As discussões sobre violência obstétrica ganharam destaque depois que a influencer digital Shantal Verdelho divulgou um áudio com relatos de agressões sofridas durante o parto da filha, realizado em setembro pelo médico Renato Kalil.
“Ele me xingou (durante) o trabalho de parto inteiro”, diz Shantal no áudio. “É muito palavrão e xingamento o tempo inteiro. ” Em um vídeo gravado pelo marido, é possível ouvir parte da discussão entre a gestante e o médico.
“Mas empurra, p.... Mas faz p... força”, cobra o médico. “Eu estou fazendo. Eu sou a maior interessada nisso”, diz ela, que acusa o médico de ter feito sem permissão uma episiotomia – uma incisão na região do períneo para aumentar o canal de parto. O médico alega que o vídeo foi editado.
Casos como o de Shantal Verdelho são mais comuns do que se imagina. Segundo o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, uma em cada quatro mulheres no Brasil é vítima de violência obstétrica.
Manobras, procedimentos cirúrgicos, uso de fórceps, gritos, ofensas e uso de medicamentos sem aval de mães estão entre as queixas mais recorrentes. Apesar disso, em 2019 o Ministério da Saúde orientou o abandono do termo “violência obstétrica”, seguindo diretrizes do CFM (Conselho Federal de Medicina) e demais entidades. A decisão enfrentou fortes críticas de organizações em defesa dos direitos das mulheres.
O que é violência obstétrica?
Violência obstétrica envolve diversos tipos de agressão a mulheres gestantes, seja no pré-natal, no parto ou pós-parto –vale também no atendimento de casos de abortamento.
“Uma violência obstétrica é quando se faz, sem consentimento da paciente, um ato desnecessário que possa levar a alguma lesão corporal ou a alguma lesão moral da paciente”, explica a ginecologista e obstetrícia Silvia Herrera em entrevista ao BandNews TV.
Entre os relatos citados por vítimas estão a violência por negligência –incluindo a privação do direito a um acompanhante (seja familiar, amigo ou uma doula, por exemplo), que é assegurado por lei.
A violência física inclui o soro com ocitocina para induzir o parto, a lavagem intestinal, a privação de ingestão de líquidos e alimentos, a ruptura artificial da bolsa, a raspagem de pelos pubianos, o uso de fórceps sem indicação médica, a imobilização de braços e pernas e a episiotomia (corte feito no períneo, entre o ânus e a vagina, para aumentar o canal de passagem do bebê) sem prescrição médica.
Outros exemplos de violência obstétrica são o “ponto do marido”, feito por médicos na costura da episiotomia para que a entrada da vagina fique mais estreita e dê mais prazer ao homem e a “manobra de Kristeller”, quando a parte superior do útero é pressionada para acelerar a saída do bebê –a prática inclusive foi banida pela OMS (Organização mundial de Saúde).
A cesariana sem consentimento da mulher e sem prescrição médica também é considerada violência obstétrica.
“Esse é um tema que é antigo, mas está sendo discutido agora. Porque, às vezes, a paciente não consegue identificar o que de fato é uma violência obstétrica. O parto é um momento único na vida de qualquer mulher, então é para ser um ambiente acolhedor, que ela se sinta segura. Não tem muito cabimento essa questão de xingamento, imagina. A paciente é a protagonista do parto, ela precisa ser acolhida naquela situação”, completa Silvia Herrera.
São comumente citadas por vítimas a violência verbal e psicológica, como comentários constrangedores, humilhantes, racistas, sexistas ou que ridicularizem sua raça, idade, escolaridade, religião, orientação sexual, condição socioeconômica, estado civil ou até mesmo suas escolhas sobre o parto, como a posição para dar à luz ou o tipo de parto.
Abusos praticados por médicos(as), enfermeiros(as), anestesistas, técnicos(as) de enfermagem e até mesmo recepcionistas, funcionários administrativos e seguranças de hospitais são considerados violência obstétrica.
Como denunciar a violência obstétrica?
É possível denunciar casos de violência obstétrica às ouvidoras de hospitais ou de unidades de saúde em que houve a agressão. É importante também apresentar a denúncia às autoridades, como a Secretaria Estadual de Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde, além do Ministério da Saúde e da Central de Atendimento à Mulher, além da Agência Nacional de Saúde (ANS).
É importante reunir documentos, como o prontuário médico –que deve ser fornecido pela unidade de saúde ou hospital que realizou o atendimento de forma gratuita-, o cartão da gestante, exames, contratos e recibos. A vítima também precisa detalhar em um relato escrito o ocorrido, com o maior número de detalhes possível, como se sentiu e as consequências acarretadas pela violência sofrida.