O mapa da fome no Complexo do alemão

Pesquisa do Ibase revela a realidade de insegurança alimentar vivida por 80% mais moradores da região

Walter Farias*

Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, o Ibase, aponta que 80% dos moradores do Complexo do Alemão convivem ou conviveram com insegurança alimentar nos últimos três anos. A pesquisa foi publicada ontem (16) e contou com a parceria do Instituto Raízes em Movimento e  da ONG Educap.

Entre 2019 e 2023, os pesquisadores entrevistaram mais de 8.700 moradores das 13 favelas que formam o Complexo. O objetivo principal do trabalho “Insegurança Alimentar no Complexo do Alemão”,  é revelar as reais condições de alimentação na área, mas também mostra que casas com crianças de até seis anos de idade merecem atenção.

“Essa pesquisa é fundamental para interpretarmos esse território de outra forma. A maioria das famílias do Complexo do Alemão, se encontram em estágio de Insegurança Alimentar Grave. E das famílias que têm crianças de zero a seis anos, o número é ainda mais grave”, explica Joice Lima, Coordenadora técnica da Pesquisa.

Joice coordenou todo o processo de pesquisa junto aos moradores do Alemão. Ajudou a capacitar entrevistadores do próprio Complexo e catalogou os níveis de insegurança alimentar que aparecem no trabalho: Insegurança alimentar leve (IA Leve); Insegurança Alimentar Moderada (IA moderada) e Insegurança Alimentar Grave (IA grave - fome).

Insegurança Alimentar Leve

Nesse nível, o morador apresenta preocupação ou incerteza com o acesso aos alimentos e busca não comprometer a quantidade de alimento.

Insegurança Alimentar Moderada

É quando acontece a redução quantitativa de alimentos e/ou quebra nos padrões de alimentação que resulta na falta de alimento.

Insegurança Alimentar Grave

Aqui, é entendido que o morador sente fome e não come por falta de dinheiro para comprar alimentos.

Com esse diagnóstico, a  pesquisa revelou que 80% dos moradores do Complexo do Alemão convivem ou conviveram com algum nível de insegurança alimentar desde 2019. Desses, 53% estão em estágio de Insegurança Alimentar.

Além desses resultados, o estudo ainda mostrou que 40% dos moradores estavam preocupados com a comida acabar antes de conseguir dinheiro para comprar novos alimentos. Enquanto, 56,6% afirmam que a comida que possuem não é suficiente.

Também chama atenção que 74,7% dos moradores declararam que não se alimentam como deveriam por falta de dinheiro para comprar os produtos necessários.

Insegurança Alimentar em casas com crianças de até 6 anos

A pesquisa também buscou informações sobre as residências com crianças até seis anos de idade. E os números revelam que 75% das famílias com crianças dentro dessa faixa etária convivem ou conviveram com insegurança alimentar de moderada a grave, nos últimos três anos.

“Na minha família, todo mundo perdeu o emprego durante a pandemia. Então a nossa dispensa passou a ser o que a gente recebia de doação. Estávamos sem muita coisa, sem frutas, legumes, verduras…”, contou Danielle Pessanha, moradora do Complexo.

Segundo Danielle, a falta de comida afetou o desenvolvimento dos filhos, mas hoje, a situação está melhorando e ela consegue ver como a alimentação é importante para evolução das crianças e o bem-estar mental dela também.

“As crianças percebem que as coisas estão melhorando também. Antes eles pediam para comprar biscoito e não tínhamos condições, agora eles perguntam se podem comer biscoito depois da refeição. Pode parecer pouca coisa, mas já é o suficiente para eles notarem que as coisas estão melhorando e isso é motivo de felicidade, porque a gente vive para ver o melhor para os nossos filhos, né?”, completou Danielle.

O estudo ainda aponta que, como Danielle, muitas mães e chefes de famílias utilizaram de diferentes estratégias para superar a falta de alimentos.

A pesquisa aponta que em algumas casas, o número de refeições foram reduzidas, mas na casa da Fabiana Mourão, manicure e moradora do Complexo do Alemão, a estratégia foi diferente.

“Usamos várias estratégias para manter nossa alimentação, por exemplo, passamos a ir em mais de um mercado para fazer compras, porque começamos a caçar as promoções dos mercados. Também passamos a deixar de lado marcas que gostamos mais, para começar a comprar produtos mais baratos”, contou a manicure, mãe de quatro filhas.

A pesquisa ainda ajuda a fortalecer o debate sobre alimentação no Brasil. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, cerca de 61 milhões de brasileiros conviveram com esse problema no período em que foi realizada a pesquisa do Ibase. Números que ligam um sinal de alerta para a realidade da nossa sociedade.

*Texto sob supervisão de Natashi Franco.