São Paulo completa 470 anos de história nesta quinta-feira (25), e boa parte dessa trajetória foi construída pelos imigrantes e migrantes que escolheram a capital paulista como um novo lar. Seja procurando novas oportunidades, ou uma mudança de vida, muitos optam pela ‘terra da garoa’, transformando também a cultura da cidade.
Segundo dados da prefeitura, ao menos 400 mil estrangeiros moram legalmente na cidade, mas, desde a fundação em 1554, estrangeiros transformaram a região em um lar com mais de 70 nacionalidades. Por isso, São Paulo é um dos lugares mais diversos no Brasil. A capital também foi construída pelos migrantes, vindos na época das colheitas de café e nos anos 90, principalmente dos estados do Norte, Nordeste e Minas Gerais, pelas oportunidades de emprego.
Nestes quase 500 anos, São Paulo acolheu muitos que decidiram transformar a capital paulista em lar. Apesar do senso comum de que a metrópole é fria e pouco acolhedora para os que cogitam se mudar para a cidade, há quem considere a ‘selva de pedra’ um fator crucial na trajetória de vida.
É o caso de Robert Rosselló e Gustavo Catunda. Os engenheiros decidiram sair da seriedade e do tempo seco de Brasília para começar uma nova vida na terra da garoa há dois anos. Mesmo com a fama da cidade de ser pouco acolhedora, os dois tinham uma ideia bem diferente do que é São Paulo.
O casal, que trabalhava no ramo da construção, mudou radicalmente de vida e hoje atuam como influenciadores digitais. “A decisão de ter vindo foi acertada da nossa vida, a vida profissional, mesmo sendo totalmente diferente, deslanchou. A cidade nos proporcionou essa mudança”, diz Gustavo.
Gustavo, que é brasiliense, sempre pensava que São Paulo era o lugar dele no mundo, principalmente pela diversidade que a metrópole tem. “Sempre tive uma sensação de pertencimento pela cidade ser cosmopolita, mas quando vi pela primeira vez a Avenida Paulista, a região do parque do Povo, o trem na Marginal Pinheiros, aquilo fez meu coração acelerar”, conta.
Já Robert, que é de Cuba, diz ter se sentido mais acolhido em São Paulo, mesmo sendo imigrante e da comunidade LGBTQIAP+. “Sempre tive uma paixão por São Paulo, uma cidade que sempre me atrai. Era meu grande sonho e com uma oportunidade de emprego, pegamos tudo, embarcamos e nos motivamos a mudar”, diz.
"Desde o primeiro momento nos sentimos super acolhidos pela cidade. É um estilo de cidade que a gente gosta muito, uma cidade que não dorme, então foi fácil nos identificarmos. A gente sempre falou que só sairíamos de Brasília se a gente fosse para São Paulo”, diz Robert Rosselló
Apesar do medo de enfrentarem o crescimento dos filhos sozinhos e sem uma rede familiar, Robert e Gustavo se surpreenderam ao verem o acolhimento de vizinhos, amigos e conhecidos pela cidade. “Só recebemos amor, não esperava receber tanto calor humano. Quando vamos na feira, os feirantes nos conhecem, sabem as frutas que os pequenos gostam, então sentimos que foi possível construir uma sensação de comunidade, algo que não tínhamos em Brasília”, pontua Gustavo.
O casal, que já morou próximo à Faria Lima e agora em Cerqueira César, sente que pode experienciar várias ‘São Paulos’ em uma só. “Já tivemos duas experiências, é praticamente mudar de cidade dentro da mesma cidade. Por isso penso que para cada perfil de pessoa, existe uma São Paulo perfeita”, afirma Gustavo.
“São Paulo mudou o rumo da minha vida”
Decidida a mudar de vida e expandir os novos horizontes além dos mares de São Luiz, em Maranhão, Vanessa Növaz não pensou duas vezes quando passou em uma faculdade de São Paulo pelo ProUni. A jovem, que já pensava em um dia morar em São Paulo, decidiu largar as praias e enfrentar a terra repleta de prédios.
“A mudança foi repentina, vim para estudar e o acolhimento foi muito rápido. Em dois meses tinha um emprego e, comparando a outros lugares, a cidade me acolheu muito mais rápido”, conta.
