Queimadas mudam a rotina de moradores do interior de São Paulo

Em Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, fumaça dos incêndios obriga habitantes a viver de portas e janelas fechadas e redobrar cuidados com a saúde. Falta de ar e tosse entraram na ordem do dia.

Por Deutsche Welle

Portas e janelas totalmente fechadas mesmo sob uma temperatura de 35 graus. Umidificador ligado o tempo todo e inalação duas vezes ao dia. Essa é a rotina enfrentada pela aposentada Rute Cardoso Dias, de 81 anos, moradora de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, uma das cidades mais atingidas pelas queimadas no estado.

"Passei muito mal nos últimos dias com a fumaça. Mesmo não tendo problemas de saúde, tive falta de ar, e a garganta ficou seca. Meu médico mandou eu fazer inalação e evitar sair de casa. É o que estou fazendo", conta a moradora do bairro Ipiranga.

"Moro aqui há mais de seis décadas e nunca vi uma situação dessa", acrescenta.

Assim como a aposentada, muitos moradores da cidade precisaram mudar a rotina e redobrar os cuidados com a saúde nos últimos dias devido à fumaça vinda dos incêndios. Segundo a prefeitura, no dia 24 de agosto, dia em que a cidade ficou encoberta pela fumaça, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) registraram aumento de 60% nos atendimentos em relação à média aos sábados normais.

Grávida de seis meses e com asma desde a infância, a publicitária Jéssica Oliveira, de 34 anos, foi uma dessas pessoas que precisou de cuidados médicos.

"Na semana passada, quando a situação ficou bem crítica, passei muito mal. Tive falta de ar e crises de tosse. Acabei indo ao pronto-socorro para fazer inalação e ser medicada. Além de mim, tenho que cuidar da saúde do meu bebê", diz.

Desde então, Jéssica segue fazendo inalação em casa todos os dias, cuidando da hidratação e não está praticando atividades físicas.

São José do Rio Preto já tem 92% mais incêndios que em 2023

O problema das fumaças também é enfrentado pelos moradores de São José do Rio Preto, outra região do interior paulista também bastante afetada pelos incêndios.

O município já registrou 1.623 ocorrências de fogo em áreas de vegetação nos oito primeiros meses deste ano, segundo o Corpo de Bombeiros. O número é 92% maior do que o registrado em todo o ano de 2023 na cidade, quando foram contabilizadas 845 ocorrências.

Por causa da fumaça, a jornalista Janaína Pereira, de 39 anos, precisou redobrar os cuidados com a mãe, a dona de casa Maria Josefina Fazan, 74 anos, que passou por duas cirurgias de catarata e tem problemas de saúde que pioram com a baixa umidade do ar.

"Colocamos umidificador e panos molhados para tentar deixar o ar um pouco melhor para respirar. Minha mãe está fazendo inalação duas vezes ao dia, mas mesmo assim fica com os pés bastante inchados, com o nariz sangrando e tem crises de enxaqueca. Como ela fez cirurgia nos olhos recentemente, ela usa colírio o tempo todo para umidificar e não prejudicar a recuperação", conta.

O condomínio em que a família mora é próximo a terrenos que frequentemente se tornam focos de incêndio. As portas e janelas ficam fechadas o dia todo, e panos úmidos são colocados nas frestas, na tentativa de conter a fumaça e a fuligem que vêm das queimadas.

"A gente acorda e se sente sufocado por conta da fumaça. Você abre a janela e você engole fumaça, então é muito ruim. A garganta queima e você faz inalação, deixa tudo fechado para tentar melhorar, mas é difícil. Todo dia você acorda com esse mal-estar e o corpo ruim. É horrível", diz Janaína.

Até o dia 1º de setembro, 5.586 focos de incêndio foram registrados no estado de São Paulo, quase metade deles (2.621) ocorreram no dia 23 de agosto. O número de queimadas é o maior da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que começou a fazer os levantamentos em 1998.

No dia 29 de agosto, o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Defesa Civil do Estado de São Paulo emitiu um alerta para o risco elevado de incêndios em quase todo o estado para os próximos dias, quando haverá aumento nas temperaturas e baixa umidade do ar.

Problemas à saúde

Isso porque as queimadas liberam partículas de substâncias tóxicas que irritam as narinas, olhos e garganta, além de atravessarem as células pulmonares e entrarem na circulação sanguínea, podendo causar cansaço e falta de ar.

Um exemplo de substância tóxica encontrada nas fumaças dos incêndios é o monóxido de carbono, que quando presente em grandes quantidades pode dificultar o transporte de oxigênio para o organismo.

"Essa fumaça pode causar reações inflamatórias no organismo aumentando os riscos das doenças pulmonares como asma e bronquite e também cardíacas como arritmia e infarto", explica Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Essas são reações agudas, ou seja, são sentidas a curto prazo. Porém, a exposição prolongada pode desencadear doenças mais graves.

"Após a inflamação, que é a fase aguda, vem a infecção. E a exposição prolongada, isso é, de alguns anos respirando essa fumaça tóxica, pode causar câncer", acrescenta Ana Carla Sousa de Araújo, pneumologista do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e membro da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

Para minimizar os efeitos à saúde, os especialistas ouvidos pela reportagem, aconselham as pessoas a ficarem em casa e evitarem a exposição a esse ar poluído, sempre que possível.

Caso tenha que sair de casa, a recomendação é que se use máscara. As pessoas também não devem praticar atividades físicas ao ar livre.

"Pode usar a máscara N95 ou a cirúrgica. Não aconselhamos a máscara de pano porque a proteção que ela oferece é mínima", acrescenta Araújo.

Além disso, usar umidificador, bacias de água e panos molhados na casa também ajudam a minimizar a situação. Lavagem nasal com soro fisiológico também é fundamental para manter a mucosa hidratada e remover as partículas maiores de fumaça que ficam presas na primeira parte das vias respiratórias.

"Também é importante cuidar da hidratação e aos sinais mais graves de irritação procurar ajuda médica. Os cuidados e atenção devem ser redobrados com idosos e crianças, que são mais vulneráveis", acrescenta Prado.

Autor: Simone Machado

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