Presos políticos libertados dizem que acordo com a Rússia é "dilema difícil"

Em entrevista concedida na Alemanha após libertação, opositores do Kremlin demonstram alívio, mas também preocupação que troca de prisioneiros "encoraje" Putin a fazer mais reféns.

Por Deutsche Welle

"Surreal": é assim que o político de oposição Andrei Pivovarov, 42, resume os últimos dias. Em julho de 2022 ele foi condenado em sua pátria, a Rússia, a quatro anos de prisão. Pivovarov, diretor do grupo crítico ao Kremlin "Rússia Aberta", comandava no entendimento da Justiça uma "organização indesejada".

Até bem pouco tempo ele cumpria pena em uma "cela pequena"; agora, está na sede da DW em Bonn, na Alemanha, ao lado dos também dissidentes russos Ilya Yashin e Vladimir Kara-Murza, em uma coletiva de imprensa organizada por apoiadores de Alexei Navalny, opositor russo morto no início deste ano sob custódia russa.

O trio faz parte de um grupo de 16 pessoas libertadas de prisões na Rússia como parte de um acordo costurado pelos Estados Unidos.

"Há alguns dias estávamos sozinhos. Agora vemos tantas pessoas", espanta-se Pivovarov, cercado por cerca de cem jornalistas e observadores, ofuscado por câmeras.

"Não pensamos todos como Putin"

Os últimos dias foram exaustivos para o trio. Eles decolaram da Rússia na quinta-feira em direção a Ancara, na Turquia. Lá, foram trocados por oito russos condenados ou presos no exterior sob suspeita de espionagem e outros crimes.

De lá, à noite, um total de 12 pessoas seguiu para o Aeroporto de Colônia-Bonn, sendo recebidos pelo chanceler federal Olaf Scholz.

Pivovarov diz que é bom estar em liberdade de novo, mas que seus pensamentos continuam na Rússia; nos vários inocentes presos ali. O oposicionista afirma que não vai desistir de sua pátria só por causa de um tirano.

"Há muitos cidadãos invisíveis na Rússia que pensam diferente de Putin", frisa.

Ele defendeu o diálogo com os que seguem no país e o apoio, através da concessão de vistos para jovens, que não devem ser vistos como "inimigos".

"Tenho certeza que vou voltar para a Rússia"

Ao lado de Pivarov está Vladimir Kara-Murza, 42, um político e jornalista com dupla cidadania russa e britânica que, em abril do ano passado, foi condenado a 25 anos de colônia penal por criticar a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Kara-Murza, que já foi premiado com um Pulitzer – a maior distinção jornalística –, diz sofrer com problemas no sistema nervoso desde que sobreviveu a pelo menos duas tentativas de envenenamento.

Ele diz que a saída da Rússia é uma "expulsão não consentida". Kara-Murza relata que, ao deixarem o país, todos os prisioneiros libertados foram acompanhados por agentes do serviço secreto russo. "O meu me olhou quando decolamos da Rússia e disse: 'Pode olhar. Você nunca mais verá sua pátria.' Mas eu respondi: tenho certeza que vou voltar para a Rússia – uma Rússia livre."

"O que a Rússia está fazendo é tortura moral e psicológica. Uma tradição desde os tempos do [Josef] Stalin", denuncia. "Por mais de dois anos só pude fazer uma ligação para a minha mulher e meu advogado."

"Prisão era luta por direitos em meu país"

Condenado a oito anos e meio de prisão em 2022 por criticar a guerra russa na Ucrânia, Ilya Yashin, 41, agradeceu ao governo alemão e ao chanceler federal Olaf Scholz por seus "esforços humanitários".

Ao encontrar Scholz esperando o grupo no Aeroporto de Colônia-Bonn, Yashin afirmou ter dito a ele que "entende como é difícil libertar um assassino" – uma referência a Vadim Krasikov, agente do serviço secreto russo condenado à prisão perpétua em Berlim por homicídio e recebido com pompa na Rússia por Vladimir Putin. "Em troca de um assassino, libertaram inocentes."

Ele disse entender que a decisão foi um "dilema difícil", porque segundo ele "encoraja Putin a fazer mais reféns".

Yashin diz que o período que passou encarcerado o fortaleceu. "Recebi tantas cartas. Isso fortaleceu minha fé na humanidade. O regime de Putin não é a Rússia. A propaganda de Putin é uma mentira."

Ele, que já perdeu dois companheiros de luta política para o Kremlin – além de Navalny, Yashin também era próximo do oposicionista Boris Nemtsov, assassinado em 2015 –, insiste que não queria ter saído da Rússia e que foi "expatriado à revelia". "Eu não consenti. Eu insisto no meu direito constitucional de viver no país onde eu nasci", ressalta.

"Minha primeira vontade em Ancara era comprar um bilhete e voltar para a Rússia", afirma. "Eu me vejo como um patriota. Entendo a minha prisão como luta pelos meus direitos em meu país."

Para Yashin, o acordo que o tirou da prisão equivale a um banimento. "Não consigo aguentar isso, quando uma pessoa diz: 'Não consigo deixar meu país' e é jogada na prisão."

Com informações de Jens Thurau.

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