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Genesca, do MasterChef, chora morte do irmão na boate Kiss: “Luto por justiça”

Em relato emocionante, ex-participante do reality culinário conta detalhes da tragédia que tirou a vida do irmão caçula dela; caso completa 10 anos nesta sexta-feira (27)

Por Stefani Sousa

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Onde você estava em 27 de janeiro de 2013? A data, que para muitos pode ter ficado perdida nas lembranças do passado, é uma memória de dor e sofrimento para centenas de famílias que foram destruídas na tragédia da boate Kiss, em Santa Maria (RS). 242 pessoas perderam a vida no incêndio que deixou mais de 600 feridos. Uma dessas histórias, brutalmente interrompida, foi a de David Santiago Souza, de 22 anos. Ele era o irmão mais novo de Genesca, participante da 9ª temporada do MasterChef Brasil.  

Caçula de 3 filhos, David foi apelidado, ainda menino, como o “diamante” da família. Nasceu em Santa Maria, foi criado em Campo Grande (MS), e voltou para a cidade natal para estudar. Estava no 3º período de odontologia quando faleceu. Nas palavras da irmã, era um cara “gentil, estudioso e que não tinha vergonha de dizer ‘eu te amo'".  

A partida precoce deixou o vazio da saudade e a revolta pelo não cumprimento da justiça no caso. Em entrevista ao Band.com.br, Genesca se emociona ao relembrar a história mais dolorosa de toda a vida dela. Até hoje, 10 anos depois, a cozinheira não consegue passar em frente à boate. “Santa Maria me deu e me tirou tudo”, lamenta. O desejo de justiça, no entanto, faz com que ela, e outras famílias, persistam. Veja no relato abaixo:  


O dia que mudou tudo 

“Em 27 de janeiro de 2013 eu estava em casa, morava em Uruguaiana (RS). Passei a véspera do dia muito angustiada. À meia-noite e quinze, fiz uma chamada com meu irmão e conversamos por meia hora. Ele estava muito feliz e ansioso para sair com os amigos. Lembro de deitar para dormir e não dormir, então levantei, abri o computador e as notícias começaram a chegar. Quando vi o que tinha acontecido, pedi a Deus para que o incêndio não tivesse sido na boate Kiss. 

Foi uma amiga que confirmou o local da tragédia e imediatamente comecei a ligar para o David centenas de vezes. Lembro de todo trajeto ao longo dos 395 km. Era uma angústia como se tivessem amarrado um elástico dentro de mim. Uma dor, um vazio, mas o mundo lá fora continuava igual. Cheguei em Santa Maria e era como se, até então, fosse estar tudo bem. Eu não acreditava que ele havia falecido. Ele esteve em casa um mês atrás, a gente conversou, ele disse que voltaria no Carnaval. A ficha só caiu quando um voluntário me entregou um saco, eu abri e tinha uma foto minha que ele carregava sempre. Naquele momento, todos os sorrisos e amores se fecharam.  

Como sou a filha mais velha, e ele 10 anos mais novo que eu, era como um filho. Queria poder voltar à meia-noite daquele dia e dizer que eu não estava me sentindo bem. Acho que ele não teria ido. Eu poderia ter cuidado dele. Poderia hoje ser uma pessoa menos introvertida, menos carrancuda. Queria voltar no tempo, mas não tenho esse poder. Então começa a cair a ficha de que nada vai ser como antes. Tu vai fazer uma comida e lembrar da pessoa para o resto da vida. Vai brigar por justiça e querer que as coisas deem certo. O sofrimento que isso gerou é sintomático. É esperar no portão uma pessoa que nunca vai chegar, é sentir que falta alguém no Natal, ouvir uma piada e lembrar. É uma vida incompleta. 

David para sempre  

Meu irmão sempre foi um guri muito esperto, era do tipo que não tinha medo de dizer um ‘eu te amo’. Ele era uma pessoa aberta para a vida e quis muito cursar odontologia em Santa Maria, dizia que era um dos melhores cursos do país. Quando fez o vestibular, que durou 5 dias, em todos eu estava lá, em frente à escola, com uma cadeirinha de praia esperando ele fazer a prova. Eu me realizei naquele guri. Não sei explicar a nossa ligação. 

