A lógica estava correta: o caso Venezuela precisa ser resolvido. Caso contrário, milhões de refugiados ou mesmo uma guerra pela Guiana, na fronteira com o Brasil, seriam iminentes. E assim o Brasil fez o papel de fiador no acordo de Barbados, no qual, em outubro de 2023, Maduro prometeu à oposição eleições justas.
Entretanto, diante dos acontecimentos ocorridos desde o domingo de eleições presidenciais venezuelanas, integrantes do governo reunidos a portas fechadas em Brasília devem estar se perguntando como é que se meteram nessa furada. Era previsível que Nicolás Maduro não fosse honrar a sua promessa de eleições justas. Afinal de contas, ele está usando todos os truques possíveis para manter a si próprio e a sua camarilha no poder.
Lula sempre procurou manter boas relações com o ex-presidente Hugo Chávez e seu sucessor, Maduro, mesmo que isso tenha lhe causado repetidas dores de cabeça na política doméstica e fornecido ao campo opositor de Jair Bolsonaro munição para lutas políticas internas. Em maio de 2023, inclusive, Lula defendeu Maduro, afirmando que ele era um democrata e vítima de falsas narrativas.
Maduro retribuiu recentemente ao camarada com desdém e escárnio - começando com o conselho de que Lula deveria beber um chá de camomila caso estivesse nervoso com o anúncio feito pelo presidente venezuelano de que haveria um banho de sangue se a oposição vencesse na Venezuela, até uma zombaria do sistema eleitoral brasileiro à la Bolsonaro.
E agora Maduro simplesmente se declarou o vencedor das eleições. Lula e o seu braço direito, Celso Amorim, não têm outra alternativa senão pressionar pela publicação das atas, que podem confirmar o resultado. Isto faz com que Lula ganhe tempo: enquanto os documentos não estiverem disponíveis, ele não tem que declarar se reconhece ou não a eleição. É de se supor que as atas jamais serão publicadas.
Um grupo de países democráticos latino-americanos, por outro lado, expressou rapidamente dúvidas mais ou menos diretas sobre as eleições, incluindo governos de esquerda. Foi o caso do esquerdista chileno Gabriel Boric e do ultradireitista argentino Javier Milei. Maduro, que não tolera a dúvida e a discordância, tratou então de expulsar da Venezuela os diplomatas dos países questionadores.
Autocratas celebram Maduro
Por outro lado, os autocratas do mundo apressaram-se em felicitar Maduro, incluindo os ditadores da Síria, da Rússia, de Cuba e da Nicarágua, que sempre acham maravilhoso quando um ditador se legitima através de eleições fraudulentas.
Satisfeitos também ficaram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula, que falaram de uma "jornada pacífica, democrática e soberana" no país vizinho. Esse é o mesmo PT que falou de golpe e da destruição da democracia brasileira em 2016, quando o Congresso brasileiro destituiu Dilma Rousseff num processo que seguiu as regras. Mas o partido não parece ter problemas com pessoas como Maduro ou Daniel Ortega, da Nicarágua.
Com seu aceno ao regime de Maduro, a credibilidade do PT como defensor da democracia despencou até o fundo do poço. Enquanto ditadores como o venezuelano forem vistos como inimigos dos EUA, certamente terão o apoio dos dinossauros da esquerda. O campo de Bolsonaro já deve estar esfregando as mãos.
Só podemos ter pena de Lula, cuja incursão na grande política mundial foi um fracasso retumbante. Agora, pelo menos, ele deveria evitar ser ainda mais ridicularizado por Maduro. Lula, no entanto, não dispõe dos meios necessários para provocar uma mudança democrática na Venezuela.
Lula parece agora estar fazendo ouvidos de mercador e olhos de cego. Na terça-feira, declarou que não tinha visto nada de "anormal, grave ou assustador" ao analisar os acontecimentos em torno das eleições. Se a oposição dúvida da lisura da eleição de Maduro, que recorra à Justiça. Que palhaçada!
Mas os protestos contra Maduro na Venezuela seguem aumentando. Várias mortes foram relatadas, além de centenas de detenções, incluindo a de um líder da oposição. Isto será apenas o início. Porque ditadores como Maduro nunca saem por vontade própria.
Em sua luta pela sobrevivência, acabam arrastando consigo o seu próprio país e centenas de milhares de cidadãos. Basta olhar para Cuba, Nicarágua e Rússia. A Lula, só resta construir rapidamente centros de acolhimento para a próxima onda de refugiados venezuelanos.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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Autor: Thomas Milz