Carreira e maternidade: os desafios da mulher para conciliar trabalho e filhos

Em um mundo ideal, todos são responsáveis pela criação dos filhos, porém a sobrecarga e os desafios com a carreira atingem mais as mulheres

Por Karina Crisanto

Carreira e maternidade: os desafios da mulher para conciliar trabalho e filhos
Reprodução/Freepik

Mulheres enfrentam inúmeros desafios no mercado de trabalho, como desigualdade salarial, de gênero e, também, relacionados à maternidade. Em um mundo ideal, todos são responsáveis pela criação dos filhos, porém, a sobrecarga e os desafios com a carreira atingem mais as mães. 

Como no caso de Claudia Cajueiro Galiano Viana, mãe da psicóloga Fernanda Machado, que nasceu com deficiência. Os primeiros meses de vida da filha já foram desafiadores, com várias idas a consultas médicas e fisioterápicas. 

“Até o nascimento da Fernanda eu trabalhava. No nascimento dela já deram o diagnóstico e encaminharam para fazer tratamentos na AACD. E nisso começou a fisioterapia, consultas, hidroterapia, terapia ocupacional. Eu tive que abrir mão do meu trabalho, de me dedicar a ela, porque é uma época que ela precisava muito de mim”, disse. 

A filha de Cláudia iniciou os estudos na instituição, e depois foi para uma escola estadual de São Paulo. Fernanda nasceu com artrogripose, que é uma malformação das articulações de bebês que estão deformados ou que não se desenvolveram corretamente. Por conta disso, precisou utilizar cadeiras de rodas. Na fase adulta da filha, Claudia chegou a acompanhar a jovem no dia a dia, tanto no trabalho como na faculdade.

“Ela foi para escola estadual no qual eu sempre estive presente. Terminou o ensino médio, foi para faculdade, e sempre estive presente, procurando cursos para conciliar. Para tratamentos e tudo mais”, afirmou. “Os momentos de levar ao banheiro. Os colegas ajudavam se eu não pudesse estar na alimentação, mas eu sempre procurei estar presente nesses anos, tanto que eu conciliei um trabalho lá próximo para eu poder estar próximo, cuidando”, acrescentou. 

Cláudia destaca a sobrecarga de conciliar a maternidade com a carreira: “isso acontece com qualquer pessoa”. Ela pontua que o ser humano não é robô. 

“Nada como um dia após o outro. Um bom descanso para relaxar o físico, a mente e a vida segue, né? Faz parte. E são momentos esporádicos, porque a gente tem que erguer a cabeça e lutar. Mas sente, a gente se sente assim. Tem momento que não sabemos se vamos aguentar. Mas aguentamos”, reforçou. 

Ela pontua que o apoio familiar foi fundamental para a criação dos filhos. “Meu marido sempre esteve presente, meu filho veio após sete anos do nascimento da Fernanda. Ele sempre esteve presente em momentos bons e ruins. Então só tenho a agradecer”, finalizou. 

Cláudia ao lado da filha Fernanda - Arquivo Pessoal

O relato de Claudia vai de encontro com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgados no ano passado. A população com 14 anos ou mais de idade dedica, em média, 17 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas, sendo 21,3 horas semanais para as mulheres e 11,7 horas para os homens. 

Em 2022, 50,8 milhões de pessoas de 14 anos ou mais de idade realizaram cuidados de moradores do domicílio, ou de parentes não moradores, com uma taxa de realização de 29,3%, 4 p.p. (menos 5,3 milhões) abaixo de 2019 (33,3%). 

O Band.com.br conversou com as psicologias Natália Silva, fundadora do Grupo Reinserir, Roseana Ribeiro e Claudia Melo para entender como a carga e até a sobrecarga entre a vida corporativa e a maternidade podem afetar a mulher no dia a dia. 

Como conciliar trabalho com a maternidade? Como encontrar esse equilíbrio? 

Natália Silva: Consigo pensar em três coisas: uma rede de apoio, seja familiares, relações próximas, instituições, espaços seguros onde essa mãe possa não somente pensar e falar sobre as dificuldades de da maternidade, unindo-se carreira, unindo-se ao casamento muitas vezes, como espaços seguros também, de cuidados a essa criança, né? Uma rede de apoio é fundamental para que uma mãe consiga inclusive vivenciar, né? Então, a rede de apoio é importante nesse processo de conciliar trabalho com maternidade.

Outra coisa é o apoio e o das organizações, das empresas onde essas mulheres estão inseridas. Que garantam, assegurem seus direitos, a sua licença maternidade. No que diz respeito a jornadas de trabalho, a escalas, o próprio auxílio-creche. 

O acúmulo de tarefas é desafiador e pode causar desgaste emocional e físico, como entender que nem sempre é possível a mulher fazer tudo ao mesmo tempo? 

