A primeira visita de uma delegação do governo talibã do Afeganistão ao fórum econômico de São Petersburgo, em 2022, gerou furor dentro e fora da Rússia. Dois anos depois, representantes do Talibã participam de novo do fórum, que começa nesta quarta-feira (05/06) e prossegue até sábado.
Desta vez, a presença deles sequer teria chamado a atenção se, pouco antes do início do fórum, o Ministério russo da Justiça e o Ministério do Exterior não tivessem sugerido ao presidente Vladimir Putin retirar o grupo fundamentalista Talibã da lista de organizações proibidas.
Putin não se manifestou sobre a proposta e limitou-se a dizer que é necessário ampliar "relações" com o Talibã e com o "atual governo" no Afeganistão. Mas o que isso significa na prática?
O especialista Hans-Jakob Schindler, da organização internacional Projeto Contra Extremismo (CEP), ressalva que desconhece os processos internos de decisão no Ministério russo do Exterior, mas entende que a Rússia quer uma contrapartida para a proposta de retirar o Talibã da lista de organizações terroristas. O que não é desprovido de riscos: "Os talibãs sempre aceitam de bom grado ações antecipadas, mas, na hora da contrapartida, as coisas se complicam".
Já o especialista em Afeganistão Thomas Ruttig vê na iniciativa do Kremlin "uma espécie de tática do salame: fatia por fatia, em passos muito pequenos, até o reconhecimento oficial – o que agrada ao Talibã, claro".
O passo seguinte à retirada da lista de terrorismo seria o reconhecimento do Talibã como poder legítimo no Afeganistão, avaliam os especialistas.
Vem aí o reconhecimento pela Rússia?
Contatos informais entre a Rússia e o Talibã são percebidos desde 2015. Além disso há a suspeita de que a Rússia tenha fornecido armas ao Talibã. As duas partes estabeleceram relações diplomáticas oficiais em março de 2022.
Seis meses antes, em agosto de 2021, os combatentes talibãs haviam tomado o poder do então governo afegão – sem encontrarem grande resistência. Os contingentes militares e os representantes dos países ocidentais, que apoiavam o governo anterior e estavam no Afeganistão havia cerca de 20 anos, abandonaram o país às pressas.
O Talibã já havia governado o Afeganistão de 1996 a 2001. A nova tomada de poder, duas décadas mais tarde, significou o retorno da lei da sharia e a restrição de muitos direitos fundamentais, especialmente para as mulheres. Desde então, nenhum Estado reconheceu o governo do Talibã como legítimo. Na Rússia, o grupo está desde 2003 na lista de organizações proibidas.
Mas a frente internacional contra o regime talibã dá sinais de estar se rompendo. O primeiro país a anunciar a retirada do Talibã da sua lista de organizações terroristas foi o Cazaquistão, um vizinho da Rússia, em 3 de junho.
Especialistas consideram possível que a Rússia siga esse passo durante o fórum econômico de São Petersburgo. Mas, para Schindler, o Kremlin encara um dilema: por um lado, é uma "jogada desastrada" anunciar um passo como esse sem receber nada em troca. "Por outro, é evidente que não se pode assinar acordos econômicos importantes com uma organização que está oficialmente na lista nacional de terroristas."
No vácuo do Ocidente
Schindler vê na aproximação da Rússia com os talibãs um passo político de riscos calculados para a Rússia. "Se o Talibã for ou não retirado da lista russa de terroristas é algo relativamente irrelevante enquanto o Conselho de Segurança das Nações Unidas mantiver o grupo na sua lista de sanções", pois esta é "juridicamente vinculativa" para a Rússia. Para não violar as sanções da ONU, a parte russa convidou para São Petersburgo aqueles representantes do Talibã que não são alvos de sanções internacionais voltadas contra pessoas.
Se a retirada da lista não mudará praticamente nada por esse lado, por outro ela ajudará a reforçar as relações entre os dois lados. De acordo com dados russos, o volume de negócios entre os dois países quintuplicou só no ano passado e ultrapassou a marca de 1 bilhão de dólares americanos. No entanto, como observa Schindler, esse valor é enorme para a economia afegã, mas relativamente insignificante para a economia russa.
Para a Rússia, a aproximação com os talibãs é muito mais uma questão de estratégia geopolítica. Com a saída da coligação ocidental do Afeganistão, a Rússia e também a China tentam preencher o vazio deixado e integrar os talibãs na comunidade de Estados antiocidentais.
Isso não ocorre sem razões econômicas, observa Schindler. Essas baseiam-se no pressuposto de que o solo afegão contém uma série de matérias-primas estratégicas que podem ser exploradas a longo prazo se o Afeganistão for pacificado e se forem construídas infraestruturas adequadas. Ruttig acrescenta: "O Afeganistão não é uma prioridade para a Rússia em termos de política externa, mas Moscovo tem interesse na criação de um pólo de infraestruturas no país."
Talibã como aliado contra o terrorismo
O ataque terrorista de 22 de março de 2024 em Moscou, que foi reivindicado pelo chamado Estado Islâmico da província de Khorasan, também desempenha um papel importante. Segundo Schindler, os líderes russos tiveram de reconhecer que essa ramificação do grupo terrorista Estado Islâmico representa uma nova ameaça terrorista para outros países vinda do Afeganistão. Isso obviamente aumentou o interesse do Kremlin em estabelecer contatos mais estreitos com o atual regime em Cabul.
Schindler alerta, porém, que a Rússia incorre na mesma "avaliação errada, comum no Ocidente", de que os talibãs rejeitam o Estado Islâmico Khorasan. Ele observa que muitos membros desse grupo terrorista são antigos talibãs. Em segundo lugar, muitos talibãs estão ideologicamente próximos do Estado Islâmico Khorasan, e a pressão sobre eles poderia levar à deserção deles para esse grupo.
Se, como Ruttig sublinha, os talibãs estão fazendo tudo o que podem para combater o Estado Islâmico, Schindler ressalva que, para que o seu regime sobreviva, o Talibã terá de saber equilibrar muito bem a sua luta contra o Estado Islâmico Khorasan.
Autor: Mikhail Bushuev