Professores se adaptam após piora no aprendizado de alunos crescidos na pandemia

Apesar do último Ideb apontar melhora na educação básica, aprendizagem teve piora, o que reflete problemas identificados por docentes dos que tiveram primeira infância em isolamento social

Por Luiza Lemos

Aprendizado diminuiu na educação básica
Reprodução/Freepik

As consequências do período de isolamento social devido à pandemia de Covid-19 ainda são sentidas, principalmente nas salas de aula. As 30 milhões de crianças que hoje estão com quatro e seis anos, matriculadas na pré-escola e ensino fundamental e que tiveram a primeira infância durante o confinamento, têm o aprendizado afetado, como indica o novo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, anunciado na última quarta-feira (15). 

Apesar da melhora em índices educacionais de 2023, houve uma redução no indicador de aprendizagem, de 6,02 para 5,91, mesmo com aumento no de fluxo, que indica as aprovações dos alunos no Brasil, que foi de 0,94 para 0,97. O dado reflete o que é sentido por professores da educação básica em sala de aula, que apontam falta de atenção por parte das crianças que viveram os primeiros anos de vida durante a pandemia de Covid-19. 

Com o retorno das aulas presenciais, Veronica de Araújo, professora do primeiro ano na rede pública de São Bernardo de Campo, na Grande São Paulo, precisou se adaptar. Ela conta que reparou maiores dificuldades das crianças e que as revisões de conteúdos se tornaram mais constantes. 

“Meu processo de ensinamento precisou ser reciclado, precisamos buscar técnicas mais dinâmicas, adaptar o currículo, pois os alunos dos ciclos iniciais apresentam atraso de aprendizagem”, indica a professora.

Diferente de turmas do passado, Veronica sente que há maior falta de atenção por parte das crianças que viveram os primeiros anos de vida em casa, longe do mundo exterior. “As crianças não prestam mais a atenção como antes, perdem o foco constantemente, perderam a paciência, a postura de estudante”, diz. 

Quando conversamos entre professores, a impressão que temos é que os alunos não conseguem mais absorver as informações, não querem mais pesquisar, querem tudo pronto - diz a professora Veronica de Araújo

Para ela, o processo de alfabetização, que ocorre entre os 4 e 6 anos, se tornou mais desafiador. “Não só nesse quesito, mas percebo uma maior dificuldade nesta fase por parte das crianças. Os professores têm feito cursos de reciclagem para aperfeiçoar as técnicas de alfabetização”, afirma. 

Nas escolas particulares, a situação não é diferente. Liliane Rodrigues, que dá aulas na Camino School para o mesmo ano que Veronica, aponta que as crianças nascidas no período de isolamento social necessitam maior tempo de atenção. 

“As crianças chegam com alguns comportamentos regredidos para a idade, principalmente pelo tempo maior em casa, sem exemplos de amigos e aprendizados coletivos. Virou corriqueiro ter que estimular a autonomia no ambiente escolar”, pontua. 

Confinamento também afetou hábitos e convivência das crianças

Confinamento afetou sociabilidade infantil | Reprodução/Freepik

 Privadas do contato social nos primeiros anos de vida, as crianças que atualmente têm entre 4 e 6 anos sofrem agora as consequências do isolamento. Segundo a psicóloga Fabiana Antonelli, a privação do contato familiar e com o mundo externo fez elas deixarem de desenvolver certas habilidades sociais. 

“Elas deixam também de desenvolver habilidades emocionais e de aprendizado também. Quem teve a primeira infância nesse clima de incerteza e medo tendem a ter ansiedade, distúrbios de sono e outros sintomas. É preciso observar a inabilidade de desenvolvimento social e de aprendizado. Essas dificuldades precisam ser identificadas quanto antes e elas devem ser estimuladas”, indica. 

Com os problemas de sociabilidade, Liliane precisou também estimular o ensino de regras sociais. “Como as crianças ficaram muito tempo em casa, as regras de convivência se misturaram ou se perderam. Temos crianças que perderam o hábito de se sentar à mesa, ou que precisam de algo eletrônico para se manter sentada e isso se reflete na sala de aula”, aponta. 

Tivemos que fazer o reaprendizado da convivência, porque houve um corte no desenvolvimento social, porque parte do aprendizado é colaborativo. Foi desafiador para as crianças e ainda é desafiador habitar um mesmo ambiente com outras crianças - diz Liliane Rodrigues

Fabiana Antonelli afirma que tais problemas de atenção e ansiedade nesta faixa etária ocorre pelo clima de medo e apreensão que a pandemia de Covid-19 deixou. “Luto, ansiedade e medo que as famílias passaram foi absorvido pelos pequenos. Observamos que elas choram demais, se sentem incapazes, há até registros de episódios de raiva, há a ansiedade de separação caso os pais ou adultos não estejam por perto, ou que têm medo de morrer”, diz. 

Na rede pública, Veronica sentiu as mesmas dificuldades sociais nos alunos. “Elas têm problemas de relacionamento, brigam mais, muitos têm ansiedade, depressão e estão mais agressivas”, pontua. 

Por isso, a psicóloga pontua que é preciso incentivar o convívio social, até para ter uma melhora na aprendizagem. “Essa privação de convivência em escolas, parques e festas traz sim um déficit social, precisamos reparar isso nas crianças, permitindo e estimulando a participação em brincadeiras e atividades que desenvolvam a criança em habilidades físicas, sociais e emocionais”, indica Fabiana Antonelli. 

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