Natália Silva: Tem uma reflexão importante, que vale não só para mulheres. A gente vende de períodos onde a desvalorização e a desumanização do sujeito como um todo tem sido muito latente. E imagino que isso se potencialize com a mulher, que tem papéis sociais a se cumprir, né? A mulher que é mãe, é a mulher que é trabalhadora, é a mulher que é esposa. 

Temos uma reflexão e um trabalho que é humanizar essas mulheres, e entender que apesar de todas essas demandas e ela ainda é um sujeito. Um sujeito que pensa, que deseja, que necessita, que tem desejos e necessidades próprias particulares. Humanizar essas mulheres é um exercício diário nosso quanto a sociedade.

Roseana Ribeiro: É humanamente impossível realizar todas a tarefas sem que haja um desgaste mental. Fora que a vida em família, quando há uma mãe funcionando sem equilíbrio mental, torna-se precária. 

Na agenda da mãe tem: ida ao mercado, preparar alimentos, limpar a casa, junto a sobrecarga do trabalho, de que forma isso impacta a saúde mental da mulher? 

Claudia Melo: O acúmulo de tarefas domésticas e profissionais pode impactar negativamente a saúde mental das mulheres, levando ao estresse, ansiedade e exaustão. É importante que as mulheres se permitam pedir ajuda, estabelecer limites e cuidar de si mesmas para prevenir o esgotamento.

Um sistema de apoio sólido, seja da família, amigos, parceiro(a) ou profissionais, pode ser essencial para ajudar as mulheres a conciliarem trabalho e maternidade. O apoio emocional, prático e logístico pode aliviar a sobrecarga e proporcionar suporte nos momentos mais desafiadores.

Como o sistema de apoio pode ajudar a mulher nessas horas?

Natália Silva: Acolhimento, acho que é a palavra-chave, acolher essa mulher é validar quando possível. Quem sabe também não poder se responsabilizar também (o parceiro ou parceira), né? Junto a essa mulher por tantas demandas, por exemplo, a maternidade, poder ficar um momento com essa criança, para que essa mãe possa ir ao cinema, a uma balada, ir a um bar… 

Se disponibilizar para um dia ou outro, poder buscar essa criança na creche, né? Para que essa mãe possa, enfim, participar de um happy hour ou às vezes só voltar para casa olhando, enfim, para o nada. É sobre dividir as responsabilidades de fato. 

As empresas apoiando, incentivando as mulheres, assegurando os seus direitos. Acho que esse dia 8 sempre me remete a essa palavra. Luta, né? Lutar por essas mulheres, lutar por acolhimento, lutar por reconhecimento, lutar por validação, lutar por direito.

Por exemplo, quando o filho é pequeno e acontece alguma coisa com ele, por que as escolas geralmente entram em contato primeiro com as mães? De que forma isso pode afetar a carga emocional? 

Claudia Melo: O contato direto com as mães em casos de emergências envolvendo os filhos podem refletir padrões sociais enraizados e expectativas de gênero. Isso pode afetar a carga emocional das mulheres, aumentando a pressão e a responsabilidade sobre elas.

Natália Silva: Socialmente foi construída a ideia de que o cuidado, o maternar, é um papel, é um instinto direcionado majoritariamente a figura feminina. Socialmente falando fora construída essa ideia, né? E esse tal instinto materno é potencializado, né? 

Esse estereótipo em cima da mulher que é prejudicial porque vamos combinar que todos, todas e todos, estamos aptas para cuidar de um sujeito, de uma casa, de um setor, né? Isso acaba sobrecarregando física e emocionalmente. 

Acho que não tem como pensar no dia da mulher, não tem como pensar na saúde da mulher, se não pensarmos masculinidades. Então, refletir convida os homens a pensar essas mulheres, os papeis sociais que elas ocupam, a pressão, os estigmas, os estereótipos e que eles possam pensar também, né? Seus lugares no mundo, na sociedade, os seus papéis. Os seus privilégios e como e como esses privilégios atravessam, né? Como o machismo atravessa a saúde mental dessas mulheres e um convite para que eles possam se convocarem a refletir esse papel. 

Culpa materna, por que as mulheres ainda sofrem tanto com isso?

Natália Silva: É importante primeiro pontuar que a culpa materna ela vem de um ideal, de uma expectativa da sociedade de uma mãe perfeita, da sua completude. Espera-se da mulher essa perfeição, mas estamos falando de uma mulher de um sujeito e, principalmente, quando se torna mãe. 

A sociedade ainda cobra muito dessa mulher, coloca muito essa mulher nesse ideal, né? Que é irreal, inclusive. E, por exemplo, eu tenho atendido muitas mulheres que acabaram de ser mães. Então, essas idealizações, essas projeções, se chocam com essas limitações das mulheres.

Claudia Melo: A culpa materna é uma questão complexa que muitas mulheres enfrentam devido a expectativas sociais, pressões internas e ideais de perfeição. É importante que as mulheres reconheçam que é normal cometer erros, que não precisam ser perfeitas e que o autocuidado é essencial para lidar com a culpa

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