Um referendo realizado no último fim de semana pelo regime da Venezuela sobre a intenção de anexar a região de Essequibo, atualmente administrada pela vizinha Guiana, reforçou o temor de um conflito armado no norte da América do Sul.
De acordo com as autoridades venezuelanas, 95,93% dos eleitores do país que compareceram às urnas foram a favor da "criação do Estado de Guiana Essequibo e do desenvolvimento de um plano acelerado para o atendimento integral da população atual e futura desse território", na prática manifestando apoio pela anexação de Essequibo – uma aérea de 160 mil quilômetros quadrados, que representa mais de dois terços do atual território da Guiana. Os 125 mil habitantes que vivem na área disputada não tomaram parte na votação.
Embora o conflito sobre a área esteja sem solução há mais de um século a realização do referendo na Venezuela colocou a Guiana em alerta.
"A Força de Defesa da Guiana está em alerta máximo e tem estado em contato com suas contrapartes militares, incluindo o Comando Sul dos Estados Unidos", enfatizou o presidente da Guiana, Irfaan Ali, em resposta ao plano de ação que Caracas anunciou na terça-feira, que prevê o início de um processo de concessão de licenças pela empresa petrolífera venezuelana PDVSA para explorar petróleo, gás e minerais em Essequibo.
No mesmo dia, o governo brasileiro anunciou que enviará tropas e veículos blindados para o estado de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana.
A possibilidade de conflito armado
"Muitos países da região estão preocupados com a possibilidade de um conflito armado entre Estados", avaliou o analista internacional Andrei Serbin à DW.
Segundo ele, as tensões são particularmente preocupantes para o Brasil, cuja atual liderança política "está comprometida com aspectos da agenda de integração regional e se baseia, em parte, na premissa de ser uma zona de paz".
Se decidir lançar uma ofensiva, a Venezuela acabaria se deparando com problemas logísticos imensos.
A fronteira entre a Guiana e a Venezuela é predominantemente formada por selva, o que dificulta o deslocamento de blindados. Uma forma de contornar isso seria os venezuelanos deslocarem tropas pelo estado brasileiro de Roraima, que tem um terreno mais acessível para chegar à Guiana.
Mas o fato de o Brasil estar no caminho também pode ser visto como dissuasor, dado que Maduro arriscaria expandir ainda mais o conflito.
Uma ofensiva também desagradaria a China, aliada da Venezuela, mas que tem interesses comerciais na Guiana.
O analista político Mariano de Alba, do International Crisis Group, destaca que a maioria dos países latino-americanos têm preferido permanecer em silêncio. Os que se manifestaram, aponta ele, expressam grande preocupação e tem instado os dois países a diminuir as tensões e tentar resolver suas diferenças pacificamente.
No último domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em Dubai que espera bom senso da Venezuela e da Guiana para resolver o litígio entre os dois países. "O que a América do Sul não está precisando é de confusão", disse Lula em seu último dia na COP28.
O papel da Corte Internacional de Justiça
Embora vários governos da região considerem improvável que as tensões cheguem a um conflito armado a curto ou médio prazo, De Alba acredita que, à medida que as tensões aumentarem, haverá mais apelos para que as organizações regionais discutam a situação e façam uma declaração, algo que ainda não aconteceu.
Em entrevista à DW, o analista lembra que a disputa territorial segue pendente na Corte Internacional de Justiça (CIJ): "É provável que os países da região peçam aos dois países que esperem e cumpram a decisão final da Corte. Mas essa decisão final ainda está a anos de distância".
Qual é a probabilidade de guerra?
Na opinião do analista político, "um conflito armado não é um cenário que não pode ser descartado, mas é improvável, especialmente a curto prazo".
Enquanto o Brasil tem organizado o envio de um número reduzido de tropas para a fronteira, a Venezuela e a Guiana fizeram movimentos militares limitados: "Isso é um sinal de que, por enquanto, não há grandes expectativas de conflito. O risco nesse tipo de situação é que haja um mal-entendido e, consequentemente, uma escalada do conflito", diz De Alba.
Já o analista internacional Andrei Serbin destaca que o reforço das tropas brasileiras que patrulham a fronteira com a Venezuela e a Guiana e o envio de 16 veículos blindados, que levarão 20 dias para chegar ao seu destino, "são insuficientes, considerando a capacidade militar da Venezuela".
Na quarta-feira, o ministro da Defesa do Brasil, José Múcio, afirmou que a região da tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela, em Roraima, está "garantida" pelas Forças Armadas. "O Brasil tem que garantir as suas fronteiras, e nossas fronteiras estão garantidíssimas. Não vamos permitir [tropas da Venezuela passando pelo Brasil]. Isso eu asseguro", disse Múcio.
Interesses por trás da disputa territorial
Por outro lado, Mariano de Alba enfatiza que tanto o governo da Venezuela quanto o da Guiana têm interesse em limitar a disputa ao debate público por enquanto.
"Para o governo de Nicolás Maduro, essa é uma maneira de alimentar o nacionalismo e reforçar o apoio das forças armadas antes das eleições presidenciais de 2024. Ele também está usando a disputa para dividir a oposição e, possivelmente, prejudicar as perspectivas eleitorais dos oposicionistas", avalia.
Já para a Guiana, as tensões têm servido para buscar um reforço do apoio diplomático e militar de países como os Estados Unidos e o Reino Unido, explica o especialista do International Crisis Group. Além disso, segundo De Alba, a Guiana realizará eleições gerais em 2025, e "o governo deve estar calculando que uma boa administração da situação pode aumentar suas perspectivas eleitorais".
Autor: Viola Traeder