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‘São Paulo é onde plantei minhas raízes’: Imigrantes celebram aniversário de 471 anos da cidade

Considerada maior metrópole da América Latina, capital comemora fundação neste sábado (25), agregando culturas de todo o mundo

Por Luiza Lemos

‘São Paulo é onde plantei minhas raízes’: Imigrantes celebram aniversário de 471 anos da cidade
Imigrantes transformaram São Paulo em um lar
Arquivo Pessoal/Nataliya Shevchenko/Katerina Dokuchaeva/Wendy Herrera

Comemorando 471 anos de fundação neste sábado (25), São Paulo é considerada uma cidade cosmopolita, onde todas as culturas convivem em um mesmo espaço, habitado por mais de 10 milhões de pessoas. Seja procurando oportunidades, uma mudança de vida ou fugindo de conflitos, muitos saíram do próprio país rumo à maior metrópole da América Latina. 

Segundo dados do governo federal de 2024, somente o estado de São Paulo recebeu nos últimos 10 anos 482 mil imigrantes. E, desde a fundação em 1554, a cidade de São Paulo recebeu ao menos 150 nacionalidades diferentes, que transformaram a cultura da capital paulista. 

Tanto, que dos 1,7 milhões de imigrantes vivendo no Brasil, 20,6% estão na cidade, como informa a Organização Internacional para Migrações. A marca dos imigrantes em São Paulo é vista principalmente nos tradicionais bairros da Mooca, Brás, Liberdade, Bom Retiro e Bixiga. 

E apesar de ser apelidada de ‘Paulicéia Desvairada’ por Mário de Andrade, perplexo pelas transformações da chegada dos imigrantes no século XX ou ‘Cidade de Pedra’ por muitos que consideram a metrópole fria, há quem diga que a capital paulista abraçou a história, os costumes e mudou a vida, criando novas raízes. 

É como Euclimar Fuentes, imigrante venezuelana, classifica a cidade. Ela, que saiu da Venezuela em 2022, diz que São Paulo a ajudou a salvar a vida do filho, que tratava uma leucemia. “Ele ficou no Hospital das Clínicas, no SUS e foi muito bom. Vejo muitas oportunidades para nós aqui em São Paulo, tanto pessoal quanto profissional”, afirma. 

Ela e a família escolheram ficar em São Paulo pelo acolhimento. “É difícil encontrar um lar como imigrante, ainda mais saindo da própria terra. Mas as pessoas ajudaram muito, era a família que eu precisava”, conta. 

Tudo o que passei de ruim no meu país, foi bem recompensado aqui. São Paulo para mim é sinônimo de liberdade, é amigável, uma graça, amo a cidade - Euclimar Fuentes. 

‘São Paulo é onde joguei minhas raízes, é meu lar’

Há quase 30 anos no Brasil, Blanca Montilla chegou ao país para trabalhar como diplomata no Consulado da Venezuela e hoje é presidente da Casa Venezuela, que atende imigrantes que chegam na cidade de São Paulo. Mesmo tendo morado na França, Blanca sente que foi muito bem acolhida na cidade. “São Paulo abriu as portas, os braços, todos que encontrei foram solidários, acolhedores. A cidade me oferece muitas coisas”, afirma. 

Aqui fiquei, nasceram meus filhos, adoro a cidade. Sou praticamente paulistana de coração. Me sinto bem aqui, fiz meu lar aqui, onde joguei minhas raízes. Chegar na cidade depois de viajar é sentir um ‘ufa, estou em casa’- Blanca Montilla. 

Em 2024, a cidade registrou que vivem em São Paulo mais de 5 mil venezuelanos. A Casa Venezuela chega a atender 70 pessoas por dia, em parceria com operações do governo brasileiro, que acolhem venezuelanos refugiados. Blanca conta que a organização dá aulas de português, oficinas profissionalizantes, auxilia na inserção de venezuelanos no mercado de trabalho e até faz assessoramento jurídico para imigrantes. 

“Acho que São Paulo é acolhedora apesar da loucura, as pessoas estão dispostas a ajudar, uma vez que conhecem as histórias, confrontam a realidade de estrangeiros que largam tudo”, diz Blanca, que afirma que a cidade absorve os imigrantes, que conseguem formar núcleos e famílias. Assim, eles mantêm a sensação de estarem em casa, mesmo a mais de 6 mil km de distância. 

Wendy Herrera, que mora em São Paulo há seis anos, sente estar na Venezuela, mesmo na capital paulista. Moradora e presidente da associação Veneza City, ocupação no Sapopemba com 45 famílias, luta para sair dos barracos e transferir a comunidade para moradias sociais. 

“Somos uma família, porque perdemos tios, avós, nos reunimos e todos estão unidos, têm um porto seguro. Eu desço as escadas aqui e não vejo só minha casa. Vejo as crianças brincando, sabendo de onde vem, cada data, nossa cultura”, afirma. Para ela, Brasil é uma madrasta, porque a Venezuela será sempre a mãe. 

Apesar de sentir que São Paulo abriu as portas para ela e ser o lar, Wendy diz que ainda é reprimida pelo poder público. “Já fomos atacados aqui, ameaçaram derrubar nossas casas. Fomos reprimidos na Venezuela e somos aqui, mas a diferença é que estamos juntos”, diz. A prefeitura, por sua vez, estuda a ocupação e já anunciou que o local deve passar por uma reintegração de posse. 

