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Retrospectiva 2022: o ano de reviravoltas na política

O último de "quatro anos eleitorais" teve avanços importantes para a frágil democracia brasileira

Narley Resende

Luiz Inácio Lula da Silva participa de comício em Curitiba, 17/9/2022 REUTERS/Ueslei Marcelino
REUTERS/Ueslei Marcelino

O cenário político de 2022 teve uma reviravolta exponencial. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na eleição passada, estava preso e o atual havia sido alavancado na corrida presidencial por um atentado sofrido em Minas Gerais. Na ocasião, com o principal adversário fora do caminho, Jair Bolsonaro (PL) fez 57 milhões de votos. Agora é Lula quem se prepara para subir a rampa do Planalto, alçado por 60 milhões de votos, enquanto Jair Bolsonaro, derrotado, está há quase dois meses praticamente em silêncio, o que destoa da expectativa de que ele liderasse uma oposição ao governo eleito. Quem imaginaria que um presidente falastrão, que lançou as inéditas lives semanais ao logo de quatro anos para comentar centenas de assuntos, seria silenciado pelo receio de penalizações judiciais? 

A narrativa sobre o que era o momento político brasileiro foi alterada em 2022. O que era convicção em 2018 foi revisado, esclarecido e relativizado. O contexto mudou completamente. 

Entre os fatos marcantes que ajudaram na nova interpretação da realidade, a instabilidade e o trauma do isolamento, presentes neste ano, ajudaram a na nova composição. O ano apresentou os danos colaterais de uma pandemia de contornos inéditos na história da humanidade, uma guerra na Europa em moldes de meados do século XX, a consolidação da chamada “nova direita” e seus desmembramentos. As consequências do “golpismo”, legado de um discurso de ataques às instituições democráticas também convertidas em respostas e mecanismos de defesa. 

Embora o discurso violento como estratégia eleitoral tenha resultado em um fim de ano com atos previsivelmente belicosos, a democracia saiu fortalecida e cada vez mais defendida em contrapartida aos ataques antidemocráticos.  

No “bolsonarismo” como movimento, o lema “Deus Pátria e Família” apregoado ao longo do mandato de Bolsonaro evoluiu pouco antes da campanha eleitoral de 2022 para “Deus, pátria, família e liberdade”, quando tornou-se conveniente associar a condição de “liberdade” a anseios de uma parcela recentemente politizada da população. Antes associado apenas ao liberalismo econômico, o termo passou a ser usado por essa corrente ideológica a um tipo de “liberdade de expressão”, que envolve distorções, narrativas, ofensas e mentiras. 

As reações institucionais a esse fenômeno também são destaque do ano. 

A ascensão do “lulismo”, em um governo “Lula III”, terá desafios no futuro que foram assimilados ao longo de 2022. A militância petista e antibolsonarista aprendeu a usar a internet, mas ainda tem pela frente uma oposição consolidada e, em partes, radicalizada. 

A composição da nova gestão tem o desafio de equilibrar a pluralidade existente na “Frente Ampla”, necessária para alterar os rumos da frágil democracia brasileira.  

Último de quatro anos eleitorais 

Pela primeira vez desde a redemocratização em 1989, as emissoras de TV aberta tradicionais, como Band e Globo, decidiram divulgar pesquisas de intenções de voto à Presidência da República mais de um ano antes do período eleitoral. A decisão parte do fato de o atual presidente, Jair Bolsonaro, ter ele mesmo divulgado pesquisas eleitorais e ter mantido ao longo de todo mandato uma postura claramente intencionada ao pleito de 2022

Essa postura antecipou o debate sobre a eleição. Chegado o ano eleitoral, diversas medidas, como o pagamento de auxílio sem estar atrelado a outras políticas públicas, além de benefícios concedidos a bases eleitorais específicas, como policiais, caminhoneiros e taxistas foram ainda aceleradas na reta final das eleições

Rússia invade Ucrânia e o posicionamento do Brasil

Em 24 de fevereiro de 2022, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou uma “operação militar especial” com o objetivo de defender as repúblicas separatistas de Donbass, no Leste da Ucrânia. A guerra em solo ucraniano permanece desde então e estima-se que a invasão tenha causado aproximadamente 250 mil mortes até agora. 

O posicionamento do Brasil foi criticado internacionalmente e, em julho, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, cobrou adesão por parte do Brasil de sanções contra a Rússia. 

Na semana anterior ao início do conflito armado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) havia realizado uma visita oficial à Rússia, ocasião na qual fez elogios a Putin, bem como declarou solidariedade ao país — nesse contexto, já existia a iminência de invasão do território ucraniano.

