Praia em Florianópolis expõe desafio para manter litoral livre de microplásticos

História por trás da "praia mais poluída do Brasil", localizada numa área de pescadores em Florianópolis, ensina que gestão de resíduos precisa ser local, regional e global.

Por Deutsche Welle

undefined undefined

Quando a corrente vem do sul, a praia do Pântano do Sul, em Florianópolis (SC), recebe muitos itens inesperados ou indesejados. Vaca, porco, árvores e muito lixo já foram trazidos pelas correntes marítimas. "O mar só quer o que é dele. O que não é, ele joga nas praias ou nos costões", disse o pescador Nilton Costa, 57 anos.

O lixo transportado pelas correntes marinhas é um dos motivos que fez o Pântano do Sul figurar como a praia com a maior densidade de macrorresíduos, macroplásticos e microplásticos entre 306 praias analisadas. Os dados são do raio-x dos resíduos na costa brasileira, produzido pela Sea Shepherd Brasil e pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e divulgado em 19 de setembro.

Os moradores da região argumentam que as amostras foram coletadas após uma ressaca, quando os resíduos na praia são muito mais volumosos do que o usual, distorcendo os dados. Os autores do estudo – que ainda não foi publicado em uma revista científica – também pediram cautela na análise dos dados de cada praia, devido à pouca representatividade do tamanho da amostragem.

O problema é que muitos veículos jornalísticos exageraram nos seus títulos, chamando o Pântano do Sul de a "praia mais poluída do Brasil". Além de tirar as informações de contexto, a maioria das reportagens sequer informou que a água do mar é considerada própria para banho nesta praia, de acordo com Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA).

Ao olhar para a situação do Pântano do Sul, no entanto, é possível perceber o grande desafio para manter as praias limpas, já que plásticos e microplásticos não respeitam fronteiras.

"O estudo mostra o que é possível encontrar nas praias brasileiras, até onde a poluição pode chegar. Não significa que, se eu for agora ao Pântano do Sul, o número será o mesmo", explicou a presidente da Sea Shepherd Brasil, Nathalie Gil. "O que se encontra na praia é um indicativo da má gestão de resíduos como um todo. Não só de Florianópolis, mas de outras cidades do entorno de Santa Catarina e muito além, por causa das correntes marítimas."

Onipresença do plástico

O estudo encontrou plástico na areia de todas as praias analisadas. Além disso, em 97% delas achou microplástico, que são fragmentos menores que 5 milímetros – tamanho semelhante ao de um grão de ervilha.

Os pesquisadores esperavam encontrar muito plástico, mas a quantidade os surpreendeu, segundo a presidente da Sea Shepherd Brasil. De todos os macrorresíduos, 91% pertenciam a essa categoria – o restante eram materiais como vidro, papel e cerâmica. Um estudo internacional identificou que, no mundo, a porcentagem de plástico nas praias em relação aos outros resíduos é de 62%.

Ao comparar as praias, o estudo colocou o Pântano do Sul no topo do ranking de todos os indicadores. "Pelas fotos que a gente viu, percebemos que a pesquisa foi feita após uma ressaca. Como a praia é de mar aberto e virada para o sul, ela recebe tudo que é sujeira de outras praias", disse o presidente da Associação de Moradores de Pântano do Sul, Wagner Leandro de Lima.

Essa análise é compartilhada pelos pescadores. Eles disseram que, quando colocam a rede no mar, deixando-a de um dia para o outro, pegam também muito lixo, como garrafas pet, potes de plástico e até aparelhos eletrônicos.

Praia de pescadores

Para a professora de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do Laboratório de Poluição e Geoquímica Marinha (LaPoGeo), Juliana Leonel, as notícias trataram a praia do Pântano do Sul de forma descontextualizada.

"Ir na praia uma vez e fazer uma medida resulta em uma fotografia do momento. E o próprio relatório, em mais de um momento, faz essa ressalva", alertou. De acordo com Leonel, muitas variáveis podem alterar os dados, como o tipo de praia, a estação do ano, a maré e o horário em que foi feita a coleta, além de eventos meteorológicos como uma ressaca ou a passagem de uma frente fria.

O Pântano do Sul é uma tradicional praia de pescadores no sul da Ilha de Santa Catarina. Por ser calma e ter diversos restaurantes, atrai muitas famílias com crianças. A presença de plásticos não chamou a atenção da reportagem em um primeiro momento, quando esteve lá no dia 18 de outubro.

