Seis pontos da investigação da PF que ligam Bolsonaro à tentativa de golpe de Estado

Entenda quais os indícios encontrados pela Polícia Federal de envolvimento do ex-presidente em plano de afastar o então presidente eleito Lula e se perpetuar no poder

Por Deutsche Welle

Jair Bolsonaro
REUTERS/Amanda Perobelli

O ex-presidente Jair Bolsonaro é suspeito de estar no centro da articulação de um plano golpista para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com investigação da Polícia Federal concluída na quinta-feira (21).

Entusiasta do golpe militar de 1964, Bolsonaro disseminou mentiras sobre o processo eleitoral, desacreditou o resultado das urnas, atacou sistematicamente instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e estimulou a população a participar de atos golpistas que culminaram nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Agora, a investigação policial apontou que o ex-presidente estaria envolvido na elaboração de um decreto para anular o resultado das eleições e até em uma trama para matar o presidente Lula e abrir os caminhos para um golpe de Estado. A PF afirmou em seu relatório que Bolsonaro, além de outros 36 indiciados, cometeram os crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, o que eles negam.

A conclusão dos trabalhos da PF vem uma semana depois do atentado de um homem com explosivos na Praça dos Três Poderes e dois dias após a corporação cumprir mandados de prisão contra quatro militares e um policial federal que teriam montado um plano para matar Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

É o terceiro – e mais grave – indiciamento de Bolsonaro. Ele é objeto de duas outras frentes de investigação: por joias recebidas do governo da Arábia Saudita e pela falsificação de certificados de vacinas contra a covid-19.

Entre os indiciados estão ainda o general da reserva Walter Braga Netto, que foi ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro, o general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin), e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro.

Declarado inelegível pelo TSE até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro pode ser condenado a até 28 anos de prisão e ficar mais 30 anos inelegível caso seja condenado pelos crimes indicados nesta semana pela PF.

O indiciamento não significa condenação, mas reflete a conclusão da PF de que há provas suficientes para conectar Bolsonaro à articulação golpista. Até o momento, o ex-presidente não é réu nesses casos. Cabe à Procuradoria Geral da República (PGR) avaliar se haverá uma denúncia criminal. Na sequência, o STF decide se aceita ou não a denúncia, o que o tornaria réu.

O relatório tem cerca de 700 páginas, que Bolsonaro falou ser resultado de "criatividade". Nelas, a PF detalhou que apurou provas "ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões".

De acordo com o documento, encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, os indiciados se estruturaram e dividiam tarefas para executar os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Entenda a seguir quais os elementos que a PF reuniu para indiciar o ex-presidente.

Reuniões com o comando das Forças Armadas

Segundo as investigações, Bolsonaro teve ao menos duas reuniões com o comando das três Forças Armadas, ministros e assessores em que discutiu a ideia de golpe de Estado. De acordo com a PF, o plano não se concretizou porque não teve o endosso do então comandante do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos de Almeira Baptista Júnior.

Em depoimento à PF, o ex-chefe da Aeronáutica disse que chegou a ameaçar prender Bolsonaro caso ele tentasse executar o plano golpista.

Os ex-comandantes relataram que o plano de Bolsonaro considerava as hipóteses de instaurar Estado de defesa ou de sítio, e lançar mão de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

A PF também encontrou alusões a Bolsonaro e sua possível participação na trama em minutas de teor golpista.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, já havia afirmado, em sua delação à PF, que o ex-presidente se reuniu com a cúpula das Forças Armadas logo após a derrota nas eleições presidenciais de 2022 para discutir uma minuta que anularia o pleito e resultaria em uma intervenção militar.

Documentos apreendidos

Pessoas próximas ao ex-presidente discutiram formas de reverter o processo eleitoral antes e depois da eleição de 2022.

Na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, a PF encontrou o rascunho de um decreto que previa uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após as eleições de 2022 – com dia e mês em branco e o nome de Bolsonaro, mas sem assinatura.

De acordo com as investigações, Bolsonaro teve acesso ao texto que previa a prisão de ministros do STF, do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e a realização de novas eleições no fim de 2022. A primeira versão foi entregue pelo então assessor especial da Presidência, Filipe Martins, a Bolsonaro, que teria pedido modificações no texto.

Plano de assassinato impresso no Palácio do Planalto

O general Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, que chegou a ser ministro interino da pasta, esteve na dianteira do suposto plano para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre Moraes.

O objetivo, segundo a investigação, era criar um " Gabinete Institucional de Gestão da Crise " após os assassinatos, formado por militares simpáticos a Bolsonaro. Os planos consideravam envenenamento como forma de acabar com a vida dos alvos.

A PF encontrou indícios de que assessores próximos a Bolsonaro monitoraram a rotina do ministro do STF Alexandre de Moraes, com o intuito de sequestrar e matar o magistrado. Mário Fernandes teria organizado a operação para monitorar Moraes.

O plano tinha nome: "Punhal Verde e Amarelo". A investigação aponta que, em 16 de dezembro de 2022, Mário Fernandes fez seis cópias do arquivo o que indica, segundo os investigadores, que seriam distribuídas em uma reunião.

Registros de entrada do Palácio da Alvorada do dia seguinte, 17 de dezembro, mostram que Mário Fernandes esteve na residência oficial da Presidência.

Militares treinados em operações especiais foram destacados para o plano, sob coordenação direta de aliados próximos de Bolsonaro, incluindo o ex-ajudante Mauro Cid. Um dos envolvidos estava infiltrado na segurança de Lula durante o período de transição presidencial.

Trocas de mensagens

A investigação identificou trocas de mensagens entre assessores diretos de Bolsonaro indicando que o então presidente estava ciente e possivelmente orientando atividades relacionadas ao golpe.

Em mensagem enviada a Mauro Cid em 8 de dezembro de 2022, o general Mário Fernandes afirmou que conversou com o então presidente sobre supostas ações golpistas.

O general pressiona Cid a convencer Bolsonaro a agir antes que o comando do Exército seja transferido para os militares indicados pelo então presidente eleito Lula, o que desmobilizaria o movimento golpista. Cid respondeu que Bolsonaro "está esperando, para ver os apoios que tem".

Participação do vice

A casa do general Walter Braga Netto, que havia sido candidato a vice na chapa de Bolsonaro, foi usada para uma reunião no dia 12 de novembro de 2022 que teria dado início ao plano de assassinato.

Na ocasião, foi discutido o plano para matar Lula, Alckmin e Moraes. Segundo a PF, o monitoramento do magistrado começou a ser feito "logo após a reunião".

Antes das eleições

Em julho de 2022, Bolsonaro esteve reunido com membros do primeiro escalão no Palácio do Planalto e defendeu uma ação antes mesmo das eleições.

O general Augusto Heleno, na época chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), defendeu que a "mesa" tinha que ser virada antes do resultado das urnas.

sf/cn (ots)

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