Receber um diagnóstico de câncer, para muita gente, é como ouvir uma sentença de morte da mais alta corte de um país, sem cometer crime algum. Em alguns casos, principalmente pela falta de informação, a pessoa, desesperada por achar que não terá chances de recurso, questiona-se sobre o que fez para merecer tamanha pena.
Foi o caso da costureira Ana Paula Cruz, de 53 anos, moradora da Zona Sul de São Paulo. Ela se viu cair num abismo assim que recebeu a notícia de que estava com câncer de mama. Na época, dia 13 de dezembro de 2022, a única preocupação dela era não estragar o Natal da família. Depois de contar apenas para o marido, guardou para si o diagnóstico.
Por outro lado, trancar o diagnóstico de câncer de mama a sete chaves deixou Ana Paula angustiada, o gatilho que desencadeou uma depressão. O marido insistia para que ela contasse aos parentes, por entender que a rede de apoio à esposa se ampliaria. A partir daí, ela percebeu que deveria desenterrar-se do abismo em que foi jogada para que tivesse condições, do ponto de vista emocional, de recorrer daquela sentença.
No momento em que recebi o resultado da biópsia, parece que o mundo abriu um buraco e eu caí dentro. É difícil você ter um diagnóstico de câncer. Você imagina logo que vai morrer amanhã. É uma sentença de morte. Como a gente não tem conhecimento da história, do câncer, do tratamento, é bem difícil (Ana Paula)
Ana Paula recorreu. Decidida, reuniu a família no dia 31 de dezembro de 2022, véspera de Réveillon. Enquanto todos achavam que aquela contagem regressiva seria mais um ritual corriqueiro de virada de ano, para a costureira, ali era o início da volta por cima, mas com um diferencial. A partir de então, o apoio dos parentes e de amigos se somariam ao tratamento.
“Fiquei em depressão, mas meu marido dizia que eu deveria contar [para a família dela]. Quando chegou o Ano-novo, eu reuni todo mundo em casa e contei para todo mundo logo. Foi a melhor coisa que eu fiz. Eu fui muito abraçada. As pessoas me deram muito apoio, amor, que é fundamental nesse momento”, compartilhou Ana Paula.
SUS como luz no fim do túnel
O primeiro passo foi dado, no que diz respeito à aceitação. Mesmo com todo o apoio da família, o fator emocional não é o bastante para curar a doença. Sem condições financeiras nem plano de saúde para se tratar na rede privada, restou à Ana Paula ver o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro como uma luz no fim do túnel.
Apesar de ter feito os exames iniciais por meio de um convênio médico com preço popular na rede privada, Ana Paula não tinha condições de iniciar o tratamento sem o braço estatal. No Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), a paciente encontrou, para além das tradicionais terapias, um atendimento humanizado e completo.
“Atendimento nota mil”
Ana Paula temia esperar anos na fila do SUS para se tratar, mas, felizmente, as expectativas não se cumpriram. Em março de 2023, ela passou pela primeira cirurgia, a retirada de um nódulo com cerca de 2 centímetros. Em abril, o segundo procedimento, a remoção do restante do tumor. Nos meses seguintes, quimioterapia e radioterapia, além de fisioterapia.
O meu medo era, como a gente vê na televisão, passar dois, três, quatro anos esperando. Foi tudo ao contrário, graças a deus. Eu posso dizer que estou tendo um atendimento maravilhoso, nota mil. Eu não tenho gasto nenhum com medicamento nem com a condução. Eu fui muito bem instruída dentro do hospital no início do tratamento, de que eu deveria procurar os meus direitos. Eu recorri a todos, do auxílio-doença até mesmo ao hidratante (Ana Paula)
Com uma renda média mensal de R$ 4 mil, suficiente para os gastos familiares cotidianos, arcar com medicamentos, transporte, fisioterapia e acompanhamento de enfermagem e psicológico seria inviável para Ana Paula. Por outro lado, ela tem acesso a tudo isso por meio do SUS, no Icesp, até o término da radioterapia.
“Quando eu cheguei lá, o médico me encaminhou para os exames. Como o meu tumor era menor de 2 centímetros, eu já fui encaminhada para a cirurgia. Eu fiz a cirurgia em março. Em abril, fiz outra cirurgia porque foi a retirada do restante do tumor que ficou. Depois, já fui para a quimioterapia. Passei um bom período fazendo fisioterapia, como ainda estou fazendo. Agora, estou fazendo radioterapia”, explicou a paciente.
