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Violência contra mulher: entenda os impactos dessa realidade na vida da criança

Inseridos no contexto da violência doméstica, os pequenos podem carregar esse sofrimento até a vida adulta; entenda

Por Hanna Rahal

Violência contra mulher: entenda os impactos dessa realidade na vida da criança
Freepik

O contato com a violência doméstica se inicia, muitas vezes, na infância, quando a criança assiste à mãe sendo agredida por seu pai biológico ou parceiro. 

Existem estudos que sugerem que essas crianças têm maiores chances de mergulharem em relações violentas — fenômeno chamado de transmissão da violência entre gerações.

A família é o primeiro núcleo de socialização dos indivíduos e, portanto, responsável pela transmissão de valores, costumes e afeto. Com isso, é também encarregada pela formação de personalidade da criança.  

Isso quer dizer que não são apenas as mulheres que sofrem com a violência doméstica, mas também seus filhos e toda a sociedade. 

Ciclo de violência

Um relatório que trata especificamente sobre Violência na Gravidez e Transmissão entre Gerações diz que 1 em cada 5 mulheres teve contato com a violência doméstica durante a infância ou adolescência.

Uma criança que cresceu em um lar violento pode repetir o mesmo padrão em seu próprio lar quando adulta. É um fenômeno chamado Transmissão Intergeracional de Violência Doméstica (TIVD). Estudos sugerem que o mecanismo tem maior incidência em lares onde a mulher, seu parceiro ou ambos estiveram expostos à violência na infância.

4 em cada 10 mulheres que cresceram em lares violentos sofreram violência

“Esse legado de submissão e de aceitação é muito forte. Então é preciso desenvolver estratégias para o enfrentamento”, diz Regina Célia Almeida, vice-presidente e cofundadora legal do Instituto Maria da Penha. Entre esses pilares, está a necessidade de facilitar o acesso à informação e estruturar apoio para quem pede ajuda.

Crianças aprendem a tolerar agressões

Nadiedja Mathias, assistente social e atendente da equipe do Instituto Maria da Penha, conta que na maioria dos atendimentos que já fez, as mulheres vítimas de violência doméstica têm filhos. 

“As crianças são afetadas em tudo. Mesmo elas sendo pequenas ou ainda no ventre. Essa é uma realidade que afeta muito na conduta, crescimento de valores, e respeito que essas crianças terão por suas mães e outras mulheres”, avalia. 

Roselene Wagner, neuropsicóloga, explica que a criança inserida nesse contexto, mesmo quando ainda não verbaliza suas emoções, sente, percebe e introjeta o “medo”, gerando um modelo mental de tolerância aos maus tratos. “É preciso quebrar paradigmas e repetições de comportamentos negativos”, considera a especialista. 

Contudo, é responsabilidade dos adultos mostrar para as crianças que esse tipo de realidade não é normal e não está certo. O diálogo aberto, a denúncia e a busca por ajuda, por meio de familiares ou pelas leis de proteção à mulher, podem sempre mudar o cenário de toda uma vida.

Tem um caminho que é imediato e urgente, de salvar essas vítimas. E tem outro caminho, a médio e longo prazo, em um cenário de educação, transformação, de mudanças de crenças limitantes e paradigmas. Há, também, uma necessidade de enfrentamento de uma sociedade com o machismo estrutural enraizado de forma tão profunda no nosso inconsciente, diz Vanessa Abdo, doutora em psicologia

Se o sistema familiar falha na proteção à criança e se caracteriza por um ser ambiente violento, é dever da escola identificar os sinais do problema e auxiliar na proteção às crianças. 

Bebês podem absorver impactos na gestação

Além de ameaçar a saúde e bem-estar da mulher, a violência durante a gestação pode trazer graves consequências para as futuras gerações. 

Traumas diretos ao feto, incluindo morte, e comportamentos de risco adquiridos por estresse da mãe, como tabagismo, alcoolismo e indução ao aborto, são alguns dos possíveis efeitos da agressão à gestante.

E mesmo com essas informações, as mães continuam sendo atacadas enquanto geram. E os dados chocam: mulheres com menor grau de instrução têm 10 vezes mais incidência de violência na gestação. 

