Prefeitura de Porto Alegre foi alertada em 2018 e 2023 sobre possíveis enchentes

Documentos mostram que engenheiros avisaram sobre problemas nas bombas e perigo de alagamentos na capital gaúcha

Por Andrey Mattos

Prefeitura de Porto Alegre foi alertada em 2018 e 2023 sobre possíveis enchentes
Porto Alegre suspende aulas devido à chuva
Renan Mattos/Reuters

As inundações no Rio Grande do Sul que deixaram ao menos 178 mortos no último mês de maio foram uma tragédia climática anunciada. As fortes chuvas nos vales e enchentes posteriores em Porto Alegre poderiam ter contado com um sistema de bombas feito para reduzir os estragos – se esse sistema estivesse funcionando corretamente.

Porém, o sistema colapsou e não deu conta de evitar a invasão das águas do Guaíba – um risco informado com antecedência às autoridades gaúchas, em 2018 e 2023, conforme mostram documentos.

A Prefeitura de Porto Alegre foi avisada sobre as deficiências do sistema, de acordo com denúncia do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL), que teve acesso a documentos feitos por engenheiros do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) após outra enchente, em novembro passado.

Os equipamentos fazem parte de um sistema construído na década de 1970, que inclui também diques, um muro e comportas.

O jornalismo da Band teve acesso aos documentos e os analisou com a ajuda da ferramenta de inteligência artificial do Google, o Google Pinpoint. 

Segundo os textos, o sistema tinha problemas nas casas de bomba 13, 17 e 18, e isso poderia, no caso de uma nova e maior subida do nível do Guaíba, causar alagamento nas áreas centrais.

Alertamos sobre a necessidade urgente de resolução da demanda apresentada neste expediente, ou seja, elevação das paredes do poço de descarga das EBAPs 17 e 18, sendo recomendado a priorização, em relação a outras demandas de projeto, tendo em vista o alto potencial de prejuízo para a cidade.

Segundo os engenheiros, a falta de reparos nas estações 17 e 18 causaria alagamento em uma área entre a Usina do Gasômetro e a Estação Rodoviária. Já a estação 13, no perímetro formado pelas avenidas José de Alencar, Ipiranga, Erico Verissimo e Edvaldo Pereira Paiva.

"Na EBAP 13, há duas janelas de inspeção no poço de descarga, dentro da sala de bombas, nestes pontos foi constatado grande vazamento durante o acionamento das bombas no dia 21/11/2023. Nova elevação do Guaíba acima de 3,4m causará o problema observado novamente, podendo até, dependendo do nível que o Guaíba atingir, inviabilizar o funcionamento da EBAP 13 e gerar um alagamento de grande proporção na área protegida", diz o documento.

Nos casos das bombas 17 e 18, os problemas já estavam registrados nas secretarias municipais desde 2018, quando um aviso foi assinado pelo mesmo engenheiro que retomou o assunto em novembro de 2023.

“Solicitamos que se encaminhe para as áreas de engenharia de obras e projetos da Secretaria Municipal de Infraestrutura Mobilidade (Smim), preferencialmente aos técnicos da antiga DOP (Divisão de Obras e Projetos) do DEP (extinto Departamento de Esgotos Pluviais), o pedido de análise do projeto e da obra das casas de bombas 17 e 18 no intuito de avaliar se na condição que foi concebida ou construída não restou uma falha na proteção em relação as cheias do rio a níveis superiores a cota 3,00 m até o nível da cota 6,00 m. Caso se constate o problema, informamos que será necessário os ajustes para reparar o problema o quanto antes para evitar a falha do sistema dos muros da Mauá.”

Todas as regiões citadas nos documentos de alerta foram fortemente atingidas pelas águas do Guaíba em maio de 2024. Matheus Gomes levou o caso ao Ministério Público Estadual e solicitou, em ofício, “a abertura de procedimento para averiguar a possível negligência e omissão" do poder público municipal com relação ao sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre.

O que diz a Prefeitura, o DMAE e a Smsurb

O diretor do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), Maurício Loss, que está no cargo desde fevereiro de 2023, afirma que o processo interno não passou por ele nem pelo atual prefeito.

“O processo não ficou parado em nenhum momento. Foi tramitado, inclusive, por áreas pertinentes ao projeto. Mas não há um tempo hábil, principalmente se tratando de poder público, em cinco meses, de se fazer um projeto que não é uma simples elevação de parede”, disse.

Já o prefeito Sebastião Melo (MDB), em entrevista coletiva, disse que o problema das enchentes não se resume às casas de bombas. “Será que as pessoas não se dão conta que choveu milhões de metros cúbicos no Rio Grande do Sul e Porto Alegre está no meio? E todas as águas dos arroios, dos rios que jogam, dos quatro rios, que são o Jacuí, o Caí, o Sinos e o Gravataí. Vocês acham que realmente essas águas que chegam aqui, o vento para lá, não desce para a lagoa e o problema do alagamento foi porque teve duas casas de bombas?”, afirmou.

"A Smsurb, da qual eu era o responsável, descobriu as falhas nas CBs 17 e 18 e encaminhou para o setor de obras da Smim analisar e tomar providências. Os técnicos do setor de obras da Smim apontaram a necessidade de modernização das casas de bombas e não despacharam mais no processo. O processo apenas tramitou para ciência no gabinete do secretário da Smsurb, sem pedido algum para dligências. Nunca houve sequer um despacho ou ação minha neste processo. A ação direta necessária sobre obras apontadas como necessárias nas CBs e outros equipamentos era da Smim e dos técnicos do setor de projetos e obras do antigo DEP”, disse também Ramiro Rosário, que era titular da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smsurb) à época.

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