Casos como o de Giovanni Quintella Bezerra, Andres Eduardo Oñate Carrillo e Roger Abdelmassih têm pontos em comum: o abuso sexual de mulheres sedadas em procedimentos como cesarianas, cirurgias e de inseminação artificial. Todos cometidos em instituições de saúde e em momentos de vulnerabilidade psicológica das vítimas.
Como resposta a esse tipo de caso, que cada vez mais cresce no Brasil, a senadora da República Eliziane Gama (Cidadania), entrou com um projeto de lei (PL) no Senado para mudar o Código Penal e aumentar em 50% o tempo da pena para os que cometem crimes contra a dignidade sexual em instituições hospitalares. Atualmente, o PL 85/2023 tramita no Senado em conjunto com outros projetos do tipo.
Para Eliziane, a ideia do PL é uma forma do Parlamento de buscar mecanismos severos e eficazes contra o crime que, para ela, é “abjeto, perverso e de consequências nefastas para as pacientes”. “Para estupro de vulnerável, por exemplo, a pena prevista é de 8 a 15 anos de prisão, sem considerar outros agravantes previstos em lei. Com a proposta, a pena pode chegar a 22,5 anos”, explica a senadora, em entrevista à Band.
Segundo a senadora, o projeto mostra para abusadores que “a cadeia será longa” e que é preciso aperfeiçoar a legislação, como parte de um pacote para coibir este tipo de crime. “É preciso unir todos os atores importantes neste processo, inclusive as gestões hospitalares públicas e privadas, para que se feche o cerco contra os criminosos”, afirma.
‘Antes de aumentar a pena, é preciso falar da fiscalização’
Apesar do projeto de lei mostrar o interesse do legislativo em punir de forma mais dura abusadores em ambiente hospitalar, especialistas analisam que o PL sozinho não fará mudança efetiva. Para o advogado especialista em direito da saúde Thayan Ferreira, é preciso debater a fiscalização para que novos casos não ocorram.
“Sem organismos fiscalizatórios e regulamentares efetivos, a lei terá pouca eficácia e eficiência. No meio jurídico já alertávamos as entidades públicas pelo aumento dos casos, que estão cada vez maiores”, analisa. Maria do Carmo Santos, presidente do Grupo Vítimas Unidas, que reuniu as denúncias contra Roger Abdelmassih e João de Deus, avalia o PL como o advogado, mas afirma que é preciso efetividade do Judiciário ao analisar tais casos.
“Somos a favor do aumento da pena, mas vemos que muitos pegam 20, 30, 40 anos, mas ficam oito. Então o que o grupo luta é para que caso o abusador receba a pena de, por exemplo, 20 anos, que ele cumpra esses 20 anos”, pontua. Ela parabeniza senadores como Eliziane Gama, que propõem este tipo de projeto, mas cita que não se pode “correr após os casos”.
Para Maria do Carmo, evitar novos casos e punir sem dar meios para abusadores conseguirem conforto para cumprir as penas pode auxiliar a coibir novos casos. “O que diminui os casos é a prevenção, temos leis educacionais no Brasil que poderiam ser aplicadas, para buscar minimizar isso. Precisamos de investimento em Educação e Segurança Pública, porque na realidade, ainda há a sensação de impunidade no Brasil”, pontua a ativista, que cita que este tipo de caso precisa de penas mais duras pela “crueldade de abusar a pessoa em uma situação de vulnerabilidade”.
Apesar de criar o projeto de lei, Eliziane Gama assume que esta não é a forma mais eficaz de coibir casos de abuso sexual do tipo, mas que é apenas uma parte de outros projetos que estão em tramitação no Senado. “Instituir penas mais severas é apenas parte do processo. Além de propormos mais tempo de cadeia para estes casos, temos procurado meios e formas mais eficazes de prevenir o crime, ou seja, temos a missão de, juntamente, com os demais Poderes da República fazer com que protocolos rígidos sejam estabelecidos para maior proteção das mulheres”, comenta.
Thayan pontua que a violência hospitalar é cometida todos os dias, mas debater e criar mecanismos como o projeto da senadora são as melhores formas de coibir atos como este. “Penso que nesses casos, o medo de cometer tais crimes nasce pelo excesso de fiscalização e não pela pena”, analisa.
Propostas no Senado visam proteção à mulher
Como Eliziane citou anteriormente, há outros projetos que, unidos ao PL, visam o aperfeiçoamento do direito e proteção das mulheres. “Como líder da bancada feminina no Senado, apresentamos ao presidente Rodrigo Pacheco um conjunto de 15 propostas variadas, como por exemplo, a que obriga tratamento preferencial em juizados de mulheres que forem vítimas de violência doméstica”, indica.
Além da proposta de Eliziane Gama, há outro projeto que Maria do Carmo elogia pela possibilidade de proteger ainda mais vítimas de abuso sexual. É a proposta a do senador Jorge Kajuru (PSB), que institui um protocolo para “prevenir, identificar e lidar com casos de violência sexual ou de gênero em estabelecimentos como bares, boates, restaurantes e eventos esportivos”, semelhante ao que auxiliou a mulher que acusa Daniel Alves de estupro na Espanha e que foi implementado em São Paulo pelo governador Tarcísio de Freitas.
‘Vítimas se tornam ativistas’
Casos de grande repercussão nacional, como o de Abdelmassih, Quintella e até João de Deus, que uniram mulheres vítimas contra abusadores, se transformam em projetos de lei e até em grupos como o Vítimas Unidas. Maria do Carmo cita que atualmente, as vítimas se tornam ativistas.
A presidente, que segue o trabalho do grupo após a morte de Vana Lopes, primeira a denunciar Abdelmassih, diz que a ativista deixou sementes na luta pelos direitos das mulheres. “Ela partiu em um momento em que atuo em mais de 200 casos, é um luto, mas luto para continuar a luta dela, em honra à grande mulher e ao trabalho que ela fez. Mas sinto que é como se não tivesse acontecido", lamenta Maria do Carmo.
Para ela, as sementes de Vana ajudam no trabalho. “Uma das promessas que eu a fiz é que continuaria a luta dela, que é minha, é nossa, mas é muito doloroso, ficou solitário, porque perdi muitas amigas como ela”, afirma.
Inspirado por movimentos como os de Vana e em resposta a tais casos que afetam tantas mulheres, Eliziane Gama também propôs o aumento da representação política feminina em “espaços decisórios de poder”. Para a Agência Senado em 2022, a senadora citou que a política “precisa e deve ser assunto de mulher”.