O rio ainda estava raso quando Taíssa, 14 anos, deixou sua aldeia em Manacapuru, Amazonas, rumo a Baku, no Azerbaijão, que sedia a Conferência do Clima da ONU, a COP29. As chuvas já deveriam ter aliviado a seca que castiga a Amazônia, e a situação extrema faz a adolecente perder o sono.
"No Amazonas nós vivemos muitas tragédias este ano. A gente viu a maior parte da nossa floresta pegar fogo e perdemos muitos hectares. Foi um momento de muita aflição", diz a jovem indígena, que traz no rosto a pintura típica de seu povo.
Crianças e idosos precisaram ser socorridos por causa do fogo e da fumaça. Às margens de pequenos rios que dão no Negro, muitas escolas ficaram inacessíveis porque estavam isoladas. "Quem não vê esses impactos são aqueles que provocam as mudanças climáticas. Aqueles que derrubam, que queimam, que não têm noção do quanto isso afeta todo mundo", diz Taíssa à DW.
A presença de crianças e adolescentes em pavilhões da conferência indica um incômodo desta geração. Elas vêm de diferentes países contar o que enfrentam no dia a dia, sobre o temor em relação ao futuro, e esperam ser ouvidas.
"As mudanças climáticas impactam nós, as crianças, eu vim defender espaço para que nós possamos falar sobre isso, apresentar nossas preocupações e pedir responsabilização", diz Jerusha, 17, da Zâmbia.
Falar sobre os traumas
Enquanto mais de 190 países tentam chegar a um acordo na COP29, o ano de 2024 deve se encerrar como o mais quente da história, superando o passado. Uma análise feita pela organização Save the Children estima que 12,5% da população infantil mundial sofreu algum impacto provocado pelas catástrofes climáticas de janeiro a outubro. Isso significa que 1 a cada 8 crianças precisaram sair de casa por causa de inundações, seca, ou deixaram de ir à escola.
É o caso de Max, 15 anos. Em Baku, enquanto caminhava pelos corredores da conferência, ele pensava nos seus colegas de classe. A escola onde estuda está praticamente debaixo de água no Sudão do Sul, no continente africano, que registra as piores enchentes da história. Mais de um milhão de pessoas estão desalojadas.
"Enquanto a gente conversa, meus amigos estão na escola para fazer as provas finais e estão em salas inundadas. É como nossa vida é agora. Ano passado, as enchentes mataram 10 crianças na minha vila", diz Max.
Falar sobre experiências assim com crianças exige um cuidado, alerta Alessandro Tuzza, diretor no Brasil da Save the Children. Recentemente, a equipe esteve em abrigos em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, onde muitas delas passaram a morar depois de terem perdido casa e escola por causa das enchentes de maio.
"Tem toda uma metodologia para abordar o tema das mudanças climáticas sem causar mais traumas e danos para as crianças. Tem toda uma linguagem para não revitimizá-las", diz Tuzza, cuja organização trouxe algumas crianças para a COP29.
Ouvir as vozes
Uma parte da ciência já tenta medir exatamente como o avanço das mudanças climáticas, à medida que o planeta fica mais quente, afeta a vida das crianças. O cenário tem deixado as doenças mais perigosas, como dengue e malária; aumenta as chances de grandes secas levarem à fome, o que pode comprometer o desenvolvimento infantil e a saúde.
No Brasil, o Instituto Alana também tem levado esta agenda adiante. Eles trouxeram uma delegação mirim a Baku para acompanhar as negociações, encontrar outras crianças e exercitar a liderança.
"É superficial ainda como as vozes e os direitos das crianças são trazidos para as negociações", analisa João Paulo Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana, lembrando que apenas 2,4% dos fundos disponíveis para ações contra mudanças climáticas atualmente mencionam a necessidade de programas de proteção à infância.
"A gente não pode sair daqui sem discutir quais recursos vão proteger as crianças. Um grande problema que a gente enfrenta hoje são projetos que podem ter benefício ambiental mas, por exemplo, têm impacto social como o estímulo ao trabalho infantil", menciona.
O documento que vai sair da COP29, que discute principalmente financiamento, poderia garantir que recursos que forem para adaptação de cidades ao impacto das mudanças climáticas priorize, por exemplo, escolas, sugere Amaral.
Crescer num planeta vivo
Natural de Salvador, a brasileira Catarina, 17 anos, ainda não era uma surfista profissional de ondas grandes quando percebeu que algo não estava normal no mar. Aos nove anos, ao mergulhar num local cheio de corais, ela percebeu que eles tinham muitas partes brancas e que a água estava quente demais. Tudo só fez sentido dois anos depois, durante uma aula na escola. A temperatura do mar estava subindo e os corais estavam morrendo, sofrendo branqueamento, por causa das mudanças climáticas.
"Eu entendi que o que tinha vivido era uma consequência das mudanças climáticas e que eu tinha que fazer alguma coisa", diz Catarina que, no ano seguinte, foi contar esta mesma história num fórum das Nações Unidas. "O direito da criança é violado quando existe falta de ação climática. Estou aqui para lutar por nossos direitos", adiciona a adolescente, que tem mais de 30 surfistas na família.
O mar também é a extensão da casa de David, 13 anos, do México. Preocupado com a sobrevivência da vaquita marinha, um tipo de golfinho bem pequeno que só vive no Golfo da Califórnia, ele bolou um projeto de proteção a esta espécie em extinção.
"Quero crescer num planeta onde os animais possam viver, que tenha mais vegetação, chuvas, menos construções, mais bicicletas", diz David.
O desejo de Jerusha não é muito diferente. "Quero viver num mundo onde as pessoas não precisam brigar por comida, que não tenham que fugir de um lugar para outro por causa de uma enchente. Quero desenvolvimento igualitário para os países. Um mundo de paz, em que as pessoas se encontrem e não precisem se preocupar com nada, só celebrar", diz.
Quando voltar para casa, Max pensa no que vai encontrar. O modo de vida da família de agricultores está ameaçado, já que muitos animais de criação morreram primeiro por causa do calor e, recentemente, por causa das enchentes.
"Talvez falte comida para nossa família", lamenta. "Eu gostaria de pedir aos líderes que estão aqui que prestem atenção nos países menos desenvolvidos, apoiem estes países do jeito que precisamos e que ampliem a educação climática. A informação pode ajudar famílias a se manterem seguras dos impactos", afirma Max.
Autor: Nádia Pontes (enviada especial a Baku)