Apesar da neutralidade ser condizente com a tradição diplomática do país, “a viagem oficial até a Rússia e as palavras do presidente não são de neutralidade, mas, sim, de uma preferência aos interesses da Rússia”, disse na ocasião o general Paulo Chagas (Podemos-DF). 

Apesar do governo brasileiro ter hesitado em tomar uma posição inicialmente, a missão brasileira no Conselho de Segurança das Nações Unidas, votou de modo favorável a uma resolução que condenava a invasão da Ucrânia.

Então, as tropas russas invadiram a Ucrânia e nos dias posteriores foram intensificadas as ofensivas. Diante do conflito, a comunidade internacional entrou em estado de alerta e os líderes de Estado começaram a se posicionar. Portanto, o cenário exigia também uma posição do Brasil, sendo que a tradição diplomática do país, historicamente, é pautada pela imparcialidade.

Eleições 

Entre as marcas das Eleições Gerais de 2022, a insistência do candidato derrotado à Presidência da República Jair Bolsonaro em colocar sob suspeita o sistema eleitoral brasileiro e a segurança das urnas eletrônicas fez com que instituições nacionais e internacionais tomassem posicionamentos inéditos para combater a falsa narrativa e consolidar a credibilidade do Estado.  

Diante dessa política nacional conturbada, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) buscou apoio nas Missões de Observação Eleitoral como estratégia para conter ações que poderiam ameaçar as eleições.

Autoridades e entidades de observação eleitoral como a União Europeia, a Organização dos Estados Americanos e o Carter Center atenderam ao pedido e elaboraram relatórios endossando o resultado das eleições. 

Para combater a prevista epidemia de notícias falsas, o TSE ampliou seu poder de polícia e passou a ter poder de remover fake news da internet sem necessidade de provocação por parte do Ministério Público ou sociedade civil. A medida passou a ser possível quando o sistema eleitoral propriamente dito foi alvo de informações falsas com objetivo de tumultuar o processo.  

Carta aos Brasileiros

Em 11 de agosto de 2022, Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) elaborou uma carta em defesa do Estado Democrático de Direito. O manifesto em defesa da democracia teve como objetivo reforçar o compromisso social com a democracia e combater as fake news sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral do Brasil. Ainda, a carta contou com a assinatura de acadêmicos, artistas, políticos e outros setores da sociedade, incluindo banqueiros e empresários. 

A grande adesão deixou claro que a sociedade civil presa pela estabilidade do Estado. 

Essa mobilização popular foi considerada crucial para garantir o Estado democrático e evitar investidas contra o resultado das Eleições de 2022. 

Frente Ampla

Para alcançar o que deve ser seu último ato com mandato eletivo, Lula uniu forças distintas do espectro político, da esquerda à centro-direita, formando a frente mais ampla desde as Diretas Já, que inaugurou o período histórico.

Um vídeo em que um nonagenário Fernando Henrique Cardoso aparece de terno e gravata e conjuga na mesma fala a estabilidade econômica do Real à preocupação social dos governos lulistas é um epílogo até há poucos anos inimaginável para a disputa entre PT e PSDB, a mais persistente e representativa da era que agora caminha para o fim. 

A presença de Geraldo Alckmin como vice na chapa da última batalha de Lula foi o primeiro gesto dessa formação inédita, operada pela percepção de que o bolsonarismo é um movimento reacionário, de negação da política, que colocou em xeque o Estado Democrático de Direito.

A frente ampla de Lula uniu a ele além de FHC, Geraldo Alckmin, Dilma Rousseff, Marina Silva, Simone Tebet, Henrique Meirelles, Guilherme Boulos, José Sarney, Cristovam Buarque, Fernando Haddad, João Goulart Filho, Luciana Genro, entre outros líderes presidenciáveis, juristas, economistas e empresários dos mais diversos espectros políticos e ideológicos.  

O desafio do novo governo é acomodar essas e outras distinções ideológicas unidas em nome de um discurso de reabilitação da democracia. 

Polarização e Debate da Band

As Eleições Gerais de 2022 foram as mais polarizadas desde a redemocratização. Os dois candidatos mais votados no primeiro turno das eleições, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), disputaram um segundo turno acirrado. 

As campanhas eleitorais foram marcadas por inúmeras trocas de acusações. 

O ponto alto do conflito foi o Debate da Band, marca histórica do primeiro confronto direto entre Lula e Bolsonaro após quase uma década de polarização entre “esquerda e direita”. 