‘São Paulo é acolhedora e os paulistanos trabalhadores, educados e simpáticos’

Desde 1891, São Paulo recebe ucranianos, por diversos motivos. No caso dos pais de Jorge Rybka, cônsul honorário da Ucrânia no Brasil, o motivo foi a sobrevida após a Segunda Guerra Mundial. “Meus pais foram prisioneiros de guerra pelos alemães, logo depois, a situação com os soviéticos não daria vida boa a ninguém”, diz. 

Ele conta que os pais foram bem recebidos, apesar da cultura e língua tão distantes. “Eles foram morar em Santo Amaro, onde vivemos até hoje e trabalharam como domésticos do presidente da General Motors no Brasil, mas meu pai virou empreiteiro. A cidade os acolheu, em um momento tão difícil”, afirma. 

São Paulo é a casa de cerca de 10 mil ucranianos ou descendentes, como Jorge. “São Paulo é muito grande, parece que cada um vive sua vida sem se importar com o vizinho, mas não. Quem convive com paulistano sabe que não”, celebra. 

A professora de dança Nataliya Shevchenko pode dizer o mesmo que Jorge. Ela, que já viveu no Brasil em 2006, retornou para trabalhar em São Paulo em 2022. A ucraniana chegou a se assustar com a diferença da capital com o litoral brasileiro, mas hoje é apaixonada pela metrópole. 

Todo dia descubro uma coisa nova, a sensação aqui é que o mundo é muito grande e muito pequeno. É a cidade das grandes oportunidades, tenho amor de mostrar aos ucranianos e estrangeiros as coisas lindas e bonitas de São Paulo, do Brasil - Nataliya Shevchenko. 

Para ela, São Paulo dá uma sensação de vida, de correria. “É uma correria gostosa. Tive saudade da Ucrânia nos primeiros meses, mas era a nova era da minha vida. A energia dos brasileiros aqui é única”, diz. 

Há quem também imigra para São Paulo para acompanhar oportunidades de familiares. Foi o que aconteceu com Katerina Dokuchaeva, hoje gerente de finanças, ela mora em São Paulo desde os 15 anos. Ela veio da Ucrânia quando o pai foi convidado para dar aulas na Universidade de São Paulo, a USP e decidiu ficar. 

“Inicialmente não queria ficar, queria estudar na Europa, mas com três anos de São Paulo, mudei completamente de opinião. Não nos sentimos imigrantes aqui, nos sentimos em casa, os brasileiros são muito acolhedores”, diz Katerina, que diz que o que mais gostou de São Paulo foi a variedade, as oportunidades e o calor de verão. 

“Me assustei com o trânsito, as favelas, a metrópole. Mas hoje adoro São Paulo, é minha casa. Me identifiquei com os paulistanos, que são acolhedores, mas focados, trabalhadores, simpáticos”, afirma. Katerina diz que, mesmo a 10,5 mil km de distância de casa, mantém as tradições em casa. 

“Buscamos falar na língua ucraniana, fazemos pratos típicos no dia a dia. Mesmo com uma comunidade pequena, nos unimos nos últimos três anos para ajudar os refugiados da guerra com a Rússia”, conta. 

‘São Paulo é uma nova pátria’

Esporte Clube Sírio mantém a tradição árabe em São Paulo | Flickr/Esporte Clube Sírio

Lar da maior comunidade árabe no Brasil, São Paulo tem a história marcada pela descendência de imigrantes vindos do Oriente Médio, sobretudo do Líbano e Síria. O Brasil tem a maior comunidade libanesa fora do país, com uma comunidade de 10 milhões de pessoas, o dobro da população no Líbano. 

A população síria, por sua vez, é estimada de até 4 milhões de pessoas no Brasil. Gabriel Sayegh, diretor cultural do Núcleo Árabe do Clube Sírio de São Paulo e filho de imigrantes sírios, afirma que a cidade se tornou uma nova pátria para a comunidade árabe. 

Aqui se desenvolveram, enriqueceram, tiveram filhos. Foi uma nova vida, uma nova pátria - Gabriel Sayegh. 

Segundo ele, os árabes não se sentiram discriminados. “Foram muito bem recebidos aqui, só tenho gratidão ao Brasil e a São Paulo. A cidade abraçou todas as culturas, aqui tem bairro japonês, de chinês, de árabes, de italianos. Então todas as comunidades são bem recebidas, se integraram muito bem”, afirma. 

A pesquisadora Christina Queiroz, diretora de Comunicação do ICArabe, explica que os árabes vieram ao Brasil principalmente para fugir de conflitos territoriais e também pela amizade de D.Pedro II, que conheceu a região no século XIX. “Era uma vontade dele de tornar o Brasil conhecido no Oriente Médio, então ele quis fomentar a imigração, ainda mais com o tratado de amizade entre Brasil e o Império Otomano na época”, conta. 

A chegada em São Paulo, segundo Queiroz, foi improvisada. “Chegavam pais, filhos e se instalavam, logo traziam a família. Mas não foram bem acolhidos logo de cara, pelos hábitos culturais e o idioma, foi um processo de integração e, até então, aceitação do povo brasileiro”, afirma. 

Apesar disso, tanto ela quanto Sayegh afirmam que a população árabe deixou sua marca em São Paulo e no Brasil. “A gastronomia, a língua portuguesa e a literatura tiveram grandes impactos da cultura árabe”, explica a pesquisadora. 

“Pimenta, noz-moscada, cravo e canela, até o cafezinho tem marcas da cultura árabe. Além do kibe e esfiha, que são conhecidos no Brasil”, complementa Gabriel Sayegh. 

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