Tensões no Mar da China Meridional ameaçam comércio global

Comércio marítimo global já está sob pressão devido aos ataques dos houthis a navios no Mar Vermelho. Crescentes tensões entre China e seus vizinhos geram preocupações com a segurança em outra rota comercial essencial.

Por Deutsche Welle

Os anos pós-pandemia de covid-19 têm sido difíceis para o comércio global. Confinamentos e fechamentos de fábricas durante a pandemia provocaram atrasos em cadeias globais de fornecimento e ajudaram a alimentar uma inflação como não se via há décadas.

Em 2021, o Canal de Suez ficou fechado por uma semana por causa do encalhe de um navio de contêineres. Paralelamente, os ataquesa navios de transporte marítimo por rebeldes iemenitas houthis e pelo Irã, ao longo dos últimos dez meses, levaram ao redirecionamento de navios de contêineres do Mar Vermelho para o caminho em torno da África.

Mas também as pretensões militares chinesas no Mar da China Meridional podem afetar o fluxo do comércio global.

A importância para o comércio global

O Mar da China Meridional é parte do Oceano Pacífico ocidental e fica entre o sul da China, Taiwan, Filipinas, Indonésia, Vietnã, Tailândia, Camboja e Malásia.

Cerca de um terço do comércio marítimo global passa anualmente por essa via marítima de 3,5 milhões de quilômetros quadrados, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Cerca de 40% dos produtos petrolíferos comercializados globalmente são transportados por esse mar todos os anos.

Em 2016, um valor estimado em 3,6 trilhões de dólares em bens e commodities viajou por essa via marítima, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington. Outra estimativa estima que o total chegue a 5,3 trilhões de dólares.

Pesquisadores da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, calcularam que o comércio total através do Mar da China Meridional e do Mar da China Oriental – que fica entre a China, as duas Coreias e o Japão – alcança 7,4 trilhões de dólares por ano.

Dezenas de milhares de navios de carga passam pelo Mar da China Meridional todos os anos, transportando cerca de 40% do comércio da China, um terço do comércio da Índia e 20% do comércio do Japão com o resto do mundo, de acordo com dados do CSIS.

Em toda a Ásia, é a segurança econômica desses três países que mais depende do bom funcionamento da hidrovia. O Mar da China Meridional é uma via vital tanto para o comércio intra-asiático quanto para o comércio da Ásia com o resto do mundo, especialmente com a Europa, o Oriente Médio e a África.

Controvérsia que pode resultar em guerra

A China reivindica para si quase todo o Mar da China Meridional, o que incomoda seus países vizinhos, que afirmam que as ambições territoriais da China atravessam suas zonas econômicas exclusivas.

A China ignorou uma decisão de 2016 de um tribunal de arbitragem internacional em Haia, na Holanda, segundo a qual não há base legal ou histórica para as reivindicações expansionistas de Pequim.

Os militares chineses estão realizando ações cada vez mais agressivas no Mar da China Meridional, incluindo confrontos com navios filipinos, o que alimenta temores de um conflito em grande escala. Os Estados Unidos já alertaram várias vezes que serão obrigados a defender as Filipinas caso os militares filipinos sejam atacados, inclusive no Mar da China Meridional.

No mês passado, o Vietnã apresentou uma reivindicação às Nações Unidas para uma plataforma continental estendida que vá além das suas atuais 200 milhas náuticas no Mar da China Meridional. As Filipinas fizeram um movimento semelhante em junho.

E há ainda a questão de que a China considera Taiwan– que se separou da China continental no final de uma guerra civil, há 75 anos – como uma província rebelde com a qual deve ser reunificada. As preocupações de que Pequim possa usar a força militar para colocar a ilha sob seu controle aumentaram ainda mais as tensões no Mar da China Meridional.

O valor econômico

Estima-se que o Mar da China Meridional tenha cerca de 5,38 trilhões de metros cúbicos de gás natural e 11 bilhões de barris de petróleo, de acordo com a agência de informações americana Administração de Informação de Energia.

As águas disputadas também contêm grandes depósitos de minerais de terras raras, cruciais para as ambições tecnológicas da China e usados em baterias de veículos elétricos e aparelhos eletrônicos avançados.

Algumas estimativas sugerem que o Oceano Pacífico contenha mil vezes mais minerais de terras raras do que as reservas terrestres conhecidas, das quais mais da metade são controladas pela China e que são necessárias para a transição para uma energia mais limpa.

Terceiro polo na crise do transporte global?

Desde o fim de 2023, o comércio global tem sido prejudicado pelos ataques dos rebeldes houthis, que são apoiados pelo Irã, no Mar Vermelho, ao largo do Iêmen. Os houthis fizeram ataques com drones e mísseis contra a navegação comercial em resposta à ofensiva de Israel contra os militantes do Hamas em Gaza.

Como resultado, grandes empresas de navegação desviaram suas embarcações da rota do Mar Vermelho, que inclui o Canal de Suez. Em vez disso, os navios de carga estão passando pelo Cabo da Boa Esperança, no sul da África, o que aumenta em cerca de dez dias a viagem média da Ásia para a Europa. Essa mudança elevou os custos de transporte por causa de custos maiores com seguros e combustível e causou atrasos em portos na Europa e na Ásia.

Com a guerra em Gaza ameaçando se expandir para uma área mais ampla do Oriente Médio, incluindo um ataque direto do Irã a Israel a qualquer momento, há temores de que Teerã possa fechar outro ponto importante para o comércio global: o Estreito de Ormuz. Essa estreita via navegável fica na abertura do Golfo Pérsico e movimenta quase um terço do comércio mundial de petróleo.

Nos últimos anos, o Irã atacou regularmente navios comerciais no estreito, e novos ataques seriam vistos como uma grande provocação pelo Ocidente. Se as empresas de navegação optarem por evitar também Ormuz, o comércio marítimo poderá enfrentar atrasos e custos ainda maiores.

Se as tensões entre a China e seus vizinhos aumentarem ainda mais, isso poderá abrir uma terceira frente na crise global do transporte marítimo. As empresas marítimas podem tentar evitar partes do Mar da China Meridional. Os atrasos e os subsequentes aumentos de custos podem causar escassez de produtos e commodities e reduzir a receita dos principais portos asiáticos, incluindo os de Singapura, Malásia e Taiwan.

Estreito de Malaca

Embora as principais tensões envolvam China, Filipinas e Taiwan, a maior ameaça ao comércio no Mar da China Meridional pode vir do Estreito de Malaca, que fica mais ao sul, entre Malásia, Indonésia e Singapura.

No ano passado, 23,7 milhões de barris de petróleo e derivados foram transportados por dia pelo estreito, de acordo com a Administração de Informação de Energia, dos EUA. Esse número foi 13% maior do que o registrado no Estreito de Ormuz.

O Estreito de Malaca tem apenas 64 quilômetros de largura em seu ponto mais estreito e já é hoje vulnerável a congestionamentos e colisões. Ao longo dos anos têm ocorrido muitos incidentes de roubo e de pirataria.

Alguns especialistas militares e em geopolítica preveem que, caso a China invada Taiwan, por exemplo, os EUA e seus aliados poderiam bloquear o Estreito de Malaca, limitando o acesso da China a petróleo, bem como as exportações da maior economia da Ásia.

Autor: Nik Martin

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