"Se os europeus não se mexerem, Trump poderá enfraquecer a Otan"

Em entrevista, Rubens Ricupero avalia que volta de Trump terá consequências mais negativas para a Europa do que o Brasil. Ex-ministro, porém, aponta que protecionismo do republicano pode impactar exportações brasileiras.

Por Deutsche Welle

Os desdobramentos da eleição de Donald Trump à presidência americana serão mais intensos e com consequências mais negativas para blocos como a União Europeia do que para países como o Brasil. Essa é a avaliação de Rubens Ricupero, ex-subsecretário-geral da ONU e ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda.

"Ou assumem de fato, não de boca, a necessidade de ter uma política externa e de defesa comum efetiva, botando a mão no bolso para gastar em defesa, tornando-se menos dependentes do ‘guarda-chuva' de proteção dos americanos, ou vão ter de ceder frente aos russos na Ucrânia", disse o diplomata sobre as potenciais consequências para EU, em entrevista exclusiva à DW.

O diplomata também apontou que Trump, em seu caminho para vitória, captou com "intuição certeira" o descontentamento principalmente da população branca, mais pobre, menos instruída e menos qualificada dos EUA.

"As lideranças mundiais não foram capazes de superar a profunda insatisfação com o sistema político-econômico-social, a perda da esperança para os setores populares e intermediários, a absurda concentração da riqueza e da renda. Trump tampouco será capaz de fazer isso, mas ele parece ao menos encarnar a insatisfação", avalia Ricupero.

DW: Como o senhor avalia o resultado das eleições nos Estados Unidos desta semana?

Rubens Ricupero: Aumenta a incerteza na economia mundial. É um retrocesso na luta contra a mudança climática, mas as principais consequências serão sobretudo para os próprios norte-americanos, para o bem e para o mal. Em segundo lugar, será complicado para a Europa, muito mais que para o Brasil, por razões que explicarei em outra resposta.

O que a eleição de Trump e a expressiva votação que ele recebeu indicam?

Ele capta com intuição certeira o descontentamento da população norte-americana, em especial dos brancos mais pobres, menos instruídos, menos qualificados. Os democratas [que lançaram a candidata derrotada Kamal Harris] se converteram no partido da parcela mais educada da população, perderam o apoio popular e ficaram prisioneiros de agenda identitária de minorias.

Poderia elaborar mais ...

Nem Biden, nem os demais líderes ocidentais, em especial na Europa, foram capazes de superar a profunda insatisfação com o sistema político-econômico-social, a perda da esperança para os setores populares e intermediários, a absurda concentração da riqueza e da renda. Trump tampouco será capaz de fazer isso, mas ele parece ao menos encarnar a insatisfação e a frustração com o status-quo.

À época em que ocupou o cargo de secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), entre 1995 e 2004, o senhor fez um alerta sobre o risco da globalização para as desigualdades globais. A eleição de um líder personalista é reflexo deste alerta?

A crescente desigualdade é o problema de fundo que as sociedades ocidentais não se dispõem a enfrentar. Pior que os Estados Unidos, onde ao menos Biden tentou, me parece a situação da União Europeia, ancorada ainda numa política econômica liberal que só agrava as desigualdades.

Como ficam perspectivas globais a partir desta eleição?

Muito piores, incomparavelmente piores que para o Brasil, me parecem as perspectivas para a União Europeia. Finalmente, chega para os europeus em geral e para os alemães em particular a "hora da verdade": ou eles assumem de fato, não de boca, a necessidade de ter uma política externa e de defesa comum efetiva, botando a mão no bolso para gastar em defesa, tornando-se menos dependentes do "guarda-chuva" de proteção dos americanos, ou vão ter de ceder frente aos russos na Ucrânia.

E do ponto de vista da guerra na Ucrânia?

Esta, sem proteção, terá de ceder território e abrir mão da ideia de aderir à Otan. Aliás, se os europeus não se mexerem, Trump poderá enfraquecer a Aliança Atlântica em definitivo.

E quanto ao Brasil e as relações bilaterais Brasil-Estados Unidos?

Para o Brasil, a situação não é tão perigosa. Não temos, nem a América do Sul, problemas de segurança externa, estamos muito longe da Rússia, Ucrânia, faixa de Gaza. Não dependemos de proteção militar norte-americana. O mercado dos EUA para as exportações brasileiras está longe de ter a importância do da China (28%) ou da Ásia como um todo (quase 50%). Muitas das exportações brasileiras aos EUA são manufaturas de empresas norte-americanas que investiram no Brasil.

Que efeitos possíveis poderão, então, ocorrer?

Haverá consequências para exportações de aço, siderurgia em geral, como já ocorreu no mandato anterior de Trump. Para o comércio, as consequências serão mais de natureza global: vai se acentuar a tendência ao protecionismo e ao enfraquecimento da Organização Mundial de Comércio e suas regras.

Autor: Nilson Brandão

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