Ana Paula se soma a outras 66 mil mulheres diagnosticadas com câncer de mama em 2022, segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Só no estado de São Paulo, onde reside a entrevistada, a incidência prevista para 2023 é de 56,37 casos para cada 100 mil mulheres ou 20,4 mil.
Temor de uma gestante
A outra história desta reportagem vem do Maranhão, estado com uma das menores taxas da doença para cada 100 mil mulheres. Moradora da periferia de São Luís, a autônoma Áurea de Arruda, 43 anos, recebeu dois diagnósticos de câncer de mama. O segundo ocorreu cinco anos após o tratamento do primeiro.
Como tudo começou? Em 2015, na gestação da filha mais nova, Áurea sentiu um nódulo na mama esquerda enquanto banhava. Segundo ela, o hábito do autoexame é recorrente por ser “muito curiosa”. A autônoma não perdeu tempo. Consultou-se com a médica do pré-natal. A resposta de que estaria com “leite empedrado”, porém, não foi satisfatória. Afinal de contas, pensou, como estaria naquela condição sem ainda ter dado à luz?
Áurea insistiu em investigar a suspeita. Buscou uma mastologista, tudo por meio do SUS. A médica percebeu o nódulo. Inicialmente, uma única opção foi dada à paciente: esperar o parto, já que estava no oitavo mês de gestação, e amamentar a filha até os seis meses. Ao longo do tempo, o tumor crescia na mesma proporção das preocupações da entrevistada.
No nono mês da gestação, a mastologista entrou em contato com Áurea para uma nova avaliação, quando percebeu o crescimento do nódulo, ocasião em que decretou urgência no caso. Naquele momento, o protocolo era: assim que desse à luz e a filha fosse amamentada por seis meses, a paciente deveria retornar para passar pela biópsia.
Eu fui colher o resultado da biópsia. Por incrível que pareça, tinha dado positivo para o câncer. Foi um choque muito grande. Eu e minha família ficamos todos muito preocupados. Quando se fala que é um câncer, a gente fala logo que vai morrer, que vai acontecer o pior, até porque eu já tinha uma avó que faleceu de câncer de mama (Áurea de Arruda)
A ficha caiu
Apesar do histórico familiar, Áurea revelou que o resultado foi uma surpresa, pois não imaginava que, tal como a avó, receberia o diagnóstico de câncer de mama. No momento, estava sozinha. A médica até sugeriu a presença de um acompanhante, mas, conforme relatou na entrevista, ali havia força suficiente para ser informada da notícia.
Na volta para casa, porém, a ficha começou a cair. No ônibus, lágrimas refletiam a preocupação com a possibilidade de morrer sem ver o crescimento da filha recém-nascida e do filho mais velho, então com sete anos.
“Quando eu fui para a minha casa, eu fui chorando dentro do ônibus. Pensei: ‘Meu deus! Será que vou morrer e não vou ver minha filha?’. Eu já tinha um menino de sete anos. Quando eu cheguei a minha casa, meus familiares tiveram a mesma reação que eu. Minha mãe ficou desesperada, pensando que já tinha passado isso com a mãe dela e agora com a filha”, prosseguiu Áurea.
Câncer na segunda mama
O tratamento de Áurea ocorreu no Hospital Aldenora Bello, mantido pela Fundação Antonio Dino (entidade sem fins lucrativos) e pelo SUS. A unidade é referência no tratamento de câncer no estado do Maranhão. A maranhense começou o procedimento com a quimioterapia, seguida da radioterapia e cirurgia para a remoção do nódulo.
O tratamento foi tranquilo. Eu fui muito bem atendida. Pelo SUS, foi maravilhoso. Foi um tratamento muito bom. Até hoje, faço tratamento, tomo medicação. Não tenho do que reclamar (Áurea de Arruda)
Cinco anos após a cura, o pesadelo volta à tona. Apesar de o choque não ter sido o mesmo, por já ter passado por um tratamento, Áurea não esperava receber a mesma notícia. Além da quimioterapia e radioterapia, a paciente precisou remover a auréola da mama direita e sofrer uma intervenção na axila.