Era uma pessoa do bem, amoroso, estudioso, alegre e cheio de vida. Um menino precoce em tudo e muito família. Somos três irmãos e a gente o chamava de “diamante” porque era o mais novo. Nunca brigamos, nunca dissemos nem mesmo uma palavra de desafeto para o outro. Parecia que ele sabia que não ficaria muito tempo com a gente. Às vezes, mandava áudios motivacionais dizendo que me amava e que eu não poderia desistir das coisas. Guardo a voz dele para ouvir, mas tenho medo de esquecer e procuro achar forças para continuar. De 2013 para cá eu vivi 26 dias e sobrevivi ao restante. Até hoje revivo a mesma coisa, durmo e acordo pensando no que poderia não ter acontecido, mas aconteceu.  

Em busca de justiça  

Em dezembro de 2021 foi o julgamento do caso em Porto Alegre. Os réus foram presos, mas, em alguma brecha ou manobra da lei, o julgamento foi anulado. A sensação de impunidade é absurda. Ninguém quer dinheiro ou fama, a gente quer que isso não aconteça de novo. É uma tragédia anunciada: se as coisas não mudarem, se os culpados não forem presos e se as leis não forem severas, vai se repetir. 

Na tragédia eu também perdi um primo de 20 anos que foi na Kiss com a namorada. Como Santa Maria é muito pequena, quem não era parente era conhecido de alguma vítima. Não tem como não ter um elo de ligação com as pessoas. A união das famílias faz com que a gente consiga passar pela dor de uma forma menos dolorosa, o que acalenta e afaga.  
 
Já voltei à cidade várias vezes. Tenho família lá e conheço tudo muito bem. Precisei entrar no apartamento do meu irmão para juntar as coisas dele e foi uma das tarefas mais difíceis da minha vida. Santa Maria é uma cidade que me deu tudo e me tirou tudo. Não consigo passar na frente da boate. Pra mim não existe essa possibilidade. O que dói também é ver as pessoas virarem as costas para a gente, dizerem que precisamos deixá-los descansar. Mas não, tem que fazer série, documentário, tem que lembrar pra não acontecer de novo.  

Uma história de reticências 

Um mês antes do incêndio, perto do Natal, o David foi na minha casa e conversamos a madrugada toda. Nesses papos, o assunto morte sempre vinha à tona. Eu tinha um pavor absurdo de perder alguém, como se fosse iminente que aconteceria comigo. Na nossa conversa, falamos sobre acharmos que existe outra vida, mas combinamos que, quem morresse primeiro, voltaria para contar ao outro. Naquela noite a gente se abraçou e chorou horrores. 

Lembrei dessa conversa quando ele faleceu e, uns 10 dias depois, o meu irmão apareceu em um sonho. Ele me abraçou e pediu: ‘não chora’. Nesse abraço, senti o coração dele bater e ele alertou: ‘Não te disse que eu vinha?’. Sei que muitas pessoas vão achar que é só sonho, mas me confortou de uma forma absurda. Ele disse: ‘Eu não queria, mas eu precisei’. A minha crença me faz crer que ele realmente veio me dizer isso, o que me conforta. Sei que ele vive em algum lugar, nossa história não acaba aqui.  
 
Essa tragédia nunca vai ter um fim, a vida toda será de reticências. O melhor cenário hoje é que todos os envolvidos e culpados voltem ao banco de réus e tenham uma punição severa e exemplar. A lei Kiss [criada após o incêndio] precisa ser muito rígida com boates, bares e locais de eventos. E os mortos em 27 de janeiro devem ser lembrados sempre. Eles poderiam estar vivos, sim, não fosse a ganância e a negligência. Não podemos mais ser negligentes, votar errado, furar uma fila e achar que vai ficar tudo bem. Se cada um fizer um pouco, as coisas vão dar certo, mas, sem isso, nunca vai haver justiça. Mas eu espero por ela, enquanto eu viver, vou lutar por justiça…” 

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