Um dia com Henry Kissinger

Por Moises Rabinovici

Henry Kissinger
REUTERS/Jaime R. Carrero

Quando o rabino Henry Sobel falou que eu era correspondente do jornal “O Estado de S.Paulo”, Henry Kissinger reagiu como se o lesse obrigatoriamente todos os dias, ao acordar:

-Está sempre me atacando...

Por um momento, até Nancy, sua esposa, olhou-o espantada. Depois, ele riu – estava brincando. O rabino Sobel era tutor do filho de Kissinger, então com 17 anos.

As brincadeiras de Kissinger, visitando Israel, produziriam longas gargalhadas, um pouco mais tarde, durante um jantar na Universidade Hebraica de Jerusalém.

Ele contava como o seduziram a comparecer ao jantar, e descreveu as táticas israelenses de negociações que podem culminar com uma “exaustão nervosa”. O reitor Simcha Dinitz, que no final o convenceu a fazer “algumas observações sobre seu amigo Navon” (o presidente Yitzhak Navon), apresentou-o como “o único secretario de estado norte-americano ao qual serviram dois presidentes dos Estados Unidos”.

Kissinger fez “algumas observações” sobre o ex-presidente Navon, e “alguns comentários” sobre Golda Meir, lembrando que geralmente ele faz palestras ou fala após “quatro discursos de introdução, três discursos com observações iniciais, três outros com comentários e uma apresentação”, depois de um dia em que dá uma entrevista coletiva à imprensa e aparece em dois programas de televisão.

“O sobrinho levado de Golda”, num momento, ficou sério, e elogiou o papel do presidente Yitzhak Navon para a criação de uma comissão de inquérito sobre o massacre de Sabra e Shatila, em Beirute (1982), que restaurou a dignidade “do povo judeu”. Ele prevê para Navon um futuro importante nos tempos “inevitavelmente difíceis” que Israel deverá enfrentar (Navon morreu em 2015). E receitou, com a voz rouca, pousada, enquanto sua esposa Nancy acendia um cigarro após outro, que “Israel encontrará seu caminho para a paz com justiça”, e que “com gente como Navon não se envolverá em nenhum tipo de extremismo”.

Kissinger veio a Israel a convite da Universidade Hebraica de Jerusalém, mas fez uma conferencia na Universidade de Tel-aviv. Todo o mundo político aproveitou sua estadia, para uma troca de idéias. Ele esteve já com o primeiro-ministro Menachem Beguin, a quem advertiu que a lua de mel entre Washington e Jerusalém pode voltar logo á fase de quase divorcio, e com os ministros da defesa e das relações exteriores. O chanceler Shamir, depois que o viu, mostrou-se mais otimista com a possibilidade de uma retirada Síria do Líbano – e Kissinger foi o negociador que conseguiu o famoso desengajamento de forças entre Sírios e israelenses, no Golan.

Kissinger também esteve com os líderes da oposição trabalhista. Foi quando despedia-se de Yithzak Rabin, no lobby do hotel King David, que surgiu a conversa sobre “o Estado de S.Paulo”. Diante da situação que criou, completaria, partindo com Nancy e seu filho David, de 23 anos, como se o estivessem desafiando:

-O Estado... Claro que conheço “o Estado”.

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