Assim como a Ana Paula, primeira entrevistada desta reportagem, Áurea foi beneficiada com transporte gratuito e auxílio-doença. Ela ainda passa por acompanhamento médico e toma uma medicação recebida no Hospital Aldenora Bello.
Direito das pacientes no SUS
Para o tratamento de câncer de mama, o SUS oferece todos os tipos de cirurgia, como mastectomias, cirurgias conservadoras e reconstrução mamária, além de radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e tratamento com anticorpos.
A legislação brasileira garante que o paciente com tumor maligno tem direito de se submeter ao primeiro tratamento, no SUS, no prazo de até 60 dias a partir do dia em que for firmado o diagnóstico.
Quanto antes o câncer é descoberto, maiores são as chances de cura. De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, há a recomendação de que a mamografia seja ofertada para mulheres entre 50 e 69 anos, a cada dois anos. A pasta pontua que esse é o padrão usado na maior parte dos países.
Conscientização on-line
Nas redes sociais, diversos fóruns reúnem mulheres com câncer de mama, onde elas podem compartilhar experiências e dicas de como lidar com a doença. A reportagem da Band, inclusive, encontrou a Ana Paula em um desses espaços. No Facebook, o grupo “Câncer de mama - prevenção é tudo” reúne mais de 23 mil pessoas.
O grupo foi criado por Vanessa Pessôa, militar da reserva da Marinha, em março de 2017. Um ano antes, ela foi diagnosticada com câncer de mama. O tratamento culminou na mastectomia (retirada da mama direita com reconstrução imediata) e hormonioterapia com tamoxifeno por cinco anos. Durante esse período, a entrevistada viu nas plataformas digitais uma forma de conscientizar as mulheres, sobretudo em relação à prevenção.
“O grupo tomou uma proporção que eu nunca imaginei, com mais de 23 mil membros. O grupo é aberto para todo mundo porque o meu objetivo é disseminar informação. Tanto é que, no grupo, eu já recebi várias mensagens de filhos querendo ajudar a mãe, de filhas, de cuidadoras, de maridos. Então, eu acredito que, para as meninas, o grupo tem um impacto de ajuda muito bom porque a interação lá, a participação é muito grande”, explicou Vanessa.
Apesar de ter sido liberada do tratamento em 2021, periodicamente, Vanessa passa por exames e acompanhamentos para diagnósticos precoces. O medo sempre bate na porta, tanto que ela tem dificuldade até em falar que está curada. Por outro lado, voluntariar-se para ajudar semelhantes, inclusive com especialistas em lives, faz com que a luta dela seja superior a qualquer temor.
Tenho uma dificuldade de falar ‘curada’, sabe? Uma vez paciente oncológico, sempre paciente oncológico. Uma vez que a gente faz exame, o medo sempre vai atormentar a gente. E eu vou estar nessa fase de acompanhamento para sempre (Vanessa Pessôa)
Sintomas
Especialistas apontam que o sintoma mais comum do câncer de mama é o aparecimento de nódulo, geralmente indolor, duro e irregular. Também há tumores que são de consistência branda, globosos e bem definidos. Abaixo, veja outros sinais que podem indicar a doença:
- edema cutâneo (na pele), semelhante à casca de laranja;
- retração cutânea;
- dor na mama;
- inversão do mamilo;
- hiperemia (aumento da circulação sanguínea em determinada área);
- descamação ou ulceração do mamilo;
- secreção papilar, especialmente quando é unilateral e espontânea.
A secreção associada ao câncer, geralmente, é transparente, mas pode ser rosada ou avermelhada devido à presença de glóbulos vermelhos. Também podem surgir linfonodos palpáveis na axila. Esses sinais e sintomas devem sempre ser investigados, porém podem estar relacionados a doenças benignas da mama.
Mortalidade
De acordo com o Inca, o câncer de mama é a principal causa de morte por câncer na população feminina em todas as regiões do Brasil, exceto no Norte, onde o câncer do colo do útero ocupa o primeiro lugar. Em 2022, as maiores taxas foram registradas no Sudeste e Sul, com 12,64 e 12,79 óbitos para cada 100 mil mulheres, respectivamente.
Hábitos saudáveis são essenciais para a prevenção do câncer de mama. Na reportagem “Refrigerante causa câncer de mama? Médicos explicam hábitos que aumentam risco”, especialistas reforçam a necessidade da boa alimentação e da prática de exercícios físicos.