Os problemas enfrentados por Donald Trump na Justiça têm se mostrado um negócio bastante lucrativo para sua pré-campanha à presidência dos Estados Unidos.
No domingo (28/08), sua equipe afirmou que arrecadou 7,1 milhões de dólares (pouco menos de R$ 35 milhões) desde a divulgação da já célebre fotografia da ficha policial de Trump no estado da Geórgia, onde o republicano foi acusado de tentar subverter ilegalmente o resultado das eleições de 2020 para se manter no poder.
Na fotografia policial, chamada de "mugshot" nos EUA, Trump aparece com a cabeça ligeiramente inclinada para baixo e encarando a câmera com um semblante vingativo. Nos outros processos que enfrenta na Justiça, Trump conseguiu evitar esse protocolo, mas na última quinta-feira (24/08), numa cadeia na Geórgia, a imagem não só foi registrada como divulgada publicamente. Foi a primeira vez que isso acontece com um ex-presidente americano.
Mas Trump logo passou a explorar financeiramente o que para outros seria um vexame: camisetas, canecas, adesivos e outros itens com a imagem passaram a ser produzidos e distribuídos por sua equipe horas após a divulgação. No site da campanha, camisetas com a imagem e a legenda "Sem rendição!" são oferecidas a 34 dólares, canecas custam 25 dólares. Fabricantes independentes também têm tentado faturar com a imagem, lançando seus próprios produtos.
O próprio Trump desenterrou seu perfil no X (ex-Twitter), inativo desde 2021, para publicar uma versão da foto com as legendas "interferência eleitoral" e "nunca desista". A mensagem contém ainda um link para o site onde o ex-presidente pede doações, com valores sugeridos entre 24 e 3.300 dólares.
No site, há mais outra versão da foto, dessa vez acompanhada de um texto: "O povo americano sabe o que está acontecendo. O que aconteceu é uma caricatura de justiça e interferência eleitoral. A esquerda quer intimidar você para que não vote num político de fora que coloca o povo americano em primeiro lugar. [...] Se puder, por favor, faça uma contribuição para expulsar o picareta Joe Biden da Casa Branca e salvar a América durante este capítulo sombrio da história da nossa nação."
Em comunicado, o porta-voz da pré-campanha do empresário afirmou que "quase 20 milhões de dólares foram arrecadados nas últimas três semanas. Nesse período, Trump não só foi fichado na Geórgia como também formalmente indiciado na esfera federal por instigar a invasão do Capitólio por uma turba de extremistas, em 6 de janeiro de 2021.
Segundo sua pré-campanha, porém, as doações receberam um impulso com a divulgação da fotografia. Foram "7,1 milhões de dólares desde quinta-feira" e "4,18 milhões de dólares" no sábado, configurando a maior arrecadação de fundos "em um dia, em toda a campanha", escreveu o porta-voz Steven Cheung. A informação não pôde ser verificada de forma independente. Na plataforma X, Cheung pediu à mídia que "continue mostrando" a foto, adicionando uma versão da imagem em maior resolução.
Os crescentes problemas do ex-presidente na Justiça por enquanto tampouco conseguiram prejudicar sua posição nas primárias presidenciais republicanas. Na maioria das pesquisas, ele aparece bem à frente de seus rivais, com 30 a 50 pontos de vantagem.
Trump descreveu sua aparição na cadeia do condado de Fulton, em Atlanta, na Geórgia, como uma "experiência terrível" e afirmou que posar para a fotografia na ficha policial "não foi uma sensação confortável". Além de Trump, outros 18 acusados de atuar como cúmplices foram fichados na mesma semana, incluindo o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani.
Trump não chegou a ser preso. Ele já havia negociado com os procuradores uma fiança no valor de 200 mil dólares para responder ao processo em liberdade. Todo o processo de apresentação na cadeia, registro da ficha e fotografia durou cerca de 20 minutos.
Exemplo de Bolsonaro
Trump não é o único político da extrema-direita mundial que tem instrumentalizado seus problemas na Justiça para pedir doações ou lançar merchandising. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro conta com um site para vender produtos que exploram sua imagem, como calendários, cadernos e canecas. Na "Bolsonaro Store", uma caneca com a frase "Brasil acima de tudo" é vendida por R$ 49,90
Mas Bolsonaro não tem faturado apenas com a venda bugigangas; no fim de julho, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro, mostrou que nos primeiros seis meses de 2022 ele recebeu R$ 17,2 milhões em sua conta pessoal, via Pix.
O documento do Coaf avaliou que os valores eram "atípicos" e se referiam "provavelmente" à campanha de arrecadação promovida por aliados do ex-presidente, cujos valores seriam supostamente usados para quitar multas processuais acumuladas por Bolsonaro.
Antes da elaboração do documento, a chave Pix de Bolsonaro foi divulgada nas redes sociais por ex-ministros da sua administração e alguns parlamentares do PL, como os deputados Mário Frias e Nikolas Ferreira. A campanha foi lançada após a Justiça determinar um bloqueio de R$ 87 mil nas contas do ex-mandatário pelo não pagamento de multas aplicadas contra ele em São Paulo durante a pandemia, em 2021, por promover aglomerações e não usar máscara.
Bolsonaro ainda não prestou contas a seus apoiadores dos valores da "vaquinha". Em meados de agosto, um assessor seu disse que ele pagara uma série de multas somando R$ 913 mil. Por sua vez, o restante dos milhões aparentemente foi investido pelo ex-presidente.
jps/av (ots)