, em 2006, último ano de Michael Schumacher na F1. Competia pela Ferrari, com quem conquistou cinco mundiais seguidos, de 2000 a 2004. Ele voltaria a F1 pela Mercedes, de 2010 a 2012, mas sem o mesmo desempenho.
O adversário de Schumacher na luta pelo título, em 2006, era Fernando Alonso, da Renault. Os dois chegaram ao GP do Japão, penúltimo do calendário, com o mesmo número de pontos, 116. Restava, depois, somente o GP do Brasil. Schumacher era o líder da corrida, na 36ª volta de um total de 56, quando o seu V-8 simplesmente quebrou, levando-o a abandonar.
Sabe qual havia sido a última vez que o motor impediu Schumacher de receber a bandeirada? No GP da França de 2000. Isso mesmo, seis anos antes. Competiu impressionantes 111 GPs sem um único problema de motor.
Alonso venceu o GP do Japão e em Interlagos, precisando de um ponto apenas, terminou em segundo e tornou-se campeão do mundo pela primeira vez.
Piloto da Mercedes já foi vítima
A outra ocasião em que fui testemunha de tamanha decepção envolveu Hamilton, no GP da Malásia de 2016. Ele se apresentou para a prova em segundo no mundial, com 265 pontos diante de 273 do companheiro de Mercedes, Nico Rosberg.
Hamilton liderava a corrida, na 41ª volta de um total de 56. Sem nenhum aviso, ouvimos na sala de imprensa do Circuito de Sepang o piloto exclamar no rádio: “Oh no...” A unidade motriz o deixou na mão, única vez no ano.
Rosberg foi acertado por Sebastian Vettel, da Ferrari, logo depois da largada, perdendo várias posições. Era a chance de Hamilton reassumir a liderança do campeonato. O finlandês chegou ainda em terceiro com o abandono de Hamilton. Isso o permitiu sair da Malásia com 23 pontos de vantagem para o parceiro de Mercedes, decisivos para lhe dar o título.
Rosberg anunciaria em seguida à vitória no campeonato, com o segundo lugar no GP de Abu Dhabi, último do ano, vencido por Hamilton, o fim da carreira na F1.
Abraços, amigos.
Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.