Por que latinos, mulheres e negros caminharam para Donald Trump na eleição

Presidente eleito avançou entre grupos que tradicionalmente são mais favoráveis aos Democratas

Por Guilherme Machado

Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos durante evento
REUTERS/Brian Snyder

Em 2016, quando disputou a eleição pela primeira vez, Donald Trump venceu no estado da Flórida por apenas 1 ponto percentual. No condado de Miami-Dade, de forte presença latina, Hillary Clinton ganhou com 30 pontos de vantagem. Agora, em 2024, Trump venceu o estado por 13 pontos. Dessa vez, foi ele que conquistou Miami-Dade, por 11 pontos. O que explica essa mudança? O fato de que boa parte dos latinos passou a apoiar Trump.

No passado, estes eleitores eram considerados uma das bases do partido Democrata. Entretanto, dessa vez, Kamala Harris venceu neste grupo por uma margem muito mais apertada (53% a 45%). 

Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM, destaca que esse fenômeno é parecido com o que ocorreu entre os funcionários do colarinho azul (blue collar), que votavam em massa nos Democratas até começarem a apoiar mais os Republicanos.

“Eram os trabalhadores da indústria fragorosamente democratas e mudaram de partido desde 2016, constituindo uma base fundamental da primeira eleição de Trump. Então o que aconteceu com os latinos que sempre foram um eleitorado Democrata, que olhavam para o partido como uma proteção? Acho que, na prática, o eleitorado latino passou a ter o mesmo medo de perder o emprego que tem o eleitorado da indústria”, detalha o especialista.

Trevisan observa um ressentimento sobretudo de latinos legalizados nos Estados Unidos, que começaram a temer que outras comunidades que chegassem ao país de forma ilegal poderiam roubar os espaços que eles conquistaram. 

“Ele [o latino legalizado] se vê como melhor do que aquele que acabou de chegar e o vê como um concorrente desleal. O imigrante latino que vota em Trump o faz primeiro por esse medo. É verdade também que certos pontos da plataforma do Trump agradam a esse eleitor que tem o mesmo perfil dos demais eleitores dele: as promessas de prosperidade muito rápida”, explica. 

Questões locais

Lucas de Souza Martins, professor de História dos Estados Unidos pela Temple University, aponta ainda problemas locais da Flórida que explicam como o estado virou para a direita. Ele cita, por exemplo, a passagem recente do furacão Milton pela região.

“A Flórida é afetada pela questão climática. Não à toa que houve a a situação dos furacões e de uma certa crítica ao papel do estado no atendimento das pessoas afetadas. Nesse cenário, quem ganha mais é a oposição ao governo de Joe Biden. É uma região que precisou de auxílio federal e que olha para a oposição com esperança de que receberia mais auxílio”, ressalta.

Martins também diz que existe uma frustração generalizada deste eleitorado com o governo federal.

“Já vem de outras campanhas eleitorais. Não é à toa de que observamos nas três últimas eleições uma tendência dos eleitores de votar na oposição. As pessoas têm esperado entregas do governo de Washington, mas que não necessariamente encontram acolhimento nessas políticas, do ponto de vista econômico, do sonho americano. É um anseio de ver entregas por parte do governo federal”, complementa.

Mulheres e negros

Trump também avançou entre eleitores negros e mulheres, grupos que também historicamente sempre foram mais favoráveis aos Democratas. Para Trevisan, parte desta situação se explica pelo foco que o partido a um discurso indenitário.

“A chave para entender os votos da população negra e das mulheres no Trump está no compromisso indenitário que os Democratas escolheram. Há, de certa forma, uma resistência de um eleitor que está muito mais preocupado com suas condições de vida e em preservar seu formato de vida, suas crenças individuais, seus valores, do que necessariamente fazer uma troca desses valores por um processo de reconhecimento. Isso é um problema universal, não exclusivo do eleitorado americano”, ressalta ele.

Já Martins destaca ainda os aspectos econômicos envolvidos neste cenário. Nos últimos anos, os EUA lidaram com altos índices de inflação, que corroeram o poder de compra dos cidadãos, apesar dos baixos índices de desemprego. 

“As pessoas querem ver transformações no seu padrão de vida. O que acontece hoje nos Estados Unidos é que as pessoas têm, de forma geral, a necessidade de investir e colocar o seu tempo de dois ou três empregos de meio-período que não necessariamente trazem o conforto econômico que elas gostariam. As pessoas trabalham mais para pagar suas contas, nos fins de semana, no feriado. Estou falando do eleitor médio americano que não tem dificuldade para encontrar emprego, mas para ganhar mais”, afirma o professor.

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