Protestos e religião: o que é proibido nos Jogos Olímpicos

Skatista brasileira Rayssa Leal expressou frase religiosa usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Manifestações de fé são proibidas pelo Comitê Olímpico Internacional durante os Jogos.

Por Deutsche Welle

No dia em que ganhou uma medalha de bronze para o Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, a skatista Rayssa Leal usou uma das aparições nas câmeras oficiais do evento para passar uma mensagem: usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a atleta afirmou "Jesus é o caminho, a verdade e a vida".

A mensagem de proclamação da fé cristã viralizou nas redes sociais, mas abriu o debate sobre se a atleta brasileira de 16 anos poderia receber alguma punição pela iniciativa. A dúvida nasceu porque o Comitê Olímpico Internacional (COI) estabelece regras sobre manifestações religiosas e políticas dos participantes do evento.

O COI afirmou á DW que não se manifestará sobre o gesto de Rayssa Leal, que é evangélica e já declarou sua fé em outras competições oficiais. A DW questionou o Comitê Olímpico Brasileiro se haverá alguma investigação relacionada ao gesto de Rayssa Leal, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

O que diz o COI sobre mensagens religiosas

O que é permitido e proibido durante os Jogos Olímpicos está estabelecido na Carta Olímpica, um conjunto de princípios fundamentais, regras e estatutos da competição. A Regra 40 diz que todos os competidores e suas equipes têm o direito à liberdade de expressão garantido.

Por outro lado, da Regra 50, que versa sobre a expressão de opiniões de atletas e participantes, consta que nenhum tipo de demonstração ou propaganda política, religiosa ou racial é permitida nos locais oficiais das competições, instalações ou outras áreas relacionadas ao evento. Isso inclui também a Vila Olímpica e as cerimônias de entregas de medalhas, abertura e encerramento. A determinação, segundo o COI, visa garantir que o foco do evento sejam o desempenho dos atletas, o esporte e os princípios de unidade e universalidade dos Jogos.

Introduzida na Carta Olímpica em 1975, a Regra 50 foi reescrita ao longo dos anos e passou a permitir algumas demonstrações antes do início das competições, em decorrência da pressão internacional recebida pelo COI antes dos Jogos de Tóquio, em 2020.

Em 2019, o Comitê fez uma consulta global com os 3.500 atletas representantes de 185 Comitês Olímpicos Nacionais e 41 esportes para redigir as diretrizes da Regra 50. No levantamento, cerca de 70% dos entrevistados afirmaram que não era apropriado demonstrar ou expressar suas opiniões nos locais dos jogos, em cerimônias oficiais ou nos pódios.

Segundo um documento publicado pela Comissão de Atletas do COI, um dos princípios fundamentais do esporte é a neutralidade e, portanto, as competições devem ser separadas de interferências políticas, religiosas e de outros tipos.

Por outro lado, flexibilizou-se a expressão de opiniões antes e depois das competições. Elas também são permitidas durante entrevistas e coletivas de imprensa, em reuniões dos times ou nos meios de comunicação digitais e tradicionais, como televisão e rádio.

Mas isso é diferente de realizar protestos como exibir mensagens políticas em objetos ou por meio de sinais, fazer gestos de natureza política com as mãos ou se recusar a seguir os protocolos das cerimônias, ressalva a entidade. As regras são válidas também para a comissão técnica e os funcionários do evento.

O COI também proíbe qualquer exibição de propaganda e publicidade não autorizada previamente nos locais dos eventos e das competições relacionadas aos Jogos Olímpicos. São proibidas ainda exibições desse tipo de conteúdo em pessoas, roupas esportivas, acessórios e qualquer artigo de vestuário ou equipamento usado pelos competidores, e delegações. A única exceção é a identificação do fabricante dos materiais.

Que tipos de punições são previstas

Segundo a Carta Olímpica, que qualquer violação das regras expostas no documento pode acarretar sanções que incluem a exclusão temporária ou definitiva dos Jogos, assim como o recolhimento de medalhas e diplomas recebidos, perda de credenciamento e dos benefícios classificatórios para outras competições.

Cada caso de descumprimento da Regra 50 por parte dos atletas ou participantes será avaliado pelos respectivos comitês olímpicos nacionais, federações internacionais e pelo próprio COI. As punições, entretanto, não são claras e estabelecidas considerando o contexto de cada situação.

No caso da exibição de publicidade e propaganda, as formas de punição são mais objetivas e descritas no próprio documento de regulação do evento. Segundo o COI, a quebra das regras pode implicar a desqualificação dos atletas ou do membro da delegação e perda do credenciamento.

Artigos religiosos vetados para atleta franceses

Em 2023, o Ministério dos Esportes da França interditou o uso de símbolos religiosos durante os Jogos Olímpicos de Verão de Paris, argumentando que o uso dos objetos contraria as realidades do país. Em função disso, atletas que utilizam hijab (tipo de véu que cobre o cabelo e corpo das mulheres muçulmanas) foram impedidas de competir.

É o caso da jogadora de basquete Diaba Konate, que representaria a França, mas se recusou a competir diante da regra imposta pelo ministério. A corredora francesa Sounkamba Sylla, da equipe francesa de revezamento de 400 metros, publicou nas redes sociais que seria impedida de participar da abertura dos Jogos por não poder usar o hijab. Após um acordo com o comitê nacional, ela usou um boné para participar do evento.

Ativistas das ONGs Sport & Rights Alliance, Basket Pour Toutes, Anistia Internacional, Athlete Ally e Human Rights Watch chegaram a enviar uma carta ao COI pedindo a liberação do uso do hijab. Elas afirmaram que "a discriminação da França contra mulheres e meninas que usam o hijab é particularmente preocupante, dada a celebração do COI de Paris 2024 como as primeiras 'Olimpíadas de Igualdade de Gênero'". As regras não afetam atletas de outros países.

Punições ao longo da história

No passado, alguns atletas já foram punidos por manifestar-se política e religiosamente durante os eventos olímpicos. Nos Jogos do México de 1968, os competidores de atletismo dos Estados Unidos Tommie Smith e John Carlos subiram ao pódio com o punho erguido e fechado, após ganharem medalhas de ouro e prata nos 200 metros rasos. A manifestação, no mesmo ano em que o líder negro Martin Luther King foi assassinado, fazia referência ao movimento antirracista. Os dois atletas foram expulsos dos jogos dois dias depois da premiação e obrigados a devolver as honrarias.

Em 2004, durante os jogos de Atenas, o brasileiro Diogo Silva, do taekwondo, repetiu no tatame o gesto dos americanos Smith e Carlos, mas não foi punido.

Em 1968, a ginasta da Tchecoslováquia Věra Čáslavská virou o rosto contra a bandeira da União Soviética durante o pódio, depois de ganhar quatro ouros e duas pratas. Ela não foi punida pelas autoridades olímpicas da época, mas depois dos Jogos foi banida como atleta do país. Em 1972, nos jogos de Munique, os corredores americanos Vince Matthews e Wayne Collett se recusaram a seguir o protocolo de entrega de medalhas e foram banidos dos Jogos.

A lançadora de martelo Gwen Berry e o esgrimista Race Imboden foram repreendidos pelo Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos após protestarem no pódio, nos Jogos Pan-Americanos de 2019. Berry ergueu o punho, enquanto Imboden se ajoelhou, durante a cerimônia de entrega de medalhas.

Autor: Alice de Souza

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