Entre mulheres com apenas uma gestação ao longo da vida, 3,11% já foram agredidas pelo parceiro; enquanto entre mulheres com 4 ou mais gestações, 13,38% reportaram violência física na gestação

A respeito disso, o Relatório da OMS de 2014 atenta que todas as formas de violência doméstica podem ser evitadas. Dentre as estratégias estão a promoção de relações saudáveis, o desestímulo ao consumo nocivo de álcool, a redução do acesso a armas de fogo, a promoção da igualdade de gênero e a mudança de normas culturais promotoras de violências.

Caos no desenvolvimento

Diversos tipos de agressão podem ocorrer no lar e a criança pode virar, simultaneamente, vítima e testemunha do comportamento entre os pais.  

A violência doméstica representa um “caos no desenvolvimento” enquanto ocorre uma grande instabilidade estrutural, temporal, física e humana — o que afeta a base segura do desenvolvimento.

Segundo Maria Beatriz Martins Linhares, professora e membro do Comitê Científico do Núcleo de Ciência pela Infância (NCPI), a violência leva a situações de desamparo porque a vítima não consegue ter as respostas adequadas para se livrar do agressor.

Os principais problemas emocionais e de comportamento, conforme a especialista, são os seguintes:  

  • Agressividade;
  • Problemas de atenção;
  • Hipervigilância;
  • Ansiedade;
  • Depressão;
  • Problemas de aprendizagem e adaptação escolar;
  • Problemas psiquiátricos (ex: fobia, estresse pós-traumático);
  • Problemas de saúde.

“As pessoas maltratadas na infância apresentam alto risco de repetir futuramente a prática de maus tratos e abusos com os seus filhos. A violência continua por gerações”, reforça Beatriz. 

As agressões destroem potencial humano com e causam impactos negativos no âmbito pessoal, social e econômico. Além disso, Linhares explica que existe o ciclo intergeracional da violência que precisa ser rompido.

A violência doméstica não pode ser ignorada ou validada socialmente. É preciso reconhecer o problema e buscar ajuda para resolver, explica a professora

Para tanto, é preciso que os serviços de apoio psicossocial funcionem plenamente, seja na prevenção ou na atenção especializada. 

Denúncias salvam vidas!

São vários os danos físicos e psíquicos que relacionamentos abusivos acarretam na saúde da mulher. Isso sem contar os danos diretos, causados por agressões físicas e sexuais.

Entre as medidas protetivas, há o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima, bem como a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, além de atendimento multidisciplinar. 

Além da Lei Maria da Penha, o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Alienação Parental podem dar apoio aos filhos da vítima. 

Combater a violência é dever de todos

O Núcleo Ciência pela Infância diz que violência é um grave problema mundial que afeta a vida de 1 bilhão de crianças, com consequências emocionais, sociais e econômicas de longo prazo e alto custo para os governos. 

Um estudo realizado pelo comitê cientifico da instituição sobre a prevenção de violência contra crianças explica o que é preciso ter em mente sobre o problema da violência:

  • Trata-se de uma grave violação de direitos humanos que não pode ser ignorada;
  • Ela destrói recursos e potencial humano;
  • Para enfrentá-la, deve-se contar com uma estratégia de atuação integrada, intersetorial e centrada na criança;
  • É preciso quebrar o ciclo intergeracional da violência, em que crianças que sofreram
  • violência na infância tendem a repeti-la com seus filhos;

Combatê-la é um dever de todos, especialmente dos gestores públicos.
 

Sempre é possível recomeçar

Existem estereótipos de que só mulheres frágeis e vulneráveis podem passar por situações de violência. Mas a verdade é que todo mundo pode passar por isso.

Um pilar importante para reconhecer isso é reconstruir, ou até mesmo construir, o autoconhecimento. “E, além disso, pensar numa mudança profunda de sociedade. Mães e pais são figuras que podem mudar isso”, explica Vanessa Abdo.

A especialista ainda reforça que em um mundo ideal, a mulher precisa ter independência financeira e emocional dos seus parceiros. Com isso, há o entendimento de que a separação é sempre possível e que ficar é uma escolha. 

Roselene, do Instituto Maria da Penha, ainda reforça que o primeiro passo é trabalhar uma tríade: autoconhecimento, autoimagem e autoestima. Depois disso, é possível reconstruir a vida e transformar a realidade das crianças. 

 “Após a separação, a criação de uma nova identidade, mais forte e mais feliz, vem do apoio desse resgate de si mesma. É possível recomeçar, há vida depois do desenlace do “nó adoecido”, e existe um “eu saudável”, explica.

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