Brasileiro mostra vida de coveiro na França e viraliza como 'Senhor das Covas'

Júnior Covas conversou com o Band.com.br sobre a fama nas redes sociais por vídeos em cemitérios

Por Leonan Oliveira

Júnior Covas é brasileiro e trabalha como coveiro na Europa
Reprodução/Instagram

A morte é culturalmente um tópico complicado e carregado de mistérios, mas para Júnior Covas virou a maior impulsionadora de sua vida. Aos 35 anos, o brasileiro, que trabalha como coveiro na França, conquistou milhares de seguidores nas redes sociais por mostrar os bastidores da profissão de maneira descontraída e consciente. Ao Band.com.br, ele contou como deixou de ser um simples imigrante na Europa para virar o “Senhor das Covas”.

Exumações, abertura de novos túmulos, implantação de monumentos tumulares e pensamentos aleatórios dos coveiros são alguns dos conteúdos populares dos perfis de Júnior na web. Apesar de inicialmente causar estranhamento, o trabalho do coveiro nascido em Goiás (GO) tem contribuído para desmistificação dos cemitérios e convida os internautas a refletirem sobre o verdadeiro significado da vida. “Quando eu falo de cemitério, é mais para olhar para a vida”, explicou.

Com personalidade e bom humor, Júnior se refere aos internautas como seus “futuros clientes” e, durante conversa com o Band.com.br, revelou suas intenções com o apelido inusitado. “Quando eu falo “meu futuros clientes” é para dar um estalo e lembrar que a gente tem um fim, que a finitude existe”, disse. 

Quando você tem esse entendimento, que tudo tem um fim, você passa a aproveitar melhor aqui, o “meio”. Você vai pensar que tem que aproveitar, tem que acordar, cuidar mais da saúde, estar com a família, aproveitar os amigos e entender que a parada não é só sobre o dinheiro. Pensar “o tempo passa e, no fim, eu virei cliente dele”.

Apesar das motivações pessoas para a criação de conteúdo, o coveiro brasileiro contou que a carreira no cemitério não foi planejada e destacou que virou o ‘Senhor das Covas’ - como é conhecido nas redes sociais - por acidente. “Eu costumo dizer que caí no cemitério meio que de paraquedas”, avaliou ao relembrar que topou o emprego ‘fúnebre' em um momento de necessidade, para conseguir bancar a vida de imigrante na Europa. “Como eu vim imigrante para a França, só tinha trabalho que as pessoas que moram aqui não queriam. Era só trabalho difícil, coisa em obra e limpeza, só trabalho braçal que os franceses não encaram mesmo”, disse.

Quando chegou à França para morar, Júnior conta que atuava em construções civis no país, mas encontrou no cemitério uma oportunidade de escapar da insegurança dos trabalhos temporários e garantir uma vida mais estável mesmo estando longe da família e sendo desafiado integralmente por um idioma que não dominava. “Como eu estava fazendo obra, eu estava no “pinga pinga”, trabalhando sem contrato. Depois, eu pensei que queria um contrato e alguém me falou ‘ah, tem um emprego no cemitério’ e eu nem pensei nessas coisas de fantasmas e espírito, sabe? Eu só queria um contrato mesmo”, disse. “Eu cheguei até a pensar em desistir, mas eu tinha um propósito e não ia voltar para trás”, completou.

Se você pegar na obra e no cemitério, você vai achar só 5%, no máximo, de franceses. A maioria trabalha em escritório e eu nem reclamo, sabe? Ainda bem que tem essa brecha para as pessoas virem e construírem suas vidas aqui.

Durante a conversa com o Band.com.br, resgatando todo o passado e dificuldades da imigração em busca por trabalho na França, Júnior Covas colocou fim em uma questão que muitas vezes vira tópico entre seus seguidores: o coveiro do Instagram não é uma construção fictícia. “Não é um personagem, é um trabalho duro, tem dia que está chovendo, às vezes estou com a mão suja e não tem como pegar a câmera nem nada”, explicou.

“Como eu trabalho em em vários cemitérios, eu tenho horários para cumprir, então não é sempre que eu posso gravar. Não é sempre que tenho conteúdo e isso não é falta de ideia, até porque eu tenho várias ideias e meus pensamentos escritos, mas é um trabalho muito duro”, continuou o coveiro. 

Preocupação com o público e conforto para famílias: o lado escondido do Senhor das Covas

Engana-se quem pensa que o trabalho de Júnior Covas é apenas gravar conteúdos engraçados para viralizar nas redes sociais. O coveiro brasileiro contou que todos os seus vídeos são minuciosamente pensados levando em consideração as diferentes situações em que uma pessoa pode ser impactada por eles. “Eu comecei a gravar para mostrar os meus pensamentos, mas eu tomo muito cuidado com o que eu falo”, disse. 

Você pode perceber, por exemplo, que eu evito ao máximo falar as palavras ‘morte’, ‘defunto’ e outras palavras [fortes]. Eu mudo a palavra, tem o mesmo significado, mas eu penso no jeito que as pessoas vão receber o vídeo.