Para a maranhense, que mora atualmente no Parque Doroteia, na zona sul, a cidade tem “importância quase que imensurável” na vida dela. “Estar aqui me fez almejar coisas que nem imaginava antes. Além disso, me conectou com muitas pessoas, diversas, me fez conhecer a pessoa com quem noivei, construí uma casa, tudo isso tem uma importância muito grande”, diz.
“O que me impactou mais foi a facilidade de acesso a eventos culturais, lazer, espaços de cultura. Fiz tours por museus, teatros, centros culturais, parques e todos os locais ou eram de graça, ou acessíveis. Qualquer lugar que você vá, sempre terá algo acessível”, diz Vanessa.
Mesmo sendo migrante, Vanessa sente que não sofreu discriminação na cidade. “Mesmo se deparando com pessoas com pensamento mais retrógrado, sempre fui bem acolhida por São Paulo”, diz.
“O que mais me surpreendeu é a quantidade de gente, como é lotada! Tive até um impacto quando fui na estação do Brás pela primeira vez, que vi aquela galera saindo do metrô e fazendo a baldeação, todo mundo andando no mesmo sentido”, brinca Vanessa
A cidade é tão importante, que Vanessa já planeja trazer a família para São Paulo. “Penso em trazer minha irmã para cá e penso que logo após a outra irmã, meus pais, justamente pela importância da cidade na nossa vida. Por isso digo que mudou minha vida e outras ao meu redor”, afirma.
“Há amor em São Paulo”
Em meio ao labirinto de prédios e grafites, o mineiro Jean Gutti descobriu que existe, sim, amor em São Paulo. Ele, que é agente de modelos e mora há 10 anos na capital paulista, transformou a cidade em lar e construiu uma família no lugar. “É meu lar, não me imagino saindo daqui. Fiz uma rede familiar e me casei, meu marido é de São Paulo, e é como diz: há amor em SP, então a família dele se tornou a minha”, afirma.
Jean, que saiu de uma cidade com 590 mil habitantes e atualmente mora na Consolação, diz que a cidade de mais de 12 milhões de habitantes tem importância total na mudança de vida dele. “Não teria evoluído tanto na vida profissional quanto pessoal. Ela tem muita cultura, tudo o que quer fazer, é possível, ela te proporciona”, diz.
“A cidade te empurra para viver, ou você acompanha, ou a cidade te engole”, afirma Jean.
O mineiro diz ter se surpreendido pelo contato que tem com a natureza, mesmo estando na ‘selva de pedra’. “Tinha a visão que a cidade era industrial, fria, mas vivendo aqui, vi que tem natureza, parques, uma qualidade de vida”, pontua.
E a mudança para São Paulo fez Jean entender que é preciso ser forte para ficar longe de casa. “Digo força em todos os sentidos. Tanto para se adaptar, quanto para crescer, evoluir, pegar o ritmo. Mas depois que você entende, vê que é capaz e te dá segurança. São Paulo significa força, que me deu até na vida, dado o que vivi nessa cidade maravilhosa", celebra.
“Me sinto mais à vontade aqui”
A carioca Aline Coelho decidiu trocar as praias e o calor do Rio de Janeiro e mudar para a capital dos prédios e das chuvas.
Ela conta que teve vontade de morar na cidade e decidiu cumprir com o desejo assim que teve oportunidade, trocando o biscoito pela bolacha. “Vim para São Paulo porque sempre me senti à vontade aqui, mais até do que no Rio. Encerrei um ciclo de vida na cidade e tomei essa decisão, por não ter mais vontade de viver lá. Já tinha amigos e amigas aqui, então não vim ‘sozinha’, contei e conto com o apoio e o afeto deles”, afirma.
“São Paulo é múltipla. É onde posso ser do meu jeito sem receber olhares estranhos, é acolhimento mas também pode ser solidão. É barulho, mas esconde lugares silenciosos. É diversidade, movimento e também contemplação”.
Além do acolhimento que recebeu mesmo sendo de fora, a diversidade da metrópole a surpreendeu. Ela, que mora atualmente no bairro Santa Cecília, se sente mais livre no local. “A liberdade de existir de vários modos, sinto que não tem um ‘jeito certo’ de existir aqui”, conta. E justamente o estilo de vida mais cultural a fez identificar com a cidade. “Sinto que sempre me identifiquei mais com o ‘jeito de ser’ do paulistano do que com o carioca”, brinca.