Por que o Brics busca uma alternativa ao dólar?
As nações do Brics – o nome se refere aos membros originais do bloco, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – estão entre as economias que mais crescem no século 21. Elas estão interessadas em reduzir sua dependência do dólar americano, a moeda de reserva do mundo, usada em quase 80% do comércio global.
A maioria dos economistas concorda que o sistema financeiro dominado pelo dólar proporciona aos Estados Unidos várias vantagens econômicas importantes, incluindo custos de empréstimo mais baixos, capacidade de sustentar déficits fiscais maiores e a estabilidade da taxa de câmbio, entre outros benefícios.
O dólar também é a principal moeda usada para precificar commodities como o petróleo e o ouro, e sua estabilidade faz com que investidores migrem para o dólar em tempos de incerteza.
O dólar proporciona aos EUA uma enorme influência geopolítica, incluindo a capacidade de impor sanções a outros países, restringindo o acesso ao comércio e ao capital. Ele também dá a Washington influência sobre seus rivais, insistindo para que operem dentro de uma estrutura definida pelos interesses dos EUA.
O Brics – que se expandiu para incluir Irã, Egito, Etiópia e os Emirados Árabes Unidos – acusa Washington de "transformar o dólar em uma arma" e intensificou os planos para criar uma nova moeda conjunta como alternativa ao dólar depois que os EUA e a União Europeia impuseram sanções à Rússia por causa da invasão em grande escala da Ucrânia em 2022. O bloco do Brics está preocupado com a possibilidade de ser alvo de sanções caso se desentenda com o Ocidente.
Na cúpula do Brics realizada no ano passado na África do Sul, o bloco concordou em estudar a possibilidade de criar uma moeda comum para minimizar a exposição aos riscos relacionados ao dólar, embora isso provavelmente leve muitos anos para se concretizar. Nesse meio tempo, as nações do Brics concordaram em facilitar mais o comércio em moedas locais, reduzindo sua dependência do dólar.
Como é a ideia de uma moeda conjunta do Brics?
A criação de uma moeda do Brics foi discutida pela primeira vez logo após a crise financeira de 2008/9, depois que um boom imobiliário nos EUA e regulamentações deficientes quase colapsaram todo o sistema bancário global.
A ideia ganhou força na última década e, na cúpula do Brics realizada no ano passado na África do Sul, o bloco concordou em estudar a possibilidade de criar uma moeda comum para minimizar a exposição aos riscos relacionados ao dólar, embora os líderes do Brics tenham observado que isso provavelmente levaria muitos anos para se concretizar.
O presidente russo, Vladimir Putin, foi além durante a mais recente cúpula do Brics em Kazan, na Rússia, em outubro, propondo um sistema de pagamentos internacionais baseado em blockchain, projetado para contornar as sanções ocidentais. Mas houve pouco entusiasmo com o plano.
Enquanto isso, as nações do Brics concordaram em facilitar mais o comércio em moedas locais, reduzindo sua dependência do dólar.
Putin e seu colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, são os maiores defensores da nova moeda. Embora a China não tenha expressado explicitamente sua opinião, Pequim tem apoiado iniciativas para reduzir a dependência do dólar. A Índia, por sua vez, é muito mais cautelosa com relação à ideia.
Qual é a viabilidade de uma moeda comum do Brics?
Uma nova moeda conjunta do Brics seria um empreendimento repleto de muitas complexidades, devido aos diferentes sistemas políticos e econômicos dos nove membros atuais do Brics. Os países do Brics estão em estágios variados de desenvolvimento econômico e têm taxas de crescimento muito diferentes.
A China, por exemplo, é um Estado autoritário e é responsável por cerca de 70% do produto interno bruto (PIB) total do bloco, com 18 trilhões de dólares. A China tem um superávit comercial e mantém um grande estoque de dólares para sustentar sua competitividade como grande exportador.
A Índia, por outro lado, é a maior democracia do mundo, e sua economia vale 3,7 trilhões de dólares. A Índia tem um déficit comercial
O domínio da China no Brics criaria um grande desequilíbrio que tornaria difícil para Nova Déli chegar a um acordo sobre uma estrutura para a nova moeda que não ofuscasse seus próprios interesses nacionais.
Outras disparidades entre os membros do Brics também podem contribuir para estimular a resistência a uma moeda compartilhada.
É improvável que os membros do Brics queiram eventualmente adotar uma moeda comercial como o euro. O euro levou mais de 40 anos para virar realidade, desde o momento em que foi proposto pela primeira vez, em 1959, até 2002, quando suas notas e moedas se tornaram moeda legal em 12 países da UE, posteriormente 20 estados.
A opção mais provável seria a criação de uma moeda usada exclusivamente para o comércio, avaliada com base em uma cesta de moedas e/ou commodities, como ouro ou petróleo. Ela poderia funcionar de forma semelhante aos Direitos Especiais de Saque (SDR) do Fundo Monetário Internacional (FMI). O SDR é um ativo financeiro internacional, avaliado com base nas taxas de câmbio diárias do dólar, euro, yuan, iene e libra. Alguns sugeriram que uma alternativa do Brics poderia ser uma moeda digital.
Ameaça de tarifa de 100% seria prematura?
Quando retornar à Casa Branca em janeiro, Trump disse que "exigirá"dos países do Brics que eles se comprometam a "não criar uma nova moeda do BRICS nem apoiar qualquer outra moeda para substituir o poderoso dólar americano".
Embora os planos do Brics tenham sido discutidos regularmente por mais de uma década, a proposta de uma moeda conjunta teve pouco progresso. Portanto, Trump pode estar se precipitando um pouco.
De fato, nesta segunda-feira (02/12), o governo sul-africano insistiu que não há planos para criar uma moeda do Brics, culpando "notícias recentes equivocadas" por espalhar uma falsa narrativa. Ele disse que as discussões se concentraram em ajudar o comércio dentro do bloco usando moedas nacionais.
A ameaça de Trump pode prejudicar os laços com as economias de crescimento mais rápido do mundo, que são alguns dos principais parceiros comerciais dos EUA, e pode desencadear a ameaça de medidas de retaliação.
Somadas às ameaças existentes de Trump de cobrar tarifas adicionais sobre os rivais americanos, a inflação poderia aumentar tanto global quanto internamente, o que poderia desacelerar o crescimento econômico.
A decisão de priorizar o dólar também marca uma mudança de política em relação ao primeiro mandato de Trump, no qual ele favoreceu o enfraquecimento da moeda para impulsionar as exportações dos EUA.
Sua ameaça causou um fortalecimento da moeda americana nos mercados financeiros na segunda-feira e um enfraquecimento do ouro, juntamente com o yuan, a rúpia e o rand.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que uma tendência está ganhando força contra o dólar como moeda de reserva, dizendo que "cada vez mais países estão mudando para o uso de moedas nacionais em suas atividades econômicas comerciais e estrangeiras".
"Se os EUA usarem a força – como dizem, força econômica – para obrigar os países a usar o dólar, isso fortalecerá ainda mais a tendência de mudança para moedas nacionais (no comércio internacional)", alertou
Autor: Nik Martin