Por 14 anos seguidos, o Brasil é considerado o país que mais mata transexuais e travestis no mundo. Segundo o levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 131 pessoas trans e travestis foram mortas em 2022. Este número, aliado à falta de atendimento especializado e acolhimento de vítimas de violência foi uma das razões para a deputada federal Érika Hilton (PSOL) propor na Câmara dos Deputados a inclusão de mulheres transexuais e travestis no atendimento do Disque 180.
Segundo o Projeto de Lei (PL) da deputada, as centrais de atendimento à mulher precisam estar preparadas para casos de violência contra esta comunidade que, para ela, está desamparada. “A ausência de delegacias especializadas agrava o caso da violência, por não ter apoio, mas muito mais pelo agressor, pela sociedade ainda entender que não há espaço específico para tratar esta violência”, afirma a deputada, em entrevista à Band.
O projeto tem o objetivo de acolher vítimas que, atualmente, não têm dispositivos específicos para denunciar violências ou agressões sofridas.
"É um descaso e um abandono tão cruel, que acaba muitas vezes reforçando a ideia de que a violência praticada contra nós não é uma violência, não é um crime. E as pessoas se sentem legitimadas e até convidadas a praticarem a violência contra nós", diz Érika Hilton.
Para a psicóloga Lara Mesquista, do Grupo Reinserir, o projeto de Érika pode auxiliar a diminuir a estatística e a posição do Brasil como o país que mais mata transexuais e travestis. “Politicas públicas direcionadas a comunidade trans e travesti é uma pauta importante. Porque para além de uma possibilidade de denúncia, é importante que o Legislativo preze pela possibilidade de proporcionar melhores condições de vida a esta comunidade”, analisa.
Mas, para Lara, a denúncia pelo Disque 180 deve ter profissionais especializados. “A possibilidade da denúncia já é um bom começo, mas também é importante estar atento a quem são estes profissionais que estão por trás das denúncias”, afirma.
A psicóloga indica que eles devem “estar capacitados para receber uma pauta importante como essa, de acolhimento e direcionamento correto destas pessoas que normalmente atravessam muitos obstáculos até chegar de fato ao telefone e denunciar", pontua.
Disque 180 é apenas o começo
Érika Hilton afirma que a proposta de incluir a comunidade transexual e travesti é apenas o começo de uma série de iniciativas no Legislativo para acolher estas pessoas. “É preciso leis que protejam as vítimas de violência doméstica, casas de abrigo, políticas públicas, como a Maria da Penha. Por uma interpretação da Justiça, elas são incluídas na lei no poder judiciário, quando passam da primeira instância. Mas seria importantíssimo que na própria lei, diretamente, ocorresse essa inclusão”, indica a deputada.
Para ela, é necessário que “toda política de proteção à vítima de violência, às mulheres, também incluísse mulheres transexuais e travestis”.
“Nós estamos nas esquinas de prostituição, somos executadas por nossos companheiros, somos vítimas da violação e exploração sexual, dos abusos na infância e adolescência. Estamos desamparadas, à própria sorte e não dá mais para ser negligente no que diz respeito à essas vidas. A Constituição nos defende, o Estado Brasileiro precisa nos defender”, pontua Érika Hilton.
Para Lara Mesquita, é preciso ir além da denúncia no Disque 180 e que se dê oportunidades para a comunidade ter independência e saia de ambientes como os citados pela deputada. “Uma boa pauta é a de como trazer para essa população melhores condições de trabalho, pois mais oportunidade gera melhores condições de vida”, afirma.
Além da denúncia, a escuta e o acolhimento de pessoas transexuais e travestis é essencial para a comunidade no futuro, segundo Lara. “O acolhimento é sobre, acima de tudo, conseguir ter empatia por alguém que acabou de vivenciar uma situação traumática”, pontua.
"A violência não precisa ser física para ser levada a sério, existem muitas formas de práticas atos violentos. Uma escuta atenta, ativa e compreensiva, já é um primeiro passo importante e essencial, que já faz toda diferença, principalmente quando se fala de população trans, onde a escuta e o cuidado estão muitas vezes socialmente negligenciados", indica Lara Mesquita.