Recentemente, a organização afegã de direitos humanos Rawadari descreveu a situação da educação no Afeganistão da seguinte forma: "O Talibã fez mudanças profundas nos currículos das escolas e universidades do país nos últimos três anos". Fundada por Shahrzad Akbar, ex-chefe da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, a Rawadari documenta violações dos direitos humanos no país.
Sob o domínio do grupo fundamentalista islâmico, novamente no poder desde agosto de 2021, meninas e mulheres foram proibidas não só de frequentar universidades e escolas a partir da sexta série, mas sim "todas as matérias relacionadas a direitos humanos e direitos das mulheres foram removidas dos currículos escolares e universitários". São tópicos como igualdade, liberdade, eleições e democracia, que contradizem a ideologia do Talibã.
As intervenções vão ainda mais longe: abordagens inclusivas e não discriminatórias do sistema educacional, que seriam particularmente importantes n um país com numerosas minorias étnicas e religiosas, também estão sendo eliminadas. Conforme a Rawadari, "o ensino de línguas maternas e de matérias relacionadas à religião, cultura e história foi severamente restringido para alunos dessas minorias. O acesso a programas de alfabetização e treinamento vocacional para meninas com deficiência também foi severamente restringido".
"Até agora, o Talibã removeu muitos conteúdos de livros didáticos", confirma Sardar Mohammad Rahimi, que foi vice-ministro da Educação do Afeganistão até o Talibã assumir o poder, em meados de 2021. Hoje, Rahimi vive exilado na França e trabalha como professor convidado no Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais (Inalco).
"No entanto, os talibãs ainda não têm a capacidade de criar novos conteúdos, não têm os especialistas nem os meios técnicos para reformular completamente os currículos. Eles levariam cerca de cinco anos para reorganizar fundamentalmente o sistema educacional", explica.
Diversos intelectuais e acadêmicos deixaram o país desde que o Talibã retornou ao poder. Além disso, os islamistas demitiram vários professores de escolas e universidades nos últimos três anos. Em seu lugar, nomearam sobretudo graduados de escolas religiosas que representam a ideologia talibã: "Atualmente, o Talibã está se concentrando na expansão de suas escolas religiosas, as chamadas madrassas. É uma tendência perigosa", alerta Rahimi.
Promoção de escolas religiosas
Existentes em muitos países islâmicos, as madrassas têm como objetivo promover uma interpretação rigorosa do Islã e garantir a educação religiosa para a próxima geração.
O Talibã advoga uma interpretação extremamente conservadora do Islã sunita, que exige a introdução da xaria (lei islâmica) em todas as áreas da vida, e propaga uma ordem social rígida. Eles rejeitam valores como os direitos das mulheres e os direitos humanos, e veem o mundo ocidental como uma influência ameaçadora na sociedade islâmica. Desde que retornaram ao poder, reverteram completamente o progresso nos direitos das mulheres das últimas duas décadas.
Organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, relatam frequentemente sobre as punições brutais contra mulheres e meninas por suposto "comportamento anti-islâmico", incluindo prisão, violência sexual durante detenção e açoitamento em público. Muitas meninas que não têm mais permissão para ir à escola são forçadas a se casar.
Doutrinando a próxima geração
"O Talibã transformou o país num inferno de opressão estrutural e violência sistemática contra as mulheres e meninas", afirma Maryam Marof Arwin, ativista afegã dos direitos humanos e das mulheres, por ocasião do Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, em 25 de novembro. Ela alerta veementemente contra as consequências da criminalização do sexo feminino e as leis introduzidas pelo Talibã, que lhe impõem restrições de longo alcance.
Elas não apenas obrigam as mulheres a cobrir seus rostos e corpos em público, mas também as proíbem de levantar a voz fora de casa. A implementação cabe a rapazes que as monitoram rigorosamente e atuam como polícia moral.
Ao adaptar os livros escolares a sua ideologia, o Talibã não só legitima a violência contra meninas e mulheres e a supressão de opiniões divergentes na sociedade, mas também se esforça em garantir que as gerações futuras seguirão sua interpretação extremamente conservadora do Islã a fim de preservar seu poder no longo prazo.
"Precisamos urgentemente de um plano coordenado de educação online para todas as crianças em idade escolar do Afeganistão", reivindica Rahimi. "Atualmente, há vários projetos liderados por estrangeiros que apoiam com materiais didáticos principalmente as meninas que não têm acesso a escolas. Se esses projetos fossem mais bem coordenados, poderiam trazer uma contribuição significativa para a educação de todas as crianças no Afeganistão."
Autor: Shabnam von Hein