Imagine que há 900 mil anos você estava vagando nu por uma bela área de natureza extrema. O tempo começa a ficar cada vez mais frio e seco, a comida se torna escassa e todos ao seu redor estão morrendo. Você tem de garantir sua própria sobrevivência nessas condições.
Se essa situação parece distante da sua realidade, ela foi bastante real para o seu tataravô de 30 mil gerações passadas.
Um estudo publicado na revista Science no final de agosto aponta que nossos ancestrais que viviam na África estiveram à beira da extinção.
Houve uma súbita queda no tamanho da população, restando apenas 1.280 pessoas. A causa dessa extinção quase total ainda é incerta, mas a hipótese levantada pelo estudo é de que tenha havido uma mudança climática parecida com a que estamos atravessando atualmente.
Muitos morreram, alguns sobreviveram, e então, nós viemos
Com isso, o destino da humanidade ficou literalmente nas mãos de algumas poucas pessoas. Toda a nossa história, nossos entes queridos e todos que conhecemos são oriundos desses poucos e sortudos sobreviventes. Os autores do estudo descobriram que esse grupo conseguiu preservar o contingente populacional ao longo de 117 mil anos.
"O fato de que estamos aqui hoje, povoando o planeta com mais de 8 bilhões de indivíduos, significa que nós conseguimos sobreviver a uma miríade de eventos desfavoráveis graças a nossas habilidades de adaptação e, por que não, a um pouco de sorte", disse Giorgio Manzi, professor de antropologia da Sapienza Universidade de Roma. Manzi colaborou com a pesquisa.
O chamado evento gargalo ocorre quando um grande número de seres vivos é atingido por condições naturais desfavoráveis. Alguns poucos conseguem passar pela parte mais estreita da garrafa e repovoar o ambiente.
Lacuna nos registros fósseis
A ciência nos ensinou muito sobre nossas origens, principalmente por meio dos fósseis.
Uma teoria amplamente aceita é a de que entre 700 mil e 500 mil atrás um ancestral comum se dividiu em três linhagens que resultaram nos neandertais, denisovanos e numa versão primitiva de nós. Esse ancestral comum tem sido chamado pelos cientistas de Homo heidelbergensis e esse novo estudo reforça essa teoria.
Mas existe uma lacuna nos registros fósseis. Há poucas evidências fósseis de 900 mil anos atrás, e isso intriga os cientistas há décadas.
Esse novo estudo, no entanto, apresenta uma razão possível para a existência desses poucos fósseis. A hipótese é de que entre 930 mil e 813 mil anos atrás cerca de 98,5% desses humanos primitivos foram extintos.
Se havia menos indivíduos, faz sentido que menos pessoas tenham sido fossilizadas. Por isso, a menor quantidade de evidências fósseis localizadas.
Mudança climática levou antigos humanos à extinção?
Os pesquisadores afirmam que seus achados têm uma forte relação com uma mudança climática dramática a partir de um evento que ocorreu há quase 1 milhão de anos.
Esse fato, conhecido como Transição do baixo e médio Pleistoceno, foi um ponto de virada para várias formas de vida.
"Nossa descoberta chama a atenção para como a mudança climática afetou a evolução”, disse Manzi, que também ressaltou que a atual mudança climática causada pela ação humana "pode nos levar à beira da extinção de novo”.
Nossos ancestrais podem ter vivido um evento glacial severo, quando o gelo se espalhou dos polos da Terra, secas muito rigorosas, ou ainda a perda de outras espécies.
Soa familiar? Estamos diante de eventos parecidos atualmente, com a única diferença de que o gelo polar está derretendo, e não se espalhando.
Olhada no passado por meio dos genes humanos
Os pesquisadores analisaram a sequência genética de mais de 3 mil humanos modernos, usando um novo método estatístico chamado FitCoal.
O FitCoal resgata a história a partir do material genético e assim, produz dados sobre populações passadas.
As descobertas ainda precisam ser confrontadas com os fósseis já encontrados e também com registros arqueológicos. Por exemplo, os pesquisadores gostariam de compreender se esses 1.280 sobreviventes eram mesmo ancestrais de Neandertais, Denisovanos e do humano moderno.
E com o FitCoal, tudo o que eles precisam é de apenas uma fração da informação genética.
Autor: Esteban Pardo