Olhando com atenção, no entanto, dava para ver pedaços de papel de bala, bitucas de cigarro e uma garrafa pet. Em alguns locais, era possível ver pequenos aglomerados de pedacinhos de plásticos coloridos. Mas nada que parecesse justificar a pecha de "praia mais poluída do Brasil".

Gustavo Salgado, 55 anos, e Cláudia Calvi, 43 anos, são de Buenos Aires. Ambos estavam curtindo a praia no dia em que a reportagem esteve no Pântano do Sul. Para eles, a praia é limpa. "Vocês cuidam bem da praia. Na Argentina nós vemos muito mais lixo, como bitucas de cigarro", ele disse. "Perto das praias de Buenos Aires, aqui é o paraíso", ela avaliou.

O grande problema dos microplásticos

Por serem tão pequenos, os microplásticos entram na cadeia alimentar dos animais marinhos, chegando aos seres humanos. "Os efeitos toxicológicos foram confirmados em todos os níveis da organização em biologia, e há evidências de possíveis efeitos sobre a saúde humana", afirmou um estudo liderado por Richard C. Thompson, apelidado de "padrinho dos microplásticos".

Até pelo crescente interesse no tema, a quantidade de microplásticos encontrados no Pântano do Sul chamou a atenção: 144 por m². Bem maior que a segunda colocada, a Praia do Centro, em Mongaguá (SP), com 83 por m², e a Praia do Rizzo, também em Florianópolis, com 78 por m².

Em 2018, uma pesquisa de mestrado orientada pela professora Juliana Leonel identificou 64 microplásticos por m² na mesma praia. "Também foi um estudo pontual em que não tivemos a oportunidade de repetir a medição. Mas esses dados mostram que a concentração quase dobrou. Pode ser que esteja aumentando a quantidade de microplástico que chega ali ou pode ser uma diferença em relação aos vários parâmetros que citei", refletiu.

Mas ao comparar os dados encontrados pelo Sea Shepherd com outros estudos, há valores mais altos. Uma pesquisa publicada em 2021 na Marine Pollution Bulletin analisou as praias de Fernando de Noronha. Em algumas delas não foi encontrada nenhuma partícula, enquanto na praia do Atalaia, por exemplo, foram detectados 1.059 microplásticos por m² – cerca de sete vezes mais do que no Pântano do Sul.

Políticas públicas locais e globais

Há vários fatores que influenciam a presença de resíduos nas praias, como a poluição local e a que chega pelo mar. "Encontramos plásticos em lugares isolados, como nos Lençóis Maranhenses, ou no Pará, onde andávamos duas horas em áreas de mangue para chegar na praia. É chocante", contou a presidente do Sea Shepherd.

O Tratado Global sobre Plásticos da Organização das Nações Unidas (ONU), aprovado em 2022, é considerado importante para o tema. Mas ainda não saiu do papel. "O tratado também foca muito nessa logística reversa, na circularidade. Ele não está focando na produção, em exigir das indústrias que elas fechem a torneira do plástico virgem [fabricado diretamente pelo petróleo]", avaliou.

Em termos de Brasil, o estudo aponta dois projetos de leis como fundamentais: o PL 2524/2022, que trata da gestão de plásticos, e o PL 1874/2022, voltado à economia circular.

A prefeitura de Florianópolis, em nota, salientou que os "microplásticos nas praias não são resultado de poluição local, mas sim de resíduos transportados por correntes oceânicas oriundas de outras regiões". O município não informou se pretende tomar alguma atitude específica sobre resíduos nas praias da cidade a partir do estudo.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Economia Verde de Santa Catarina, estado onde foram encontradas as maiores concentrações de microplásticos no Brasil segundo o estudo, informou que está "articulando ações com a USP, que coordena a implementação da rede Oceano Limpo no Brasil, para elaboração de um plano estadual de combate ao lixo no mar".

Outro estudo orientado pela professora da UFSC mostra a importância de políticas integradas. Publicado na Marine Pollution Bulletin, mostrou que microplásticos chamados de pellets poderiam viajar de Itajaí a Florianópolis, percurso de aproximadamente 80 quilômetros, em dois dias. Como se popularizaram a partir da Segunda Guerra Mundial, muitos plásticos e microplásticos ainda estão viajando pelo planeta.

Autor: Maurício Frighetto

Tópicos relacionados

Mais notícias

Carregar mais