Se o rosto de Che Guevara se tornou o símbolo do revolucionário idealista, o de Augusto Pinochet encarnou a imagem do ditador por excelência. O general que derrubou violentamente o governo de Salvador Allende em 11 de setembro de 1973, no Chile, destacou-se entre os ditadores latino-americanos da época como um ícone negativo para a opinião pública na Europa. Mas a que se deve esse fenômeno? Por que tal episódio teve tanta repercussão internacional?
O poder das imagens
O golpe de Estado no Chile provocou um choque maior do que o golpe de 1964 no Brasil, sobretudo por causa da presença da mídia, avalia a historiadora Caroline Moine, da Universidade de Versalhes Saint-Quentin-en-Yvelines, na França. "Esse golpe não ocorreu no meio da noite, discretamente, mas na frente das câmeras. Havia muitos jornalistas, o que significa que as imagens chegaram rapidamente ao público, inclusive no exterior", destaca.
Para Moine, os golpistas queriam essa divulgação. "Os militares queriam que as pessoas vissem o que estava acontecendo. Eles queriam impressionar não apenas seus oponentes, mas também seus apoiadores, dentro e fora do país".
Assim, o bombardeio do Palácio de La Moneda ficou gravado na opinião pública internacional. E a foto de Pinochet, de braços cruzados e óculos escuros, também deu a volta ao mundo. "Acho que essa imagem representava a antítese perfeita da boa imagem de Salvador Allende", avalia o historiador Joan del Alcázar, da Universidade de Valência. "A figura de um médico afável e empático, de um homem com um atrativo inegável, contrasta com essa imagem odiosa de um militar desagradável, autoritário, despótico e, além disso, criminoso", destaca.
O fim da esperança
Entendido no contexto da Guerra Fria, o que aconteceu no Chile assume dimensões que vão muito além de suas fronteiras. "Na Alemanha Ocidental e na Europa,
Allende era uma figura simbólica importante, porque representava o caminho democrático para o socialismo; uma figura simbólica muito forte para muitos intelectuais de esquerda na Europa Ocidental", afirma o historiador Lasse Lassen, da Universidade de Würzburg.
A historiadora Caroline Moine, por sua vez, relembra o contexto europeu à época: "Houve uma tentativa de unir as forças comunistas e socialistas na França e na Itália, por exemplo, e o que estava acontecendo no Chile com a Unidade Popular era um certo modelo, uma grande esperança. O golpe pôs fim a esse projeto, destruiu essa esperança, o que despertou grandes emoções", explica.
Moine também ressalta que, após o golpe, "sobretudo o partido comunista, e também o partido socialista no Chile, lançaram rapidamente uma grande campanha internacional". Isso estilizou não apenas a figura de Pinochet como a personificação do mal, como também [consolidou] a versão antagônica do presidente derrubado.
"Allende era a figura que queria defender a democracia no Chile e que, por ela, deu sua vida. Na própria Europa, a ideia de heróis que estão dispostos a morrer por suas ideias também tem uma forte carga emocional", diz. "Os vários partidos da Unidade Popular não eram tão unidos, mas sempre se dizia que a UP era uma vítima da ditadura; não se falava publicamente sobre as tensões internas. Havia uma espécie de mito", acrescenta.
A brutalidade da repressão
Além da esquerda, contudo, o que abalou as consciências foi a brutalidade da repressão no Chile, embora também tenha havido violações em outras ditaduras da região. "Esse golpe militar é um ponto à parte, por causa de sua selvageria, de sua extrema virulência", avalia Joan del Alcázar.
Na mesma linha, Lasse Lassen considera que, "no Ocidente, a rápida conscientização das violações dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, a politização no contexto das tensões da Guerra Fria, contribuíram para sua grande ressonância". O pesquisador ressalta que, no entanto, "nem Franco e nem Pinochet receberam a condenação, pelo menos em nível nacional, que Hitler recebeu. Trata-se de um processo complexo que se arrasta e permanece politicamente controverso."
Autor: Emilia Rojas Sasse