A intenção é apoiar a Ucrânia contra a Rússia invasora "pelo tempo que for necessário", afirma o presidente americano, Joe Biden, e assim consta do comunicado final da mais recente cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Essa é também a posição do chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz.
Desde a ofensiva do grupo terrorista Hamas em Israel, em 7 de outubro, contudo, uma nova crise internacional atrai as atenções da comunidade mundial, tendo o potencial para canalizar as forças também daqueles que apoiam especialmente Kiev, por exemplo os Estados Unidos.
Quem pode sair lucrando é a Rússia. Recentemente o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, insistiu junto aos Estados-membros da Otan para que não recuem em seu apoio, pois Moscou tentaria se aproveitar da situação no Oriente Médio.
Respondendo a um jornalista, Biden reafirmou que os EUA são perfeitamente capazes de encarar simultaneamente as duas crises: "Se nós não o fizermos, quem fará?" Em casa, porém, o político democrata enfrenta um impasse com os republicanos que querem reduzir o apoio à Ucrânia. Devido ao atual caos no Congresso americano, no momento não há mesmo chance de novas verbas serem alocadas para o país sob invasão russa.
O politólogo Johannes Varwick, da Universidade de Halle, Alemanha, ressalva que, no tocante ao respaldo para Kiev, o vento já havia virado nos EUA antes mesmo dessa última crise no Oriente Médio: "Há uma concorrência por atenção e recursos. Não creio que protagonistas importantes vão suspender agora o apoio à Ucrânia, mas a prioridade se deslocou."
Apoio minguante à Ucrânia
A solidariedade para com a Ucrânia se atomiza também na Europa. Irritado com as importações baratas de grãos do país vizinho, durante certo tempo o governo da Polônia ameaçou restringir o fornecimento de armas.
Na Eslováquia, até então igualmente uma grande aliada da causa ucraniana, o primeiro-ministro Robert Fico prometeu em sua campanha eleitoral que, sob seu governo, o país não forneceria "um só tiro de munição" à Ucrânia, e ao mesmo tempo exortou a uma melhora das relações com a Rússia.
Quanto à Hungria – que nunca participou das sanções internacionais contra Moscou e continua comprando gás russo –, o premiê Viktor Orbán tenta sistematicamente impedir que a União Europeia aprove novas ajudas financeiras para a Ucrânia.
No que concerne o Ocidente em geral, o encarregado de defesa da conservadora União Democrata Cristã (CDU) da Alemanha, Roderich Kiesewetter, constata: "O apoio à Ucrânia já recuou, a coesão se esfacela, soam mais alto as vozes que exigem uma 'paz ditada de fora'." O jornalista Roman Goncharenko, da redação ucraniana da DW, concorda: em seu país corre "a desilusão de o Ocidente ter se cansado".
Desilusão ucraniana com o Ocidente
Soma-se a isso o fato de que, apesar do auxílio armamentista ocidental e de repetidas vitórias militares limitadas em sua longamente antecipada contraofensiva de libertação, até agora a Ucrânia não conseguiu o avanço bélico definitivo.
O portal militar ucraniano Deep State constatou recentemente: "O verão mostrou que a guerra não vai acabar em 2024 segundo nossas condições." "Nossas condições" significariam uma retomada total de todos os territórios ocupados, inclusive a Crimeia.
Zelenski voltou a apelar por armas ocidentais, como aviões de combate. Da Alemanha, ele agora deseja, acima de tudo mísseis de cruzeiro do tipo Taurus, que Scholz nega, já tendo fornecido tanques blindados para a Ucrânia.
Numa consulta do instituto de pesquisa de opinião YouGov entre cidadãos alemães, uma maioria de 55% concordou com essa recusa. Entretanto a hesitação constante é exatamente o problema, diagnostica Kiesewetter: "A ofensiva de libertação é obstruída pelo próprio Ocidente, ao fornecer pouco demais, demasiado tarde."
Rússia aposta em nova presidência Trump
As opiniões quanto a se o envio de armas em peso decidirá a guerra divergem diametralmente na Alemanha – também entre os especialistas Roderich Kiesewetter e Johannes Varwick. No que toca aos Taurus, este último admite ser "claro que tais armas fazem uma diferença". Mas "não espero que resultem numa mudança da constelação estratégica", já que a Rússia tem fôlego longo nessa guerra de desgaste e é capaz de exercer pressão considerável sobre os ucranianos.
Em contrapartida, o especialista da CDU Kiesewetter está convencido de que "superioridade aérea e armas de precisão à distância como o Taurus, em volume suficiente, poderão proporcionar a virada". E nesse ínterim, o Kremlin joga para ganhar tempo, apostando numa nova vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2024. Isso representaria o fim do respaldo americano à Ucrânia.
Quanto à eventualidade de então os europeus se engajarem no lugar dos EUA "já do ponto de vista da escala, simplesmente não é possível", descarta Varwick, lembrando que a potência americana empregou mais de 50 bilhões de dólares só em ajuda militar, enquanto a Alemanha, segundo maior aliado, não liberou mais do que uns 12 bilhões de dólares.
"Se os americanos suspenderem seu apoio ou o reduzirem significativamente, aí a Ucrânia tem um problema que os europeus não serão capazes de compensar", adverte o cientista político da Universidade de Halle.
Kiev não aceita trocar território por paz
O "cansaço de guerra" do Ocidente pressiona os políticos a procurarem um fim do conflito através da negociação. Para Varwick, isso é mesmo inevitável, incluindo negociar sobre "alterações territoriais e a neutralidade da Ucrânia": "Tudo isso está em jogo e é melhor que aconteça hoje do que amanhã. Na verdade, já deveria ter acontecido ontem. Mas agora é a hora de dar a partida a esse tipo de iniciativa."
Porém uma solução segundo a fórmula "terra em troca de paz" não tem a menor chance de ser aceita pela Ucrânia, afirma o jornalista Roman Goncharenko: "Ocorreram coisas demais, o sofrimento é grande demais. Isso seria uma recompensa para a Rússia."
Por sua vez, o político Roderich Kiesewetter ainda acredita numa vitória militar ucraniana com auxílio das armas ocidentais. Então a estratégia deveria ser: "Fornecer tudo, tão depressa quanto possível. A hesitação custa vidas e eleva o perigo de que a Rússia ganhe e a Ucrânia se esfacele. Isso também é da nossa responsabilidade."
Autor: Christoph Hasselbach