O líder do Hamas Yahya Sinwar foi morto sem ser identificado, em combate com soldados israelenses em treinamento para assumir postos de comandos, durante a madrugada desta quinta-feira, no Sul de Gaza.
Os soldados não pertenciam a um comando para matá-lo, nem o procuravam especificamente. Estavam atrás de “membros do Hamas”. Suspeitaram de um prédio e o atacaram com tiros, bazuca e tanque. Depois, enviaram drones para saber se podiam entrar em segurança e localizar corpos. Um dos mortos se parecia muito, fisicamente, a Yahya Sinwar.
Enviado a Israel, o corpo foi identificado, pela arcada dentária e impressões digitais, inicialmente, e depois com testes de DNA. E a confirmação circulou.
O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, falou em “contas fechadas”. E declarou: “Sinwar morreu espancado, perseguido e fugindo”. Aos membros do Hamas, ele pediu a rendição. “Chegou a hora de sair dos túneis, libertar os reféns, levantar as mãos e se render”.
Informantes do jornal New York Times em Gaza descreveram palestinos saudando a morte de Sinwar, com a esperança de fim rápido da guerra, que completou um ano em 7 de outubro. “Ele é responsável por toda essa destruição”, disse a professora Fadia, 42 anos, de Jabalya, cujo sobrenome foi omitido por medo de uma retaliação. “Que ele apodreça no inferno”, acrescentou.
Outro palestino, Rezeq El Sabti, 44, deslocado de sua casa para uma barraca em Nuseirat, comentou que, agora, “o primeiro-ministro Netanyahu poderá declarar vitória sobre o Hamas, e acabar com a guerra”.
Vários palestinos lembram de outros líderes do Hamas que foram mortos sem que a guerra acabasse. Um deles, Rehab Ibrahim Odeh, 64, disse que o assassinato de Sinwar não deve mudar a realidade em Gaza. “Sinwar não era diferente de qualquer outro palestino que foi morto”, ele argumentou. Muitos não quiseram dar entrevistas antes que o próprio Hamas confirmasse a informação de Israel.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, mandou um assessor comunicar às famílias de 101 reféns israelenses ainda em Gaza que nenhum deles foi encontrado perto de Sinwar. Como eles eram considerados um escudo protetor contra tentativas de resgate, há o temor de que possam ter sido executados, como o foram seis deles, recentemente.
Sinwar e Netanyahu eram vistos como obstáculos a um acordo de cessar-fogo e troca de reféns por prisioneiros, negociado pelo Catar, Egito, EUA e delegações de Israel e do Hamas. Toda vez que havia uma esperança de fechar o acordo, um ou o outro acrescentava uma nova condição, em geral inaceitável. Hoje, não há mais encontros, nem previsão para os remarcar.
Dos 251 sequestrados em Israel no dia 7 de outubro de 2023, cem foram libertados em um acordo inicial, em novembro, durante um curto cessar-fogo. Oito dos reféns foram resgatados vivos, outros morreram pelos bombardeios israelenses ou foram executados.
Hoje, calcula-se que haja 101 reféns, dos quais 33 mortos. “Expressamos profunda preocupação com o destino dos 101 homens, mulheres, idosos e crianças ainda mantidos em cativeiro pelo Hamas em Gaza”, comunicou o Fórum de Famílias de Reféns. Um dos familiares pediu a Netanyahu: “Não enterre os reféns. Você tem sua imagem de vitória. Agora, traga um acordo”.
Nos anos em que estava preso em Israel, Sinwar escreveu um romance a que deu o título de “O Espinho e o Cravo”. É uma narrativa que justifica o martírio, o sacrifício pela resistência, contada por um menino, Ahmed.
Durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Ahmed sai de seu esconderijo para viver sob ocupação israelense, o que faz com que “os baús da juventude fervam como um caldeirão”. Seus familiares e amigos atacam os israelenses e os palestinos que colaboram com eles.
É um romance autobiográfico. Sinwar foi preso por Israel quando matou mais de dez palestinos suspeitos de “colaboração com o inimigo”. Julgado em 1989, foi condenado a cinco penas perpétuas de prisão. Conheciam-no como “O Açougueiro de Khan Yunis”, onde ele nasceu em outubro de 1962.
Na prisão, Sinwar aprendeu hebraico e leu tudo sobre o Mossad e o Shin Bet, as agências de espionagem externa e interna de Israel. Dizia-se “especialista na história do povo judeu”. Um dia, o dentista do presídio, Yuval Bitton, o achou estranho, suspeitou que estivesse doente e recomendou que fosse examinado. Salvou-lhe a vida. Ele estava com um tumor no cérebro, que foi extirpado.
Bitton lembra que Sinwar sabia o Alcorão de cor e o colocou a par das doutrinas de governo do Hamas. A um jornalista italiano, ele disse certa vez: “A prisão constrói você”. Tentou cavar a fuga mais de uma vez. Conseguiu contrabandear celulares e usou advogados como pombos correio. A principal mensagem que enviava era: “Sequestrem soldados”. Foi em troca de um deles, mil prisioneiros por um soldado, que ganhou a liberdade, em 2011.
“Para o prisioneiro, capturar um soldado israelense é a melhor notícia do universo, porque ele sabe que um vislumbre de esperança foi aberto para ele”. Não foi o que conseguiu, com o sequestro de vários soldados e soldadas, além de civis, crianças, mulheres e idosos.
Livre, Sinwar se casou, teve filhos e comentou que as primeiras palavras de um dos filhos foram “pai”, “mãe” e “drone”. Durante o ano de guerra, uma tropa israelense penetrou num túnel em que ele estava, com a família. Uma foto o mostra de costas, uma criança no colo.
Sinwar chegou ao posto máximo do Hamas em 2017. Com Mohammed Deif dividiu o comando militar e os planos de ataque a Israel, elaborados durante dois anos. Com Ismail Haniye, que vivia no Catar, as decisões políticas. Com ambos mortos, assumiu o Hamas sozinho. As dificuldades de comunicação, que não podiam ser feitas por nada eletrônico, faziam com que as ordens dele demorassem dias a alcançar os destinatários. Por várias vezes, foi dado como morto.
O que não se sabe, porém, é o que Sinwar estaria fazendo fora dos túneis que perfurou em toda a Faixa de Gaza e que ficou conhecido como “Metrô de Gaza”. Que destino deu aos reféns? Por que topou o tiroteio com os soldados israelenses que não tinham a menor ideia de que ele estava ali?