O programa que transmitiu o embate do primeiro turno foi o vídeo mais visto em 2022 no YouTube. Em lista divulgada início de dezembro, o vídeo com mais de 14 milhões de visualizações e quase quatro horas de transmissão alcançou o primeiro lugar na plataforma. 

O programa, de 28 de agosto de 2022, foi formado por um pool de grupos de mídia entre o Grupo Bandeirantes de Comunicação, a TV Cultura, o jornal Folha de S.Paulo e o portal UOL para o encontro entre os presidenciáveis Felipe D'Ávila (Novo), Soraya Thronicke (União), Simone Tebet (MDB), Jair Bolsonaro (PL), Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT).

debate promovido pela Band segundo turno, com Lula e Bolsonaro, bateu o recorde de visualizações no YouTube Brasil como a maior live jornalística da história da plataforma. 

O formato inovador, idealizado pelo jornalista Fernando Mitre, permitiu que os candidatos circulassem pelo estúdio e ficassem muito próximos. O estilo foi considerado um sucesso e reproduzido por outras emissoras.

As buscas por temas relacionados à eleição foram recorde no Google em 2022 – nunca os brasileiros buscaram tanto por um pleito quanto neste ano. O interesse atual foi 30% maior do que o registrado em 2018.

Vitória apertada

Eleito pela terceira vez presidente do Brasil, o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva é presidente mais votado da história na democracia brasileira. Ele bateu o próprio recorde, de 2006, e fez 60.345.258 votos neste ano. O segundo turno teve o maior pleito em 90 anos de existência da Justiça Eleitoral. 

A eleição de Lula, depois de passar 580 dias preso, foi reviravolta histórica na democracia. Com trajetória de retirante, metalúrgico, sindicalista e presidente, o ciclo de Lula se confunde com o amadurecimento democrático do Brasil.

Em votação apertada, Lula foi eleito presidente do Brasil com 50,90% dos votos, enquanto Bolsonaro obteve 49,10% dos votos. 

Bolsonaro se tornou o primeiro presidente que não conseguiu se reeleger desde 1998, quando passou a valer a regra para a reeleição do Poder Executivo no País. 

Mas o resultado não teve uma boa recepção por parcela da sociedade brasileira que chegou a obstruir rodovias em várias regiões do País.

Bloqueio de rodovias após resultado das eleições

Após a apuração dos votos e a eleição de Lula como presidente do Brasil, grupos que não aceitaram o resultado favorável ao petista foram às ruas e obstruíram o tráfego de mais de 150 rodovias pelo País. 

Os atos causaram transtornos em diversas regiões, além de problemas na mobilidade urbana, desabastecimento de produtos, suspensão de serviços da área da saúde e chegaram a causar conflitos, acidentes, atropelamentos e até a morte de pessoas, direta ou indiretamente. 

Nesse contexto, houve a cobrança de autoridades políticas e a pressão da sociedade civil para que ocorresse o desbloqueio das rodovias a fim de assegurar a segurança pública brasileira e respeitar o Estado democrático.

Por isso, em 31 de outubro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a PRF (Polícia Rodoviária Federal) e as polícias militares de cada estado liberassem as rodovias.

STF

Além de ações imediatas de desobstrução de vias públicas, o STF teve protagonismo na política brasileira em 2022. Assim como outras instituições democráticas, a Corte guardiã da Constituição sofreu diversos ataques ao longo ano. Apoiadores de Bolsonaro, encorajados pelo próprio presidente, deram continuidade a uma sequência de hostilidades permanentes nos últimos anos. 

O maior desafio enfrentado foi responder e agir rapidamente em situações que ameaçassem sua legitimidade institucional e o Estado Democrático de Direito, em medidas de combate a fake news e o disparo em massa de desinformação na internet.

O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, foi processado por Jair Bolsonaro por suposto “abuso de autoridade”. De acordo com o presidente, o inquérito para investigação de uma suspeita rede de produção de notícias falsas coordenadas por Bolsonaro e seus apoiadores é injustificado.

Mais recentemente, entre outras respostas a provocações da sociedade, o Supremo enterrou o chamado “orçamento secreto” e os R$ 19 bilhões que seriam distribuídos de forma desordenada foram destinados de forma igualitária entre os parlamentares e o governo. Ao longo do ano, o uso das emendas de relator, as Rp-9, pelo Governo Bolsonaro como forma de negociar com as bancadas do Congresso Nacional e em troca de apoio político. 

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