Uma das maiores preocupações do Senhor das Covas é que seus conteúdos não tragam ainda mais tristeza para pessoas que estejam enfrentando o luto. Ele contou que constantemente mexe em roteiros já escritos para suavizar as coisas. “Querendo ou não, um dos assuntos mais difíceis de se falar é de morte, cemitério e o fim da vida, então eu tomo esse cuidado para que as pessoas recebam bem mesmo. Elas podem já estar magoadas, estar com uma visão meio triste do cemitério e eu não quero piorar isso, eu quero deixar tudo mais leve na vida das pessoas”, explicou.

Ao Band.com.br, Júnior comemorou o sucesso de todo o cuidado que toma com os roteiros. Ele contou que frequentemente recebe mensagens de pessoas que se sentiram confortadas por seu trabalho na internet. “Tem gente que me manda mensagem no dia de um velório na família e fala ‘vi seu vídeo e me confortou um pouco, me fez sorrir e ver as coisas de outra maneira’ e isso é uma das coisas que mais me alegra”, disse. 

Assim como no emprego ‘oficial’ na França, Júnior Covas caiu de paraquedas na criação de conteúdo em cemitérios. Ele contou que tudo começou com vídeos de humor, populares nas redes sociais, mas os cenários em que aparecia para conversar com os seguidores acabou chamando mais atenção. “Eu postava os stories meus para me mostrar e o povo falava ‘credo, por que você está postando coisa do cemitério?’”, lembrou. 

A galera me falava para parar de mostrar o cemitério e a partir dali eu comecei a perceber onde eu estava mesmo e, para mim, isso não era conteúdo, não tinha como falar sobre cemitérios.

Além do cenário inusitado, o distanciamento social exigido pela pandemia de Covid-19 também influenciou na mudança de estratégia de conteúdo de Júnior. Ele contou que passou a falar de cemitério porque era o único lugar em que estava e “só sobrou isso”. “Um dia, eu pensei: ‘cara, eu queria que as pessoas tivessem a visão que eu tenho do cemitério’ e, então, lancei um vídeo com ‘os pensamentos de um coveiro’. Nesse vídeo, eu só coloquei mesmo os meus pensamentos, postei e fui dormir pensando que era só mais um vídeo para alimentar minhas redes e tal. Quando eu acordei, o vídeo tinha viralizado e o povo começou a rir. Eu pensei: ‘que massa que as pessoas começaram a ter um pouco mais de visão’ e, desde então, é um trabalho que eu tenho feito para desmistificar o cemitério”, disse. 

No fim das contas, ele contou que encontrou no cemitério um lugar de paz e busca compartilhar isso com os seguidores. “Tem gente que fala que cemitério é um lugar muito triste, mas o cemitério é o lugar onde eu mais sinto paz”, disse. “Se você parar para pensar na energia que entra lá, não é energia de mágoa e nem coisa ruim. São pessoas pensando coisas boas de quem já foi, é muito difícil ver uma pessoa que está magoada com quem morreu porque já acabou”, completou.

‘Eu não tenho noção da repercussão do Senhor das Covas’

Todo o trabalho e dedicação de Júnior Covas, somados ao cuidado com a leveza do conteúdo, trouxeram resultados: ele tem mais de 1 milhão de seguidores no TikTok e ultrapassou a marca de 150 mil pessoas conectadas no Instagram. 

Ao Band.com.br, ele contou que - por estar na França - não tem noção da repercussão de seu trabalho no Brasil, mas sabe que as coisas estão “dando certo” por aqui. “Eu não tenho noção da repercussão [do Senhor das Covas] porque não estou no Brasil, mas minha mãe e as outras pessoas me falam muito”, disse. “Eu acabei de completar 1 milhão de seguidores no TikTok e é 1 milhão cara, 1 milhão de pessoas e sinceramente eu não imaginava nada disso. Eu fico até admirado quando vejo um vídeo que eu posto com 10 mil comentários e isso é muito massa”, completou.

Eu tento não ficar deslumbrado, ter o pé no chão, mas eu acho massa demais.

O Senhor das Covas celebrou também o fato de conseguir colocar um holofote em uma profissão que, por muitas vezes, é marginalizada e alvo de preconceitos. “Querendo ou não, tem esse preconceito, eu sei que tem. Tem gente que fala ‘nossa, você não tem cara de coveiro’ , mas qual é a cara de um coveiro? É a cara de alguém que está disposto a trabalhar e fazer um trabalho que muitos não querem”, disse. “Se você falar para uma pessoa que segue um coveiro, o povo vai falar ‘credo, como assim um coveiro?’ porque eu falo de um assunto que é muito difícil, não sou um cara de uma profissão popular falando francamente, ainda tem preconceito com coveiro, pedreiro, gari e esses trabalhos que para muitos são invisíveis”, completou.

Graças à internet, essas profissões estão conseguindo aparecer e mostrar que são feitas por seres humanos como qualquer pessoa, não somos melhores e nem inferiores a ninguém. 

Para estourar a bolha física das fronteiras, Júnior Covas precisou “driblar” o algoritmo e aprender a viralizar conteúdo em solo nacional. Fazendo uma análise sobre o resultado do trabalho e o esforço dedicado na missão, o coveiro disse entender que sua maior missão é ajudar a internet a se tornar um lugar melhor. “Não é só uma questão de fama, de ser conhecido, mas a questão de ser uma parada que é útil para as pessoas. Eu não quero só usar um holofote. Uma pessoa que você ajudar, você pode mudar a vida dela”, disse.

Mais notícias

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.