Donald Trump retorna em janeiro à presidência dos Estados Unidos com a promessa de balançar a ordem geopolítica. Sua equipe de política interna inclui Marco Rubio, nomeado a Secretário de Estado – chefe da diplomacia – e Michael Waltz, indicado a Conselheiro de Segurança Nacional. Ambos têm laços importantes com a América Latina, o que trouxe a perspectiva de que talvez a região estivesse mais no foco da administração norte-americana do que estava no passado. Especialistas ouvidos pelo Band.com.br, entretanto, destacam que cenário é mais complexo.
Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM-SP, ressalta que a escolha de Rubio, cujos pais são refugiados cubanos, parece indicar que haverá uma atenção maior a Cuba, Venezuela e Nicarágua. Entretanto, entre esses três, ele acredita que um é o maior ponto de interesse do novo governo dos EUA.
“A minha sensação é que o interesse maior não está nem em Cuba e nem na Nicarágua, está na Venezuela, por uma razão muito simples: petróleo. Uma das bases da eleição do presidente Trump foi a indústria petrolífera, foi uma das que mais contribuiu. As empresas perceberam na política de Trump uma tábua de salvação dadas todas as pressões para o abandono da energia fóssil. Nesse interesse que se deve entender o interesse no petróleo e do governo Trump pela Venezuela”, ressalta o professor.
Trevisan explica ainda que, devido a acordos firmados durante o governo de Joe Biden, empresas petrolíferas fizeram investimentos pesados na Venezuela e agora não querem perde-los.
Também professor de Relações Internacionais da ESPM-SP, Roberto Uebel concorda que a Venezuela será um dos focos de Trump. Ele cita que o novo governo tem interesse de impedir uma maior influência de China, Rússia e Irã na região – China e Rússia, por exemplo, são fortes apoiadores do governo de Nicolás Maduro na Venezuela.
“A impressão que tenho é que Trump não quer China, Rússia e Irã no quintal de casa. Eu imagino que talvez ele vá tentar costurar uma saída do Maduro, talvez no final do mandato, nas próximas eleições. Garantindo descongelamento dos ativos do Maduro e da elite da Venezuela nos Estados Unidos. Garantindo talvez um salvo-conduto para que Maduro busque asilo em outro país, até mesmo em Cuba. Isso vejo como benefício mútuo e os EUA continuaria comprando petróleo da Venezuela. É interessante para eles uma Venezuela mais estável”, detalha o especialista.
Política isolacionista
Apesar de um aparente interesse renovado na América Latina, ambos os professores frisam que Donald Trump chega ao poder com uma professa de política mais isolacionista, ou seja, que olhe mais para questões e foque menos em assuntos de outros países.
“Não é que a América Latina está sem primeiro ou segundo plano. Ela não tem plano nenhum com os Estados Unidos, ela é uma questão pontual. Os EUA não têm nenhum interesse em fazer concessões para a América Latina. Não há o desenvolvimento de uma política de Estado para a América Latina”, afirma Trevisan.
Ele explica que os Estados Unidos têm realizado apenas manifestações pontuais na América Latina, como no caso em que o Secretário de Defesa de Biden, Lloyd Austin, deu um recado a militares brasileiros de que os EUA não aceitariam qualquer tentativa de ruptura institucional – os norte-americanos temiam um golpe militar no país que visasse perpetuar governo de Jair Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, são as questões internas que hoje pautam muito da política externa de Trump. O presidente eleito já entrou em conflito com a presidente do México, Claudia Sheinbaum, e ameaçou taxar todos os produtos do país vizinho em 25% se ele não encontrasse uma forma de controlar o fluxo de imigrantes.
“O imigrante é hoje o grande bode expiatório. A economia norte-americana se digitalizou, abandonou a economia 2.0, e deixou uma quantidade enorme de americanos que não possuem formação universitária de fora dos melhores salários. Como você faz para manter o voto dessa gente? Você arranja um culpado”, destaca Trevisan.
Ele diz que, ao escolher imigrantes como bodes expiatórios, Trump deixa de enfrentar questões relacionadas às Big Techs, que, inclusive, foram as maiores financiadores da campanha do presidente eleito.
“Em um país de 330 milhões de habitantes, o problema central da mão de obra não são 26 milhões de trabalhadores imigrantes, mesmo que não tenham documentos. É evidente que não”, ressalta.
Ao mesmo tempo, Uebel avalia que, no momento, as ameaças mútuas de tarifas entre México e Estados Unidos estão apenas no universo da retórica.
“O México vai utilizar do que ele dispõe contra qualquer agressão tarifária dos Estados Unidos. Os EUA dependem da produção mexicana. Não vejo que eles vão entrar em uma guerra tarifária, acho que é muito um discurso do Trump para forçar o México a aumentar o controle imigratório. Só que se o México fechar a fronteira gera uma crise humanitária na América Central e vira um efeito cascata”, esclarece.
E o Brasil?
A volta de Trump foi vista como uma possibilidade de fortalecimento da extrema-direita brasileira, sobretudo da família Bolsonaro, que tem relações com elementos da família Trump. Houve ainda manifestações explícitas de membros do bolsonarismo de que Trump poderia atuar como fator de pressão para uma anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível e foi indicado por tentativa de golpe de estado.
Tanto Trevisan quanto Uebel enxergam esse cenário como extremamente improvável, sob o argumento de que não faria sentido Trump gastar capital político para tentar ajudar uma figura de outro país.
“O Brasil não é prioridade dos Estados Unidos, nem econômica e nem política. Toda lógica política de Trump é pragmática. Ele é um animal político pragmático, não perde seu tempo. Se ocorrer uma sobrevivência política de Jair Bolsonaro, o Trump manterá algum interesse. Do contrário, creio que não haverá maior vínculo”, diz Trevisan.
Para o professor, um apoio explícito a uma anistia a Bolsonaro iria contra as próprias promessas isolacionistas de Trump.
“Acho que é só uma política cheia de desejo. Não acredito realmente que o Trump vai perder o tempo dele usando pressão no Brasil para salvar o Bolsonaro. O clã Bolsonaro pode vender essa ideia. Para a realidade, acho mais difícil. Acho que existem outras preocupações de Trump que estarão à frente”, ressalta.
Uebel acredita que Trump pode até fazer postagens em redes sociais em apoio a Bolsonaro. Agora, com a possibilidade crescente do ex-presidente ser condenado no processo que investiga uma tentativa de golpe de Estado no Brasil, o especialista não descarta um pedido de asilo.
“Acho que a família Bolsonaro vai tentar pedir um apoio do governo Trump principalmente quando se iniciar o julgamento de Bolsonaro. Tenho minhas dúvidas se o governo Trump vai comprar esse apoio. O Trump usa muito a linguagem do ‘ganha-ganha’, mas apenas o que ele vai ganhar. Não vejo nenhum benefício para o Trump em apoiar o Bolsonaro em um processo judicial em outro país. Seria gastar energia, foco e recursos diplomáticos para algo que não o beneficiar em curto prazo”, detalha.
“Aí sim acho que a família Bolsonaro vai solicitar algum tipo de asilo na embaixada americana. Só que os Estados Unidos são um país que historicamente dificilmente concede asilo político, não deram nem para os opositores venezuelanos”, complementa.